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O Fernando, o Jorge e o blogodrama

No dia 31 de Março, o Fernando anunciou a sua saída. Neste momento, em que publico, não há mais nenhum escrito dele, nem em comentário, nem em post. E a mim não chegaram emails, telefonemas, mensagens escritas, pombos-correio ou sinais de fumo com declarações a respeito, sequer meras pistas. Significa que ignoro as razões para a súbita partida, estando como outros que o interrogaram na caixa. Mas sei o seguinte: independentemente das hipóteses credíveis (uma delas, por vários apontada e com alta probabilidade, remete para aqui — mas pode não ter sido esta a causa, ou terem sido várias, esclareça quem souber), não se deve substituir a palavra de outrem. Se nada se quer explicar, pois que nada se tente adivinhar. Tenho, porém, algo a dizer na ocasião.

Foi a blogosfera que me fez conhecer pessoalmente o Fernando; nomeadamente, foi o BdE. Na minha primeira aspirina, celebro esse encontro. Em Janeiro de 2006, anuncio a sua entrada, por ter sido eu a sugerir o seu nome numa altura em que o Luis Rainha queria fazer crescer a equipa original. Seguiram-se dois anos de ainda mais estreito convívio, comigo sempre surpreendido com a sua generosidade temporal para com aqueles que passavam, ou montavam acampamento, nestas novas tertúlias que são os blogues. A sua presença chegou a ser decisiva para a continuidade do Aspirina B, após a saída de quase todas as vedetas, quando se esperava que o blogue tivesse um convencional fim. Nesse Verão de 2006, Fernando Venâncio e Jorge Carvalheira, principalmente, mantiveram o espaço activo e apelativo.

É esta a altura, especial, de deixar em preito a lembrança da viagem a uma cidade alentejana, no dia em que conheci de corpo presente o Fernando. Foi também o dia em que conheci a Susana para lá das suas palavras, naquele que foi um duplo blind date para cada um dos três. No regresso, o Fernando partilhava o seu amor pela Galiza, pelos galegos e por essa Língua nossa. Eu, ao volante, agradecia aos deuses da Internet pela graça daquele momento e daquele dia. Trago este episódio para ilustrar o que procuro nisto de comunicarmos através de um blogue: o encontro com a realidade, o aumento das possibilidades criadoras.

A Susana recebeu o pedido para que os nomes Fernando Venâncio e Jorge Carvalheira fossem retirados da lista dos autores activos. Isso selou o abandono do Fernando, a que se juntou o Jorge que saiu à francesa. Do Jorge só conheço os seus escritos, mas tendo sido igualmente uma honra ter estado na sua vizinhança literária e opinativa. A lista das Visitas antigas vai crescendo, e reúne um conjunto impressionante de históricos da blogosfera portuguesa à mistura com novatos. Alguns tornaram-se estrelinhas publicistas (ou já eram), outros animam blogues de referência, outros são intermitentes ou esquivos. Cada um se relacionou com o Aspirina B por razões diversas, em contextos díspares e despediu-se à sua maneira. Vários nada disseram, outros fizeram breves declarações, e ainda houve quem tivesse molhado o pão na sopa do dramalhão. Tudo de acordo com a banal diversidade da diversidade banal.

Os blogues são seres frágeis, tendem a ser efémeros como reflexo da sua novidade e das instabilidades psicológicas de que são espelho e especulação. Os blogues colectivos ainda mais, sujeitos a constante conflitualidade centrífuga, a que se acrescenta um peculiar regime proprietário — a quem pertence um blogue colectivo? como se tomam decisões?… Há quem utilize os blogues amiúde, ou por singular tentação, em experiências de melífluo narcisismo, como sejam essas da encenação da morte, do adeus. Outros passam por eles como por café em bairro estranho, sem apego nem saudade. No caso desta saída do Fernando e do Jorge, não se me afigura haver nada de errado, pelo contrário. Errado seria que cada um anulasse a sua liberdade. Assim, se porventura, ou por ventura, algo do que escrevi esteve na origem da saída do Fernando, tanto melhor. Os blogodramas que alimento têm sempre final feliz, mesmo quando acabam mal.