Pouca uva

Quinta-feira, 2 de Março. Pelos alertas da véspera, o dia previa-se carregado, com ameaça de cataclismo. A Operação Marquês, qual Etna, entraria novamente em erupção, cuspindo desta vez o BES, a PT, o Sócrates; um magma amalgamado de ligações e verdades irrefutáveis, acusações assassinas, guilhotinas escorreriam pelo Marquês abaixo perante o nosso olhar incrédulo. Atingira-se a cabeça do polvo, que, antes de estrebuchar, falara e confessara.

Confessara? Calma. Fomos ler. Não foi exatamente assim. Por alguma razão já não muito estranha, é-nos divulgado, com certeza parcialmente, o interrogatório feito em Janeiro a Ricardo Salgado no DCIAP. Visão, Sábado e Observador (?) foram os veículos utilizados pelo Ministério Público para nos “escandalizar”. Pensei francamente ir encontrar um prenúncio sério de acusação. Enganei-me. Salgado classifica a narrativa do Ministério Público, que lhe foi laboriosamente lida, como um rol de mentiras e dispõe-se a dar aos senhores procuradores um curso acelerado de banca e estratégias de crescimento. E sim, por meios e através de relacionamentos muito pouco ortodoxos.

Mas prosseguindo, se o objectivo do MP é o efeito dos títulos e do tamanho dos mesmos na opinião pública, o Correio da Manhã quase teve substitutos à altura. Porém, lendo os conteúdos, o caso muda de figura. Deixo de fora a revista Sábado, que não li. Li a Visão e o “site” Observador. A Visão resolve gastar a maior parte do espaço disponível a transmitir a versão do Ministério Público. Três euros e tal, o equivalente a uma posta de salmão assado, deitados ao lixo. O Observador (não sei se baseando-se na Sábado se também no correio  directo do MP) desenvolve mais a parte do depoimento de Salgado, o que torna a coisa mais interessante. De facto, pelo que nos é dito, a procissão deve estar no adro, de onde provavelmente não irá sair, pelo menos do adro daquela igreja. Talvez mudando de igreja. Ou de diácono. Ou de culto. E já que das coisas publicadas, por regra, se espera uma opinião, aqui está a minha: o Ministério Público elabora demasiado e precipita-se sobre teses em domínios que aparentemente não compreende ou com os quais não está familiarizado. Tudo lhe parece um deslumbramento. Mas está a aprender muito, talvez para um próximo processo que envolva a banca e grandes empresas. No que respeita a Ricardo Salgado, isto parece-me óbvio. Estou em crer que, se os investigados fossem os administradores de outros bancos, sobretudo numa altura de crise financeira grave, as operações e os esquemas identificados não seriam muito diferentes. O que não quer dizer que sejam lícitos. E é pena que as descobertas do MP se façam à custa da destruição na praça pública de pessoas que podem não ter cometido crime algum. Podem ter, mas também podem não ter. Se não tiverem, o dano é irremediável. Nunca este efeito é tido em conta.

No que respeita a Sócrates, nada do que li me demonstra minimamente, quanto mais claramente, que o GES ou o BES, ou lá quem seja a entidade desse universo, lhe andou a pagar luvas. Até porque não se consegue perceber o que ganhava ou ganhou o BES com esse alegado acto de corrupção. Neste momento, não percebemos. Salgado afirma que nada lhe pagou (é um facto que nunca foi mencionada até à data qualquer conta em nome de Sócrates em lado nenhum), muito menos a Santos Silva, que não conhece. Mas admitamos que conhece e que pagou: foi para quê exatamente?  Salgado remete para Helder Bataglia o envio dos hipotéticos milhões para Carlos Santos Silva (que acontece não ser Sócrates), mas isso pode ter milhentas explicações. Santos Silva era um homem de negócios e é um facto que Salgado pôs nas mãos de Bataglia, além de exagerada confiança, avultadas quantias. Aqui, nada está esclarecido, apesar das “denúncias” de Bataglia, feitas, tanto quanto podemos deduzir, para salvar a pele. Qual a ligação de Bataglia a Santos Silva? Não sabemos. Aliás, de Santos Silva nunca se ouviu nem leu uma palavra. Qual o interesse de Bataglia em subornar Sócrates? Ricardo Salgado mente? Mas a relação com Bataglia, tal como descrita por Salgado, parece-me verosímil, e ninguém terá muitas dúvidas de que os negócios em Angola sejam todo um mundo de regras ainda mais próprias do que por cá. Tudo no adro.

Portanto, eu faço o meu julgamento com base no que leio, e penso ser essa a ideia de quem põe cá fora estas informações. Eventualmente não estarei a fazer a leitura que se pretendia, mas tive o cuidado de não me ficar pelos títulos. Até à data, não vejo qualquer tese irrefutável da parte do Ministério Público.

Sem acusação, este processo que envolve Sócrates, assim como os métodos de actuação do MP, de que estas ofertas de conteúdos a certa comunicação social são um exemplo, são muito duvidosos. Ou seja, por mais que libertem dados da investigação que as defesas não conhecem, as dúvidas e o cepticismo iniciais não são dissipados. Não digo que mandem mais porque isto não chega. Digo que parem com as fugas (que aliás, ironicamente, nunca arrasam o principal arguido), acusem e se deixem de tácticas.

15 thoughts on “Pouca uva”

  1. “Sócrates” adquiriu para a direita nacional valor equivalente ao “aquecimento global” para o movimento ambientalista. Ambos são bengalas narrativas consensualizadas. Mencioná-los, funciona como um mecanismo automático de suspensão do sentido critico, permitindo a passagem tranquila do que quer que seja que venha anexo. E ilustra um estado geral de iliteracia, zelosamente cultivado pela escola e pelos média.

  2. “Salgado classifica a narrativa do Ministério Público, que lhe foi laboriosamente lida, como um rol de mentiras e dispõe-se a dar aos senhores procuradores um curso acelerado de banca e estratégias de crescimento.”

    “o Ministério Público elabora demasiado e precipita-se sobre teses em domínios que aparentemente não compreende ou com os quais não está familiarizado”

    Esqueceu-se de dizer que a documentação é volumosa, está em apensos guardados em caixotes e não está numerada no que se chama a “apresentação do ministério público”. Uma vergonha. De facto assim é, e, sobretudo, a falta de conhecimento da matéria para interrogar. Que faz um juíz de instrução nesta fase? Também ele não conhece tudo e acaba por considerar só o que o MP lhe apresenta então…

    PORÉM, onde está feita essa REFLEXÃO? Temos é comunas burros e facciosos a bitaitar sobre o que não sabem…PROCEDIMENTOS! é isto que deve ser combatido, independentemente da razão que o arguido tem!

  3. E note! Sucede assim em TUDO o que é matéria específica! É o que acontece aqui quando temos os ignôncios a bitaitar sobre a tecnicidade de um processo crime….

  4. Meritissimo,

    Esclareça lá este assumido “ignôncio” que “procedimentos” sugere quando a “matéria especifica” é complexa? Suspende-se a Constituição, no que aos Direitos, Liberdades e Garantias diz respeito, até que VExa complete a sua pós-graduação na “matéria especifica” ?

  5. esta está muito boa , sem dúvida : um gajo que levou um banco à falência e uma data de empresas é que sabe de banca e negócios e gestão ? olha , se não soubesse ? era capaz de levar um banco e uma data de empresas à falência :) :) que piruetas , omg!

  6. Pelos vistos o zarolho estagiário no M. Público já foi promovido a praticante!
    Falta saber de alguém que tenha emprestado dinheiro ao Ros pois, já se sabe
    que o super juíz sem amigos que, tinha de trabalhar no duro, recebeu um empréstimo
    de 10 mil euros de um ex procurador que enricou a arquivar processos e su- jeito a julgamento … se houver!? No melhor pano cai a nódoa, agora só falta
    saber se o juíz dos cabritos, tem um rebanho de cabras … pois qualquer um
    tem sempre um amigo ou algo que, lhe turva a vista ou a percepção!!!

  7. MRocha

    comuna! compreenderás, ó comuna, que não papo do teu prato. Mais: não vale a pena explicar-te o que seja, porque já demonstraste que não tens sequer ensino primário que te permita entender o pós universitário.
    Espanta-me TAMANHA BURRICE. Estes BURROS veem aqui bitaitar e ao fim de largas milhas de pronúncia, não se apercebem sequer do que está em causa. Vai pescar ratos, comuna.

  8. Lá vem o ferrugento do papagaio, o anãozito do ignarancio. Convida a Câncio que ela explica-te o que é diarreia mental e que tu lá vais dando uns sinais, pois escreves sempre tão pouco…nem para escorridelas castanhas tens jeito, ó comuna.

  9. yo
    3 DE MARÇO DE 2017 ÀS 13:18
    esta está muito boa , sem dúvida : um gajo que levou um banco à falência e uma data de empresas é que sabe de banca e negócios e gestão ? olha , se não soubesse ? era capaz de levar um banco e uma data de empresas à falência :) :) que piruetas , omg!”

    Essa não é a questão. A questão é se o ministério público SABE a matéria para interrogar e obter a prova que lhe permita confirmar/solidificar indícios. Ora se não sabe, temos uma acusação coxa, desprestígio para a Justiça, com consequente instabilidade para a sociedade.

  10. J. Madeira

    Tu és mais uma variante cuspida burrice bitatada por aqui…nem entendes o que escreves….qual é o teu objetivo, ó variante ignôncia?

  11. Pois será como dizes, éstrampa! O que se lamenta é que qd tens oportunidade de iluminar a malta te resumas ao insulto. Nada de novo, na verdade. Na boa tradição da direita caceteira, é essa a tua noção de argumento. Para sabujo da Morgado, estás a milhas do Cardoso ou do Ventinhas. Esses ao menos sabem embrulhar as insanidades que debitam com papéis capazes de iludir os néscios. Tu nem isso.

  12. [em estéreo, aqui.]

    Eis o editorial do Libération , o de ontem e anteontem, à borla e com uma dedicatória especial para o Meirelles e para relembrar ao Valupi e à Penélope o porquê de eu me rever, completamente, no tipo de clareza e higiene de que é capaz o Laurent Joffrin por oposição às tangas servidas-a-metro antigamente pelo Aspirina B. Antigamente, sublinho, porque hoje sobram umas tanguinhas por aqui e por ali, seja nalguns comentários juvenis seja nuns posts; a propósito, estou a recordar-me de um post longo e manhoso que a Penélope escreveu sobre o dinheiro gasto com a última Visão, que li a posteriori e cuja “construção” se alicerça na antiga fé e fezadas e em mais uns baldes despejados sobre a moleirinha dos incautos que se aproximam da sua aparentemente inesgotável (?) camionete de areia. A ler, para recordarem as bases do passado e o aeiou.

    ÉDITORIAL

    Par LAURENT JOFFRIN

    Equipée solitaire

    Ce ne sont plus les rats qui
    quittent le navire. C’est le
    navire qui quitte le rat. Les
    défections s’accumulent
    parmi les soutiens de François
    Fillon, des simples soldats
    aux généraux. Bientôt,
    il fera campagne dans un
    side-car avec les partisans
    qu’il lui reste. Pourtant,
    vendredi après-midi, il
    était toujours décidé à
    conduire jusqu’au bout une
    équipée de plus en plus solitaire.
    Il s’accroche à un espoir : conserver dans l’opinion
    de droite l’adhésion
    qui lui fait défaut parmi les
    élus et les responsables. Il
    peut s’appuyer sur les sondages,
    aussi fragiles soientils.
    Surclassé par Marine
    Le Pen et Emmanuel Macron,
    il garde quelque 20%
    d’intentions de vote dans
    la plupart des enquêtes.
    Preuve que malgré ces vicissitudes,
    l’électorat de la
    droite est encore là. Mais
    aussi que celui-ci ralliera
    sans grande difficulté un
    autre candidat, Juppé par
    exemple. Contrairement à
    ce qu’on écrit souvent, la
    droite n’a pas perdu cette
    élection…
    Fillon compte aussi sur la
    manifestation organisée
    dimanche avec la participation
    très active du mouvement
    Sens commun, qui
    a démontré sa capacité de
    mobilisation. Le peuple,
    pense Fillon, imposera sa
    volonté à la justice. Le calcul
    a pour lui l’apparence
    d’une logique démocratique.
    Mais en réalité, il
    mine l’esprit même des
    institutions. La démocratie
    ne consiste pas seulement
    à désigner les dirigeants
    par un vote populaire. Il
    suppose aussi le respect
    d’un Etat de droit préétabli
    et garanti par des règles
    constitutionnelles. Les juges,
    enmenant leurs investigations,
    ne font qu’appliquer
    les règles en question,
    selon lesquelles la loi vaut
    pour tous, citoyens ou dirigeants,
    élus ou électeurs.
    En faisant appel à la rue
    contre la loi, alors même
    qu’il est candidat au plus
    haut poste de la République,
    Fillon sort du cadre
    démocratique. Il peut
    encore survivre, et même
    gagner. Mais c’est l’esprit
    de la République qui
    perdra.•

    Libération, 4/5.3.2017, p. 2.

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