Sou fã do Pedro Marques Lopes (provavelmente, o maior fã a seguir à família e amigos, reclamo esse título com orgulho leonino). Daí usufruir do seu frequente contributo para a salubridade do espaço público, para a decência na vida política e para uma comunitária (e aristocrática, num sentido cultural) bonomia cidadã. E ainda daí, a cereja, ter especial gozo intelectual em acompanhar o seu devir ideológico em resultado de se expor nesse famigerado mester de comentador político. Tal como outras figuras merecedoras da minha admiração, de Freitas do Amaral a Vital Moreira para dar apenas dois exemplos ilustrativos e grados, também o Pedro foi percorrendo uma estrada de Damasco onde, se não se pode dizer que tenha caído do cavalo, a sua montada tem dado valentes cangochas. Apanágio e destino de quem ama a liberdade, olá.
É o caso a que estamos a assistir com a sua vocalização e escrita contra quem na crise internacional de 2008 usou a retórica da culpa para enganar o eleitorado, explorada raivosamente em 2011 para abrir uma crise política doméstica que afundou o País apenas para meter no poder aqueles que iriam aumentar a desgraça:
«O cinismo e a mentira do "viver acima das possibilidades" levaram, na crise de 2008, os países mais pobres da UE à humilhação e à condenação a uma austeridade moralista que deixou ainda mais frágeis os países que já o eram, e dificilmente deixarão de o ser, nomeadamente os seus serviços públicos - conduziu, também, ao estado em que o nosso Serviço Nacional de Saúde teve de enfrentar esta pandemia.
Nesta não há qualquer desculpa desse género. Se a UE não reagir de uma forma unida, se o Tribunal Constitucional alemão continuar a condicionar os mecanismos de apoio global, se não apoiar os seus membros consoante as suas especificidades e circunstâncias, se todos não se responsabilizarem pelas dívidas de cada um, saberemos que os nacionalismos venceram e o projeto europeu não passa de uma gigantesca farsa. Daí até enormes crises políticas dentro de fronteiras e conflitos graves entre países será um passo de anão. Há quem esteja esquecido do que eram as guerras na Europa.
O que estamos a passar e o que aí vem será sempre muito difícil, mas se ficarmos sozinhos levaremos décadas para sequer regressar ao ponto onde estamos hoje. Não só nós. Os custos serão diferentes para cada um, é certo, mas enormes para todos.»
É um discurso forte, corajoso, de arrebimbomalho. Desmonta as bandeiras dos pulhas, traz a evidência de não ter sido o pedido de resgate o resultado dos males socráticos antes uma especial conjuntura a carecer de resposta europeia e estabelece um nexo entre as opções de Passos e Portas em 2011-15 e o actual estado do Serviço Nacional de Saúde. Porém, contudo, todavia, por onde andava esta mesma mui recomendável cabeça nos idos de 2011? Basta citar, ao correr da pena, o que ficou para a amnésia publicista:
«As contas de merceeiro são uma coisa desprezível. Têm princípios absolutamente ultrapassados e são próprios de gente pouco sofisticada. Dizem, por exemplo, que temos de assentar num livro o que gastamos e o que recebemos. Se no final dum dado período o dinheiro que entra for mais do que o que sai, o negócio corre bem; se assim não for, temos problema.
[...]
Os pobres dos merceeiros é que não percebem isto. Na sua maneira tacanha de ver, quem não tiver dinheiro para pagar as contas tem de tratar rapidamente do assunto, ou fechando o negócio ou tentando corrigir o que está mal.
[...]
Até é de espantar que se apresentem défices. Fossem bons engenheiros e o Estado tinha sempre superavit. A culpa é dos malandros da Europa, os tais culpados da nossa crise que não contentes em fazer-nos sofrer vêm agora obrigar-nos a ter uma contabilidade parecida com a dos merceeiros.
Uns milhões para o BPN? Mais uns tantos milhões para o BPP? Ainda mais milhões para a Refer e o Metro? Mas temos mesmo de pagar isso? Querem ver que também vamos ter de tapar os buracos da TAP, da RTP e doutras que tais? Será que temos todos de pagar as dívidas das fundações do Estado que nem o Governo sabe quantas são?»
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«Depois de termos ouvido o ministro Teixeira dos Santos apregoar a impossibilidade de o Governo pedir ajuda externa e o primeiro-ministro há meia dúzia de dias afirmar peremptoriamente que Portugal ia conseguir sobreviver à crise sem ajudas externas, o inevitável aconteceu. Mais uma vez, num relativamente pequeno espaço de tempo (trinta anos), temos de admitir que não somos capazes de resolver os nossos próprios problemas e somos forçados a pedir a alguém para nos vir dizer o que temos de fazer.
Como todas as atitudes do Governo desde que a crise internacional eclodiu, a decisão vem tarde e a más horas. Já os graves problemas causados pelos desmandos dos bancos americanos com a inestimável colaboração das agências de rating (as tais que garantiam solenemente a solidez do Lehman Brothers e quejandos apenas um dia antes de eles implodirem, e que agora dizem que o Egipto ou o Paquistão estão em melhor situação que Portugal) estavam a deixar a economia mundial em estado de choque, e o Executivo insistia que tudo não passava duma nuvem passageira. Depois, o mundo ia mudando de dia para dia e as medidas eram tomadas não em função da realidade mas à luz dum mundo virtual que Sócrates e o Governo teimavam em viver.
As responsabilidades da equipa governativa pelo actual estado de coisas são óbvias e indesmentíveis. É uma perda de tempo reflectir sobre o discurso de que tudo se iria resolver se a oposição tivesse viabilizado o enésimo PEC. Digamos, tentando encontrar toda a boa vontade possível, que se estaria a dar uma aspirina a quem sofre da doença do legionário. Não seria, com certeza, com meia dúzia de medidas que se ia inverter uma descida vertiginosa para o abismo para onde não começamos a deslizar só agora.»
É um paleio eleitoralista básico, sectário, imbecil, hipócrita, mentiroso, comicieiro. Uma cassete onde se repetem os bordões da direita decadente, explorando-se a percepção da culpa portuguesa geral, e socialista em especial, que teria de ser redimida e purificada pelos senhores merceeiros do Norte da Europa, os tais que nos iriam ensinar com suor e lágrimas a ter “contas certas”. Nem sequer falta no relambório a palhaçada das “fundações que nem o Governo sabe quantas são”.
Verdade seja dita que, logo após a tomada de posse do XIX Governo Constitucional de Portugal, dias apenas, o Pedro se transmutou num dos seus mais notáveis e acutilantes críticos. E daí o gozo intelectual na contemplação dos contrastes, das contradições e até das antinomias que nascem das filiações tribais e das distorções e condicionalismos de origem emocional quando se está na arena da luta selvagem do poder pelo poder. Esta viagem ao passado do comentariado nacional, irrelevante a não ser para curiosos e biógrafos, oferece tesouros de reflexão política. Como por exemplo neste Bloco Central (21-05-2011) O debate entre José Sócrates e Pedro Passos Coelho onde tudo o que lá se diz, cruzado com tudo o que sabemos que veio a acontecer até hoje, provoca sucessivos e deliciosos momentos de iluminação sobre os limites mentais que nos moldam como animais sociais dotados de linguagem verbal.
E se depois de chegarmos ao fim desses 37 minutos de conversa de café quisermos continuar o passeio, então a visita ao debate entre Sócrates e Passos é paragem obrigatória. Imperdível, por todas as razões e mais algumas. Imperdível pela sua actualidade presente e actualidade futura. Imperdível para quem tiver visto no apoio do PCP e do BE a um Governo do PS uma das mais importantes conquistas de Abril.
«…se não se pode dizer que tenha caído do cavalo, a sua montada tem dado valentes cangochas.»
Pois a mim ao ouvi-lo dizer num visto “eixo-do-mal” uns tempos antes das eleições e debates entre candidatos Passos-Sócrates, isto assim sem tirar nem pôr; – para mim uma coisa eu sei de certeza é que Cavaco Silva foi o melhor primeiro ministro de Portugal depois do 25 Abril e Passos Coelho será sempre melhor primeiro ministro que Sócrates-, marcou-me definitivamente.
Tal elogio, algo despropositado, a gente com evidente falta de qualidades de Estado e apenas emprehados de moralismos balofos e falsos tomados das leituras, à pressa, das biografias de Salazar, fez-me logo pensar que o homem andava “à caça” (a pensar mais alto) de algo mais que ser comentador da Sic.
E ainda hoje em dia é notória a sua retórica posicionada metodicamente do lado mais provável de lhe proporcionar uma oportunidade. Também é daquele tipo que se pela para um dia poder telefonar à mâe a contar que “já é… alguém”.
Não entendo, portanto, nada que tenha percorrido uma estrada de Damasco e muito menos caído do cavalo. E muito menos ainda que possa ser comparado, como pressupõe a citação desse facto, com a grandeza intelectual da figura desse mito.
muito bem explicado o que é essa personagem , José , um tartufo , apenas.
Concordo com os dois comentários supra, esse careca é sabido e vive encostado à bola .
Idem.
A propósito:
Parece que o Bloco Central está a ficar sem contraditório.
Que o Lopes e o Crespo elogiem o CALCULISMO do Rio é previsível. Agora, o que se passa com o Adão e Silva?
Custa perceber que o homem anda atrás das sondagens? Evita lançar ideias alternativas, não? Assim poderá aproveitar melhor a oportunidade para atacar quando estivermos na merda e alegar que deu todas as hipóteses ao governo. Dãã!
Mal construída a frase no post anterior. O homem é Rio, claro.