Foi então assim. Ia avançado o ano de 2018 quando uma ministra da Cultura do Governo de Portugal ficou parada, de pé, algures no México. Objectivo: responder a perguntas de jornalistas portugueses. Uma dessas perguntas remetia para uma manchete de um semanário português. Quem a interrogava queria obter declarações da ministra sobre essa notícia. A ministra não quis comentar e – por razões que remetem directamente para a singularidade que deu origem a este universo há 13,7 ou 13,8 mil milhões de anos (a diferença é alvo de acaloradas discussões entre os cientistas, se alguém tiver informações que ajudem a esclarecer a disputa é favor chegar-se à frente) – deixou que a sua boca e garganta fizessem as contracturas musculares suficientes para o ar circundante propagar sons cuja descodificação em cérebros humanos a funcionar razoavelmente corresponde a estas palavras e respectiva pontuação:
“Sabe, uma coisa óptima de estar aqui em Guadalajara há quatro dias é que não vejo jornais portugueses...
“
Fulanos adeptos da violação do segredo de justiça onde se passe na TV não apenas os sons mas também as imagens dos interrogatórios de arguidos, acusados ou meras testemunhas, em ordem a que esses valentes se deleitem de comando na mão na descoberta dos inevitáveis sinais de corrupção da bandidagem filmada manhosamente nos estúdios do Ministério Público, estão em óptimas condições para perceberem que a declaração da ministra ocorre no meio de uma afável e descontraída conversa com a jornalista que faz a pergunta. O seu rosto está sorridente, a expressar a capacidade para representar na sua subjectividade a intenção bondosa e convencionalmente provocatória da pergunta nascida numa subjectividade alheia. O contexto dialógico remetia exclusivamente para a temática das touradas e a ministra nada mais tinha a dizer naquela ocasião sobre um assunto que se tinha transformado numa tempestade política a partir do aproveitamento de um vocábulo pesadamente polissémico dito por si em público enquanto ministra. Esse passado era a fonte da energia mental que envolvia interrogadora e interrogada. Donde, fez o possível para negociar com a jornalista uma trégua. A expressividade do seu rosto antes de responder e o pedido de desculpas que acrescentou de imediato após o desabafo sobre os jornais por (supostamente) não ter visto a tal capa do Expresso chegam para mostrar que o episódio ocorria adentro de intencionalidades absolutamente banais e locais. A declaração, portanto, não se pretendia como um juízo sobre qualquer aspecto relativo aos referentes “jornais” e “portugueses”, antes e só ao sujeito locutor. Era para ela, a pessoa no papel de ministra da Cultura apanhada numa polémica bovina sobre touradas e só para ela naquela exacta circunstância em que a voltavam a confrontar inutilmente com esse passado ingrato e escabroso, que havia alívio em poder agarrar-se a uma desculpa para fugir da lide mediática. A desculpa saiu-lhe daquela forma porque lhe saiu sincera – fruto automático da empatia que sentia pela jornalista nessa interacção.
Isto é simples. O que se seguiu também. O Guerreiro-poeta apontou os canhões da sua escrita gongórica e disparou até à última munição no arsenal para um exercício ad feminam – Cultura de Graça. O pretexto era a defesa da tal manchete bravíssima e da excelência do jornalismo do semanário do militante nº 1 do PSD. Mas isso era pouco para o director de tão prestigiada instituição que até tem funcionários especializados em publicar notícias falsas sobre o Presidente da República e o primeiro-ministro, que inventa relatórios tão secretos que ninguém com responsabilidade os fez, que alimenta a politização da Justiça e a judicialização da política e não pede sequer desculpa pela conspiração, que funciona como um grupo de pressão do/no PSD. Havia que sacrificar Graça Fonseca no altar da sua prosa soberba e tão bem remunerada. Tinha sido a vítima a dirigir-se voluntariamente para a matança, ia descobrir o que acontece aos membros do Governo socialista que se atrevam a usar as palavras “jornais” e “portugueses” de forma ambígua. E o que acontece é serem reduzidos a um saco de porrada verbal cuja virulência atingiu a mais pura pulsão homicida. Pedro Santos Guerreiro consegue fazer da actual ministra da Cultura o bode expiatório da crise financeira e sociológica da imprensa em papel, uma notável cúmplice do plano do “poder” para acabar com a liberdade de imprensa recorrendo a respostas de 4 segundos em Guadalajara, e ainda um ser destituído de honra pessoal e módico tino que aceitou o cargo de ministra apenas para locupletar-se através de um cartão de crédito. O senhor escreveu e assinou isto, o senhor é director do Expresso.
Podemos esquecer todos os outros, e foram quase todos no comentariado nacional, que alinharam com esta violência. Que a validaram por actos e omissões. Que a celebraram consolados. Só não podemos esquecer que um suave chiste dito a nove mil quilómetros de distância acabou por nos revelar que a crise do jornalismo em Portugal não está tanto no desaparecimento de títulos e leitores. Ao contrário, parte principal dessa crise consiste na persistência de um tipo de suposto jornalismo como o que o Expresso pratica. A capacidade de usar os valores mais altos para os ataques mais baixos perverte fatalmente o sentido do jornalismo como baluarte da liberdade, da democracia e da salubridade do espaço público. A gravidade do texto odiento e canalha do director do Expresso não tem Graça nenhuma.
em Guadalajara não há net ? acho que há, têm vários jornais com edições on line. um governante que não se interessa pelo que se passa no seu país tem de sair.
e ninguém a obriga a ver os jornais quando está cá.
e esta posta, toda floreada, lembrou-me o meu Tolstoi
Quando as pessoas falam de forma muito elaborada e sofisticada, ou querem contar uma mentira, ou querem admirar a si mesmas. Ninguém deve acreditar em tais pessoas. A fala boa é sempre clara, inteligente e compreendida por todos.
Leon Tolstói
Caro Val,
Nem mais. Lapidar, como sempre.
Valupi & Guerreiro pró lixo (s)
Apesar de tudo, dos tantos anos salazarentos de má memória,, que saudades de um Diário de Lisboa, de um República, e como esquecer uma Seara Nova, uma Vértice.-
Mal está o governante que se informa através da comunicação social (ainda por cima a portuguesa…). Deve haver um canal próprio, não?
Percebe-se que ela não queria responder a perguntas de merda,por isso teve uma saída mal pensada, e…?
E que tal “filhadaputice”? Serve para simplificar?
Tolstoi afirma que, com o “desenvolvimento da imprensa”, qualquer evento pode se tornar um “grande acontecimento” e receber uma cobertura “profundamente inadequada para sua real importância”. Essa cobertura, “frequentemente exagerada até a insanidade”, se mantém até que o assunto seja simplesmente esquecido e trocado por outro.
Convenhamos que não tem jeito para dizer coisas!
expresso e sic mais mãnhas já são tudo farinha do mesmo saco.
Agora vai sobrar para todos.
Não só para José Sócrates!!!
O homem das beijocadas já está a ver o futuro!!!
Tudo o que havia a dizer sobre o assunto já foi despachado há muito pelo Huxley em “Duas ou três Graças”. O “estudo” caracterologico da personagem pelo Guerreiro é grosseiro e infeliz, mas afinal nem todos são genios, os segundos preferem, como Huxley, a depenencia do lsd à escavatura do psd. E isso faz toda a diferença.
ok, mas parece que a senhora se aproveitou do “desenvolvimento da imprensa” para tornar as suas actividades sáficas num “grande acontecimento” e receber uma cobertura “profundamente inadequada para sua real importância,…para preparar a sua entrada no ministério? só gosta da imprensa para se promover? não presta se a criticam ?
Grande Ministra!! Cada vez a admiro mais! Que frontalidade, que coragem ainda conseguir dizer “alto e bom som” o que vai na alma de tanta gente já amordaçada. A esquerda não tem caminho nada fácil perante as hienas esfomeadas pafientas que rondam o caminho. Alerta, sempre!
Ass: Eu.
A comunicação social portuguesa não é pior que as nossas congéneres europeias. Por isso é que o homúnculo Macron (uma criação mediática para esconder do povo a alma de um neoliberal eivado de soberba) está hoje em tão maus lençóis.
A obrigação da Ministra da Cultura no México era a de chamar a atenção para os livros. Já que a razão que a levou lá foi a participação numa feira do livro em que Portugal era o país convidado. Além da regra de não comentar politica interna no exterior. Quanto mais aturar lixo. A histeria que se seguiu foi igual a tantas outras. A prata da casa que infelizmente só impediu que se falasse mais do que era realmente notícia. A literatura portuguesa. Não foi a Ministra da Cultura que esteve mal.
Já o moço de fretes do Expresso nunca se livrará da participação especial no eixo do mal do mesmo grupo em vésperas do último aumento de capital do BES – ambos de má memória aliás – para garantir aos portugueses que o banco respirava saúde. Como outros experts a começar na múmia. Ultimamente pior, assim de repente, só o porta-chaves do Marques Mendes com a rábula da candidatura do Centeno ao Eurogrupo.
A verdade é que quase todos dias me vejo a lê-los cada vez menos e a ameaçar-me de deixar de os comprar. A alguns até já evito a olhar para eles. Adivinhe-se quais-
Prometia vir a ser um verdadeiro Jornalista esse tal PSG só que, o dinheiro
falou mais alto e, de muito tempo a esta parte esqueceu a carteira profissio-
nal e tornou-se num intriguista estilo comadre da caras e companhia!
São os papeis do Panamá, os relatórios sobre assuntos de defesa, transmis-
sões de interrogatórios do MP devidamente “martelados” ou seja, bem tra-
balhados para se obter uma fácil condenação junto da opinião publicada!!!