A retórica é nossa amiga, mas tem de ser da boa

Na segunda carta de Costa aos indecisos – DEVEMOS CONFIAR NO FUTURO DE PORTUGAL! – há uma passagem deliciosa. Ocorre após um relambório de clichés acerca do potencial do País, e consiste nesta meta-interrogação:

Porque havemos de nos resignar a que tudo isto seja apenas retórica?

A pergunta é surpreendente a diversos níveis na economia do texto. Primeiro, porque não havia nenhum indício de que estivéssemos perante conteúdos a merecerem o carimbo de retóricos. As perguntas que antecedem a meta-interrogação fluem como partes do argumento que dá título à carta, cujos dois primeiros parágrafos cristalizam na afirmação “Temos boas razões para acreditar no nosso futuro comum“. A pergunta obriga a introduzir o conceito de “retórica”, que é complexo e ambíguo, para reavaliar o que foi lido até então. Ainda por cima, a palavra surge em itálico, aumentando a equivocidade do que já era equívoco. Num outro nível, porque para além da reinterpretação à luz do prisma da retórica, a meta-interrogação coloca o verbo “resignar” como fulcro semântico do desafio lançado ao leitor. Donde caiu essa sombra da resignação, por um lado, e por que raio a resignação nos obriga a ficar encarcerados na retórica, por outro? Não se explica, o que implica estar o autor a pressupor que o contexto alusivo à resignação é óbvio. Mas não é, muito pelo contrário. Finalmente, a meta-interrogação dá imediatamente lugar a mais um alguidar de clichés folclóricos, autêntica retórica de feira, que não resisto a citar:

Há 600 anos partimos à descoberta. É altura de descobrir e valorizar as Índias e Brasis que temos em nós.

A menos que seja Nóvoa quem está a servir de ghostwriter, não se entende qual seja o propósito de um exercício que volta a não dar respostas aos problemas que, supostamente, estão a gerar indecisão no eleitorado. Esta 2ª carta dialoga superficial e lateralmente com a situação política e resume-se ao discurso impotente de repetir ser necessário fazer alguma coisa sem que em momento algum se diga o que é. A carta termina, de novo, prometendo para a próxima o começo da apresentação da solução. Causa perplexidade a inépcia deste registo complicativo e inócuo.

Contudo, dada a miséria reinante nesta campanha, onde o Governo faz propaganda e os seus partidos apoiantes fazem chicana, e onde PCP e BE não ambicionam mais do que continuarem no Parlamento e o LIVRE/Tempo de Avançar deve estar ainda a pensar no que nos quer dizer, esta iniciativa do PS é a coisinha melhor que temos para ir discutindo a 5 semanas e meia das eleições.

31 thoughts on “A retórica é nossa amiga, mas tem de ser da boa”

  1. Está-se tudo a guardar para o último dia.
    É a táctica ultra-moderna e radical.
    É sabido que quem decide as eleições só decide o seu voto no dia das eleições.

    Eu tenho uma bola de cristal que me diz que vai acontecer qualquer coisa no próprio dia das eleições que as vai decidir.
    Assim tipo um acontecimento de manhã que decide as eleições nessa tarde !

  2. Preocupante. Preocupante. O gajo copiou o Pedro Santana Lopes. Este já fala da capacidade da costa marítima portuguesa há bué da tempo bem com das energias. Ai que coça, pá.

  3. E depois com portugueses que acham que a solução dos problemas do país aparece no dia da votação, a preocupação aumenta.

  4. se pusessem o valupi a escrever os discursos e a bimba a botar vírgulas era tudo perfeito ainda tinha a vantagem de oferecer tintol a quem discordasse.

  5. No país onde há dias um pobre pescador algarvia esteve a modos de ir preso por levar um balde de sardinhas no guiador da pasteleira, continuam os bruxos, os sacerdotes do futuro, vendedores de elixires, a vender-nos o mar dos sargaços como a terra prometida.
    A carta de Costa é o que todos esperam de todos os líderes enfileirados na corrida eleitoral, um sortido de lugares comuns que atravessa a história da oratória política há mais de um Século. O mar, a língua, o vento, a ciência, a arte da manha, as descobertas, as Índias e os Brasis. Faltam as gentes. As gentes que ainda não descobriram nada, que pouco usufruem da ciência, que pagam a água, o vento, o sol, tudo o que em nome da raça eles vendem como turismo.
    Um atordoado a esmo de passado e de futuro. Parece-me estar a ouvir António Ferro. Ou Pessoa, talvez. ”Ó mar salgado!”
    E a língua. Que língua? Mas que língua comum falam os portugueses? Que língua comum falam os portugueses com os brasis? Não quero ser radical e dizer, no encalço e abusando de Marx, que a língua é uma questão de classe…
    Ainda ninguém leu Camões como uma sátira e uma paródia, alego eu.
    Penso que conheço muitos indecisos. E todos responderiam a Costa que deve ter ânimo, não deve resignar-se, não deve resignar-se à história, às descobertas, aos mundos que o Portugal dele deu ao mundo mas que estão esgotados. Já não há escravos em África, já não há sedas na Índia, nem ouro nos Brasis.
    Que esperam os indecisos que Costa não promete nem quer por no rol das fantasias?
    O respeito pela cidadania. Participação na sua cidadania, que, de quatro em quatro anos é resgatada ilusoriamente nas urnas para logo ser devolvida aos costas.
    Ninguém quer milagres ou taumaturgias. Os portugueses não são loucos nem estúpidos, querem pouco.
    Costa sabe bem que ninguém lê as suas cartas, senão quem as escreveu. É igual a todas as cartas.
    O que eu gostaria de entender é porque a carta de Costa mereceu um post do Valupi.
    Eu ando com uma maquete do boletim de voto no bolso a ver se adivinho que partido traz o Valupi na manga.
    Hoje risquei mais um. O LIVRE.

  6. Eu também gostaria de saber o que pode prometer o Costa aos indecisos se, tal como auguram os vaticínios, nos chegar, dentro de nove meses, a cegonha de Paris com um novo menino.
    Então valerá a pena regressar à ”retórica”, o mar, a língua, o vento, as naus, as descobertas, a ciência, a manha, as Índias, os Brasis. E a sardinha.

  7. Certamente fui injusto em algumas das minhas apreciações, porque, há que reconhecer, era útil que alguém vestisse a pele de advogado do diabo.

  8. Resposta a Durão Barroso:
    – Pois tem ! E um deles quer promover a tua candidatura a Belém!

    Da-se uma sardinha a quem acertar.
    O Miguel Sousa Tavares já acertou antecipadamente.

  9. Este Blog está a ficar muito chato, é sempre mais do mesmo, porque não se introduzem temas mais interessantes, por exemplo, o chamado plafonamento .
    Eu entendo que não deveriam existir reformas acima de 2.500 euros.
    Não obstante, quem enquanto estivesse na vida activa ganhasse acima desse montante, deveria descontar sobre o montante auferido.
    Depois, esse excedente, assim poupado, serviria para subsidiar a minha reforma, que seria de 3.000 euros.
    Creio que é este sistema que vigora na Suiça.
    Ou se não, deveria ser.
    Que é que acham ?

  10. como a reclamação é sempre um excelente indicador da satisfação – só pode haver excelência aqui nos textos. viva a retórica da boa! :-)

  11. Olinda.
    Novoa.
    Tal vez seja, João de Novoa, um galego nobre de Maceda (Ourense) dono do castelo dos Novoa que ainda existe na vila de Maceda , que na revolta Irmandinha contra os nobres galegos fuxiu para Portugal e o servizo do rei de Portugal, descobriu a ilha dos caralhos cargados e a galega, no Indico. A sua vida foi em Portugal e chegou a ser nomeado algo como Alcaide-mor . O apleido NOvoa é o mais habitual hoje na vila de Maceda.
    Tal vez seja o ghostwrite,

    http://www.gciencia.com/historias-gc/o-ourensan-que-descubriu-illas-dos-cargados-carallos/

    http://nautiblog2.blogspot.com.es/2014_11_01_archive.html

  12. “Índias e Brasis que temos em nós”?
    Não cheira. Devia estar a pensar na China, nos chineses a quem disse que isto agora estava muito melhor do que há quatro anos. Ainda há dúvidas sobre a dimensão da coligação neoliberalsocial? Uns aos solavancos, outros aos empurrões.
    É um bocado desonesto, e já agora ingrato o esforço de, desdizer o Costa, mesmo que ele queira pensar e dizer o que diz; já, desdizer o Passos e o Portas é dizer a verdade.

  13. « descobriu a ilha dos caralhos cargados». Reis. dixit.

    Explique lá essa, se faz favor…

    E essa de o apelido comum se«Nóvoa»…o tipo nunca dormia em casa, é isso?

  14. «já, desdizer o Passos e o Portas é dizer a verdade.»

    Hum, mas como pode um aldrabão, desdizer outro?

  15. Ó Costa, isso de escrever cartas, ainda por cima aos bocadinhos, tipo novela não lembra a ninguém. Olha mais valia os cartazes. Costa diz ao Ascenso que volte, que está perdoado.

  16. “fotografias roubadas”, Hum, isto cheira a calúnia, ouvi dizer que tinham sido compradas num banco de imagens. Em relação ás epístolas tipo ” segunda carta de S. Paulo aos Efésios…. percebo agora que será o desenvolvimento do cartaz místico. Afinal a campanha está bem montada…, espero só que não termine na crucificação do Costa, com sócrates do lado direito e o vara do lado esquerdo.

  17. “… ouvi dizer que tinham sido compradas num banco de imagens.”

    poizé, compraram mas só descobriram que era preciso pagar depois de estalar a bronca. aliás o chefe coelho tamém faz o mesmo, não sabe que o irs é para pagar e só paga quando o cerejo lhe liga a dizer que vai publicar um artigo.

  18. Depois do Ignatz reconhecer que mentiu, volta a mentir ao afirmar que as fotos só foram pagas depois da bronca. Quanto ao Coelho, deixe o homem em paz, ainda está de férias, ou quer que se fale no IMI da casa do Costa ?

  19. oh parolus, pega lá para te coçares e de caminho vai chamar mentiroso a quem te fez as orelhas.
    http://www.meiosepublicidade.pt/2015/08/licenca-das-fotos-da-campanha-do-psdcds-so-chegou-depois-do-arranque/
    nota que a versão acima é um broche soft para pôr água na fervura e matar a discussão. o facto é que usaram imagens ilicitamente durante 15 dias e só resolveram a situação (pagamento) quando a shutterstock os encostou à parede. há para aí relatos disso na net que explicam a marosca.

  20. Os cartazes já eram. Agora, nem que encomendem o trabalho a um Lichtenstein ou a um Warhol, as pessoas acabam sempre por ver “o Grito” do Munch.

  21. Não há especiais razões para considerar o Valupi um aldrabão. A imprudência do Valupi resulta, ao que parece, da adesão a uma perspectiva ‘clubística’ da política, o que lhe provoca muitas dioptrias. É uma maleita que faz muitos estragos por cá.

  22. só quem se está cagando para quem e como governa o pais,pode criticar quem tira partido por uma solução que acha mais democratica,e solidaria para os portugueses!

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