Aaron Sorkin é o criador da série The West Wing (1999-2006). Dizer que se trata de um dos melhores produtos televisivos de sempre não seria fazer-lhe justiça. Para além da sua função de entretenimento, o que em Portugal se intitulou “Os Homens do Presidente” é um brilhante curso ilustrado de política e de mitologia americana. Nele aprendemos que a governação em democracia realiza-se numa épica homeostase entre a tentadora canalhice e a libertadora decência. E com ele acreditamos que a ideológica superioridade americana está perfeitamente sintetizada na expressão que Lincoln cunhou no discurso de Gettysburg, em 1863, onde a democracia é definida como “government of the people, by the people, for the people“. Sorkin, exímio cultor do grande lirismo americano, sopra no barro dos seus protagonistas dilectos o espírito dos heróis fordianos – essa integridade sobre-humana, matricial, titânica, que não está acima do bem e do mal só por estar abaixo, por ser o próprio chão que sustém a humanidade.
Depois do fracasso com Studio 60 on the Sunset Strip, série televisiva que não passou da 1ª época, e do sucesso com The Social Network, filme realizado por David Fincher, Sorkin lançou The Newsroom. Dir-se-ia que o território do jornalismo político seria mais do que propício para o seu estilo de escrita facundo, frenético e fodido. Qual não é o espanto quando deparamos com uma fantochada onde ninguém e quase nada se salva. Começa no elenco, um miscast colectivo. Passa para a produção, onde o cenário principal não ambiciona ser mais do que um barracão com figurantes. Atravessa a direcção de actores, tendo sido feito um excelente trabalho para nos convencerem de que se filmou à primeira sem ensaio nem sequer leituras prévias do guião. E culmina na escrita, a qual parece de um principiante a quem fosse dito para imitar o estilo de Sorkin o pior que soubesse. Menção especial merecem os interlúdios cómicos, demasiado básicos para sequer serem aproveitados em conteúdos infantis, e menção especialíssima merecem os enredos românticos, tão aparvalhados, unidimensionais e mecânicos que talvez tenham inaugurado um novo género dramático. Em suma, tudo contribui para a suspeita de que esta série foi feita em cima do joelho, e por um centésimo do custo que precisaria para cumprir a sua promessa.
Uma excelente promessa, diga-se em abono da sua verdade. Por um lado, a narrativa apoia-se em acontecimentos reais e recentes, sendo que o primeiro é a explosão da plataforma Deepwater Horizon no Golfo do México em 2010. Por outro lado, o tema circular da série, literalmente ligando o primeiro ao último episódio, é o do Tea Party e da polarização alucinada que ele introduziu na política dos EUA. De tal forma essa questão é central que se poderia dizer que o democrata Sorkin, perante as catastróficas potenciais consequências em causa, tratou de servir à audiência um tempo de antena político polvilhado de ficção. E o que ele diz dos seus concidadãos é útil para o que temos a dizer dos nossos. Porque em Portugal há um análogo do Tea Party nascido da gula do casal Passos-Relvas e da decadência que habita em Belém. Tirando a dimensão religiosa, que por cá não aparece por variadas razões culturais e históricas, vejamos se a síntese de Sorkin sobre os fanáticos norte-americanos se pode aplicar, mutatis mutandis, aos fanáticos portugueses:
– Os mais conservadores dos Republicanos, actualmente, não são Republicanos.
– Os Republicanos defendem uma governação sensata, onde cabem programas de apoio social que provaram ser benéficos.
– Os Republicanos defendem o Estado de direito, a autoridade civil e o mercado livre.
– O Tea Party ama a América e odeia os americanos.
– O Tea Party considera que os pobres são pobres porque são preguiçosos ou estúpidos.
– Mais assustador do que as distorções do Tea Party é o silêncio dos Republicanos conscientes, inteligentes e influentes perante este fundamentalismo radicalizante.
Podemos agora substituir “Republicanos” por “social-democratas” e “Tea Party” por “aquela mistela de incompetência e traição que desgoverna Portugal”. As correspondências são perfeitas. As lógicas são simétricas. Os propósitos são os mesmos: aumentar a distância entre ricos e pobres.
Por causa da urgência em denunciar o perigo que esta ideologia violenta anda a espalhar, todos os defeitos de uma séria defeituosa estão perdoados, meu grande, enorme Aaron Sorkin.
boa! é um elogio à mediocridade que pode ser didáctica. isto também quer dizer que há uma lição a aprender disto tudo que se anda a passar por cá. vou chamar-lhe, mesmo agorinha, a este texto acutilante de pistas para o caminho da democracia a cheirar a sabão clarim, falhançoterapia. aqui está a prova de que tudo é motivo para pensar e relacionar e concluir. adorei. :-)