A tragédia de uma equipa de flores

No empate com a Albânia, ganhou o demónio. O rosto de Carlos Queiroz, na segunda parte da segunda parte, vendo o azar a encher o campo, era o de um autêntico possuído – ou encavado, é escolher que o coitado não está em condições de se importar. Depois do jogo nem apareceu para as declarações da praxe à TV, nem ninguém por ele, um técnico ou anjo. Também não apareceu jogador. Apareceu o demónio, sempre pronto a ocupar os espaços donde a palavra está ausente.

Futebol é sorte. Mas que é a sorte? É a matemática. Se uma equipa está com pouca sorte pode ainda ganhar, tem é de superar o azar. Se o azar corresponder a 90%, 9 em cada dez oportunidades de golo vão ser falhadas. Logo na oportunidade seguinte, a bola entra, e seja lá como for. Calhando entrar por cabriola nunca antes vista e que desafie as leis da física e a vocação dos guarda-redes, isso será apenas o espectacular efeito de simples aritmética. Se a equipa apenas dispuser de 9 oportunidades, ou menos, irá no máximo empatar. O problema é o de não se poder saber à partida qual seja o total de oportunidades, porque esse conhecimento anularia a própria sorte. Como se criam as oportunidades de golo? Eis a pergunta sacramental. Que não espante a resposta: sendo receptivos à graça. Isto é, jogando à bola porque é engraçado, não porque seja obrigatório ganhar. Falhar obrigações é assunto sério, mete medo, gera violência, anula a criatividade. Para aceder a todas as possibilidades da consciência, é preciso agir não agindo, como ensinam os taoístas (pelo menos, enquanto a bola não chega aos pés, porque depois toca é a agir com imediata rapidez e intenção, e que se confucem os taoístas).

Carlos Queiroz tem azar. Teve azar na Selecção, no Sporting, na África do Sul, no Real Madrid e de novo na Selecção. É o preço a pagar pelo sucesso inicial que o levou a convencer-se de que o futebol não precisava da sorte, apenas de um caderno de notas. Neste momento, a Senhora de Caravaggio está a rir-se de braço dado com o demónio de Queiroz. Se é para termos uma equipa de flores, os narcisos que hoje se cansaram para nada devem ser substituídos pelos lírios que não trabalham, nem fiam; mas têm sorte.

10 thoughts on “A tragédia de uma equipa de flores”

  1. Queirós fez-me passar a minha maior vergonha como adepto de futebol e como jornalista desportivo: colocou Capucho a defesa esquerdo e até um jogador chamado Helder (do Benfica) marcou um golo ao Sporting. Resultado: 6-3. Ninguém muda, Queirós não é excepção. Com a idade as pssoas podem até piorar. «E o burro sou eu?»

  2. Acabei de ouvir na televisão mais um intelectual do futebol a falar sobre o desaire da selecção e sussurrei para os meus botões que ler um intelectual a dissertar sobre futebol é muito mais interessante. É que o intelectual do futebol facilmente se torna ridículo e pretensioso, por levar o futebol demasiado a sério – enquanto o intelectual que ocupa uma minúscula parcela da sua existência a fazer conjecturas sobre o desporto rei enquadra o futebol numa dimensão mais grandiosa que é a da própria vida, com direito a momentos de poesia e a eloquentes e metafóricas imagens. Resultado: Comentadores desportivos : 3 – Valupi: 6. Esperemos que o JCF não fique melindrado com este resultado e que não ponha as culpas no professor Queiroz, que insiste em ser estudante do azar e se debate com um problema sem solução, porque o passado nem sempre se pode alterar: é que nunca jogou futebol.

  3. jcfrancisco, também lá estive. Meteu-se muita água nessa tarde. Cheguei a casa todo encharcado.
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    J de João, preferia que tivesse sido outro o resultado: Valupi: 7 – Comentadores desportivos: 1. Só cá por causa das coisas…

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