Anarco-civismo

No SIMplex, Leonel Moura deu um testemunho de independência que tem, simultaneamente, um timbre pessoal e uma ressonância colectiva:

Do que conheço, e já conheço alguma coisa, nem o PS enquanto organização, nem a vasta maioria dos socialistas com quem me fui cruzando nas curvas da vida, alguma vez reagiram mal à minha condição de artista e anarca. Pelo contrário, nunca vi um partido mais aberto à diferença, mais tolerante, mais empenhado nas novas coisas e nas novas ideias. Há comprovadamente uma cultura da liberdade instalada no PS que não vejo nos outros partidos, da direita ou da dita esquerda, salvo rarissimas excepções. Há, para além disso, neste PS de Sócrates uma genuína vontade de acompanhar o que efectivamente vai fazendo o mundo de hoje e do futuro. Uma abertura, uma ambição, uma respiração que só pode favorecer o país e os portugueses. Não encontro isso em mais partido nenhum. Confirmo sim, todos os dias, a asfixia do medo, do conservadorismo, da demagogia.

De facto, onde está a modernidade do PCP, hoje um tugúrio onde se berra que a realidade se enganou e engana? Onde está a modernidade do CDS, hoje uma D. Elvira para passeios nas feiras da Malveira ou Golegã? Onde está a modernidade do BE, hoje uma assembleia de fiéis hipnotizada pelo pregador-mor? Onde está a modernidade do PSD, hoje um hospício abandonado pelos médicos e enfermeiros?

O que se passa em Portugal desde 2004, com a invenção do Freeport e sucessivas tentativas de destruição política e cívica de Sócrates que até chegaram a envolver a Presidência, é historicamente extraordinário e tem implicações que ultrapassam os cálculos dos mentores dos ataques. A chegada de Sócrates à liderança do PS agitou os fundos lodosos do pântano e as águas ficaram sujas como nunca se tinha visto depois do 25 de Novembro. 30 anos de democracia conviviam cúmplices ou resignados com as heranças do antigo Regime e os pactos tácitos, e de silêncio, que tinham reorganizado a distribuição da riqueza em moldes simétricos. O País continuava a ser de umas poucas famílias financeiras, da legião dos funcionários públicos e dos profissionais da revolução. Impedir o fumo em restaurantes, ou as bactérias à moda da casa, por exemplo, não se fazia com medo das vedetas da opinião ou da revolta dos fogareiros. Cobrar impostos, então, nem pensar. Para quê, se a corrupção que não se descobre, ou que a comunicação social não tem interesse em expor, funciona tão bem na ancestral lógica da economia paralela?

Os partidos que acabam de ver votadas as suas propostas para a legislatura – e que perderam humilhantemente dadas as circunstâncias de desgaste e insídia contra Sócrates, Governo e PS – recusam mudar os propósitos sectários ou reconhecer que eles fazem parte do problema. Na prática, isto de a oposição conceber o seu papel como uma sucessão de boicotes ao Governo, qualquer Governo, é uma das causas do nosso atraso económico e cultural. O que cada um destes partidos quer, a vitória absoluta sobre os malvados inimigos e a instauração de um reino de felicidade através das suas gentes e ideias, é lunático. Que podemos fazer?

Podemos fazer como o Leonel: procurar a inteligência. Podemos olhar para o horizonte, e para as estrelas, e decidir para onde queremos ir, como lá chegar e com quem. Podemos usar o nosso discernimento para recusarmos a cultura da impotência que faz da política uma nova Inquisição. Podemos afirmar a nossa vontade na exigência de uma oposição que seja capaz de fiscalizar o Governo com lealdade, em vez de o perseguir com má-fé.

Contribuirmos para que cada vez mais cidadãos conheçam os seus direitos, e conheçam os deveres dos partidos que constituem o sistema, é algo que irá baralhar os caçadores de Sócrates, incapazes de lidar com a autonomia e a liberdade. O pântano não vai resistir à maré.

8 thoughts on “Anarco-civismo”

  1. esta não maioria absoluta tem pelo menos o condão de mostrar os verdadeiros intentos do pessoal dos media, cujo activismo militante anti-sócrates era escondido sob a capa da “informação isenta”. primeiro foi o crespo a pedir que a oposição em bloco deite abaixo o governo e agora o pulido “whisky” valente a exigir que o sócrates vá embora. agora, mesmo os mais desatentos, já sabem a força motriz que move o pessoal dos media.

  2. Só li este texto quase às 10 h. da noite ,e o sono já não está a ajudar.Mas parece-me que é dos melhores e mais correctos elogios á politica deste governo e do seu 1º Ministro.Apesar de parecer, não estou a endeusar ninguem, estou sim a reconhecer a excelencia onde ela está ,e a dar-llhe o devido valor .Tanto o Valupi como o Leonel Moura merecem os aplausos pelos respectivos textos.

  3. Para mim e para muita gente, José Sócrates é o melhor PM desde que temos a Democracia. Mário Soares não foi tão assertivo, mas disse para quem quis ouvir que Sócrates foi o PM no momento certo, para enfrentar esta crise aguda que só os cegos não queram ver. Pense-se na derrocada espanhola, de quem estamos muito dependentes e vejam como resistimos bem melhor que os nossos vizinhos. Aquelas sumidades da FCF do programa que era Pros e Contras e agora é só Contras, nem uma palavra sequer para o diferente comportamento das duas economias quase siamesas. Não entendo, Valupi, como a cegueira, talvez provocada pela inveja de quem não fez nada de parecido quando esteve no governo, possa atingir tamanha dimensão.
    Neste nosso pequeno País odeia-se quem sobressai da mediania habitual. Inesperadamente, um Sócrates empenhado para além de tudo o que seria expectável, sacode a pátina acumulada sobre uma mentalidade do “deixa andar que isto há-de ir”.
    Empenhado, persistente, determinado, corajoso, honesto como poucos. Cometeu erros, sim senhor. Quem não tem falhas de governação? Porém, o maior erro dele, foi ter acreditado na decência de pessoas que, em princípio, deviam estar acima de qualquer suspeita, no momento em que está em causa o bom nome de Portugal, na pessoa do seu PM. O inacreditável episódio das escutas de Belém, não só não mereceu um esclarecimento e desmentido sobre o papel do Sr Fernando Lima, como, num requinte de qualquer coisa que nem me atrevo a classificar, a pessoa em questão, em vez de ser afastada é promovida. A bofetada na cara do PM é sonora e ninguém fala no gesto agressivo. Mas olhem para o rosto fechado de Sócrates e podem ver que ele acusa o peso da ofensa. O PS exprimiu estupfacção, na AR. Uma única voz, neste País, se fez eco da insólita desfeita.
    O PM está amargurado e não é para menos. As escutas, estas sim, reais, de que foi alvo, só vieram tornar claro o que faces ocultas intentaram contra o legítimo governo do País. Hoje, Mário Soares alerta para o facto de Sócrates poder não aguentar tanta afronta.
    Estamos a ser governados por uma coligação negativa irresponsável, que se revê, eufórica, num punhado de magistrados que decidiram dar um golpe de morte na democracia. Já sabiamos que PC, BE e CDS só gostam da democracia quando estão na mó de baixo e têm de a suportar. Mas o PSD?! que foi de Sá Carneiro!
    Porca miséria!

  4. Cada vez gosto mais destes textos ternurentos do Valupi.
    Os passarinhos, tão engraçados, fazem os ninhos com mil cuidados, são p’ros filhinhos, que estão para ter … nunca se faça mal a um ninho, à linda graça de um passarinho.

  5. Nem se metam os passarões na gaiola, isso é que não, nem se lhes toque com um dedo! BPN? Que é isso, sr Gaio? Uns trocos a voar, que interesse jornalistico ou outro podem ter? Tem Tem nome de pássaro e não conhece bem a fauna?
    A toca do Ali Babá diante dos olhos e anda este Manel Gaiol preocupado com passarinhos. Este e os outros que a gente sabe. Agora são os telefones trocados dos arguidos da sucata. Aos passarões da devassa do segredo de jsutiça nem a Morgadinha dos Canaviais mandam para investigar!

  6. Alguém me responda se souber: Foram ou não foram as escutas ao PM autorizadas devidamente pelo juiz presidente do Supremo? Foi ou não foi, em devidio tempo, feito tal pedido de autorização pelo PGR ao presidente do Supremo, após atempada e correcta diligência dos Magisrtrados de Aveiro? A determinação da destruição das escutas deveu-se à irrelevancia criminal constatada nas escutas ou a alguma iligalidade cometida pelos magistrados de Aveiro? Terão o PGR e o Presidente do Supremo autorizado escutas meses a fio sem o controlo exigido na lei, num caso tão melindroso como de escutas ao PR ou ao PM? E os magistrados de Aveiro andaram em roda-livre o tempo que entenderam, remetendo às «bochechas» e ou aos bochechos e ao Supremo Juiiz as escutas feitas ao longo de meses e em pleno período de três (!) actos eleitorais? Será isto que levou Vieira da Silva a falar em espionagem politica?
    Quero ver os senhores deputados a fazer estas perguntinhas todas na audição do ministro.
    Uma coisa é certa: o presidente do Supremo e o PGR fartaram-se de dar pontapés nas leis da justiça, segundo diz o insuspeito Marcelo.
    Se aconteceu aquilo que muita gente anda a pensar então é razão para dizer com Freitas do Amaral que a justiça bateu mesmo no fundo. A ausência de uma investigação por parte do MP à gravíssima e pública acusação de espionagem por parte do governo ao PR e o «nim» da explicação de Cavaco Silva ao episódio da demissão não demissão (que afinal foi promoção) do seu assessor da Presidencia completam o filme que não julgava possivel ser rodado no Portugal do sec XXI.
    Porca miséria!

  7. Jeremias:
    Somos um País que só adoramos as coscuvilhices e o bota abaixo. Não nos lembramos que amanhã pode ser o nosso nome ou de um familiar a ser falado na comunicação social. Estive a assistir no canal parlamento à inquirição ao ministro Vieira da Silva e não me surpreendeu a posição de todos os deputados. Estes são uns verdadeiros vampiros e como não vivem sem sangue, lutam com todas as forças por ele.
    O que não esperavam era encontrar um ministro (Vieira da Silva) com eles no sítio e demonstrar-lhes que o que é dito num jornal ou outro órgão de informação, também é dito no Parlamento. Não sou socialista, voto PS pelo efeito Sócrates, mas cada vez simpatizo mais com as suas tomadas de posição.
    O deputado Ricardo Rodrigues referiu-se a todos os deputados com uma lisura dos factos, e disse que todos eles podem dizer o que quiserem, só o PM os deputados do PS e o próprio PS é que tem de estar calados. Não me admira dos deputados do PSD tomarem esta atitude, este é o lema da sua presidente, agora o CDS, BE e PC é que não se compreende. Aqui incluo o CDS porque o acho – nesta altura – mais democrático que o PSD.
    Só espero que Sócrates não desanime e que leve a sua legislatura avante. Deixe a oposição fazer o que está a fazer que aos poucos vão dar cabo uns dos outros. Quando a casa é feita e não é baseada nos seus alicerces algo vai ruir. No PSD já se está a verificar é ver a tomada de posição dos seus ex quatro líderes, Rui Machete, Marcelo Rebelo de Sousa, Santana Lopes e Luís Filipe Meneses, quando se verifica este contraditório algo vai acontecer, pena a dita comunicação social livre deste País pouca importância dê ao assunto, se isto se passasse no PS não faltavam ditos.
    Por isso digo e termino, força Sócrates, a maioria do povo Português está consigo, julgo se for preciso ir para a rua para uma manifestação não vão faltar portugueses. A comunicação social, alguns politólogos e alguns economistas, vão ver quem é a favor ou contra.

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