300 mil Augustos Santos Silvas

A patacoada de ter sido Augusto Santos Silva quem “fez crescer o Chega”, no cumprimento da sua responsabilidade como Presidente da Assembleia da República (2ª figura na hierarquia do Estado) a lidar com deputados arruaceiros e biltres, tem apenas racional persecutório. Os mesmos que a repetem seriam os primeiros a acusar Santos Silva de passividade e falha grave no seu dever caso ele não tivesse pedido e exigido respeito institucional a Ventura nas cenas insultuosas e injuriosas que protagonizou. Então, voltariam a dizer que tinha sido o socialista a “fazer crescer o Chega” ao aceitar e normalizar atitudes indecentes e aviltantes nas sessões parlamentares.

Mas o argumento, na sua piramidal estupidez, consegue ter graça. Dá para imaginar três fulanos a verem diariamente o Canal Parlamento em sessões contínuas na ânsia de descobrir em quem votar. Um deles inclina-se para o PSD, outro para a IL, e o terceiro tem sido abstencionista. Vão acompanhando os debates, interessam-se pela legislação proposta e aprovada, e tiram notas para avaliar qual o partido, ou coligação, que melhor defenderá os seus interesses. Nisto, apanham o Ventura no púlpito a cascar na ciganada. Que são bandidos, carimba, que é uma comunidade fora-da-lei, berra. Santos Silva interrompe-o para lhe dizer: “Não há atribuições colectivas de culpa em Portugal. Solicito-lhe que continue livremente a sua intervenção, como é seu direito, respeitando este princípio.” Que efeito teve nos nossos três indecisos concidadãos o episódio? Só um, garante a pulharia: irem a correr para os braços do Chega por não suportarem o pundonor e hombridade do Presidente da Assembleia da República face a um racista.

A direita acusa o PS de ser quem “fez crescer o Chega” para apagar ter sido o PSD quem fez nascer o Ventura, Passos Coelho quem o alimentou, Cavaco e Ferreira Leite quem lhe sorriu, e Rui Rio quem o tratou como coisa benévola. A direita que anda há 20 anos a criar as condições sociológicas para o aparecimento de um partido populista de extrema-direita com eficácia eleitoral não pode, obviamente, culpar-se a si própria. Seria um haraquiri.

Mas no campeonato de se identificar quem e o quê “fez crescer o Chega” aponto, por gozo analítico, para um insuspeito influenciador: Ricardo Araújo Pereira. Ao excluir Ventura das suas entrevistas aos líderes partidários, uma provável consequência terá sido a de reforçar o poder de atracção de Ventura junto dos eleitores não politizados. A mensagem transmitida pelo ostracismo era a de Ventura ser especial, tão forte que até uma das vedetas mais importantes em Portugal lhe dava um tratamento exclusivo. O que na intenção era um castigo acabava na lógica do fanatismo por ser um prémio, a prova de que Ventura metia medo ao humorista. Num quadro psicológico susceptível a dinâmicas de culto do líder, como será nos segmentos mais jovens e com menos habilitações, o Sr. Araújo poderá ter valido 300 mil Augustos Santos Silvas aos protofascistas.

10 thoughts on “300 mil Augustos Santos Silvas”

  1. gosto mais da opinião do jpt
    que , entre outras coisas , diz o óbvio :
    ” tamanha a forma estratégica como confrontou o CHEGA – de facto, o deputado Ventura. A forma como isso seguia o tacticismo do PS era evidente mas também o era ser um trampolim para se afirmar publicamente como “candidato natural” de uma esquerda “antifascista” à presidência da República. Coisa tão óbvia que até Ferro Rodrigues, seu camarada de partido e antecessor no cargo, veio criticar.”

  2. As opiniões dos comentadores nas televisões nada me dizem porque as exclui à muito tempo
    assim como de um momento para o outro a catástrofe desapareceu dos jonais e televisões,
    o ex-presidente da assembleia da República tem muitos contras e espero que não seja candidato nas próximas eleições presidenciais e o PS arranje um candidato consensual.

  3. Ora bem, aqui para o sequaz Valupi, temos culpados à pazada, para tudo o que corre mal aos socialistas (menos eles próprios, claro, que são a perfeição – é ver a invocação recorrente socrates):

    – segmentos mais jovens (pulhas pá, jovens demónios de certeza católicozinhos);
    – segmentos com menos habilitações (você devia estar neste grupo, claramente). E eu a pensar que, com o estado paradisíaco em que o PS tinha a educação, já não existia este segmento;
    – segmento abstencionista (é pá, para estes a forca!)Então não é que têm o descaramento de (EM DEMOCRACIA) se levantarem do sofá e não votar PS, enforcados no sofá ainda era pouco;
    – Ricardo Araújo Pereira (eheheheh);
    – O Ministério Publico (eheheheh – palhaços);
    – Marcelo ( “É o nosso maior aliado, mas pode tornar-se no nosso maior pesadelo”. Hugo Mendes dixit. E acabou a arder sozinho, com Costa a ter a absoluta falta de vergonha de “não saber de nada”, lembra-se?).
    – …

    Ó Valupi, vá lá começar a vaga de fundo pelo Augusto, força homem, acredite. É que o Augusto acredita. Andou, feito burro (sem ofensa para os burros), a “malhar na direita”, sem perceber o que estava a fazer e vocês a deixarem porque queriam enfraquecer o PSD. Agora é aguentar e arranjar culpados avulso. Aposte no Augusto, com uma ponta de sorte ainda consegue que eu tenha saudades do Marcelo (arre!).

  4. Vão empilhando a palha lá no ISCTE-IUL, de onde sai a grande parte dos Hugos Mendes, coitados, vão precisar.

  5. Isto devia ser proibido. Génios como Santos Silva, da talha de Camões ou de Dom João II, deviam ser poupados por lei à infâmia da defenestração parlamentar às mãos de um qualquer causídico de caipirinha e vatapá.
    Agora já foi a subida a Belém deste Amadis de Gaula da democracia. Sorte infinda a da faculdade de economia do Porto que vê de volta o augusto mestre.

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