O rendado aberto da lei das rendas

A demissão do Estado, ou a “democratização da economia”, parece ter começado em grande com as novas disposições em matéria de arrendamento, mas, estranhamente, numa lógica muito pouco liberal. Não existe o sacrossanto mercado neste caso concreto da actualização das rendas mais antigas. Senhorio e inquilino são encarregados de “democratizar a economia”, tendo o privilégio de dar aplicação ao novel conceito engendrado pelo governo.
O princípio subjacente ao que foi anunciado é o de que são os senhorios e os inquilinos quem deve regularizar, entre si, a actualização da renda. O valor de mercado do imóvel não entra em momento algum da peça, nem li ainda em lado nenhum o que se prevê para o problema muito presente, premente e concomitante das obras de renovação.
Caso concreto: um inquilino paga actualmente 50€ por uma habitação antiga, com boa área, mas degradada. O senhorio poderia propor-lhe, por achar justo para cobrir eventuais despesas com obras, 300€ mensais. Sabe, porém, que, se o inquilino não aceitar, ao pô-lo na rua, terá de pagar-lhe uma indemnização de 18 000€ (e por alminha de quem?). Muitos proprietários possuem não só um, mas vários fogos em situação semelhante, o que obrigaria a multiplicar 18 000 por X. Por isso, antes de propor 300, o proprietário pensa nas consequências e propõe apenas 150. Se o inquilino aceitar, duvido muito que o senhorio aceite fazer obras (e o que diz a lei quanto a isso?). Se não aceitar, o senhorio poupa umas coroas na indemnização e o inquilino vai à procura de outra casa, imaginamos que por 100€, ou pelos mesmos 50€, muito mais pequena ou muito mais longe. Mas nada disto continua a ter em conta o valor real de mercado da habitação em causa. Porquê?

Os que beneficiem de rendas antigas e não provarem a sua incapacidade financeira, vão ter em breve a sua renda atualizada“, lê-se no jornal. E os que provarem essa incapacidade? O senhorio mantém-lhes a renda? Aumenta, e o Estado paga a diferença? Ou o senhorio vai negociar a renda com o Estado?

Por que razão tem sido difícil, até agora, mexer na lei da actualização das rendas? Porque grande parte do ónus caberia ao Estado – pessoas idosas, com baixos rendimentos, são quem habita os prédios mais antigos e, em caso de aumento substancial das rendas, seria o Estado a sustentar o diferencial, ou o novo alojamento dos despejados, para não ser acusado de desumanidade e de práticas anti-constitucionais, uma vez que os proprietários, e bem, entendem não ser responsáveis pelo congelamento das rendas, sendo antes suas vítimas, sentindo-se até, na maioria dos casos, reféns dos inquilinos. Além disso, a denúncia do contrato por parte do senhorio, mesmo que fosse para requalificação do imóvel ou a sua venda, contra a vontade do inquilino, esbarrava sistematicamente com processos morosos e a tradicional lentidão da justiça.

Sem contestar que a lei do arrendamento urbano precisava de uma valente reforma, aliás já prevista pelo anterior governo, as novas disposições parecem-me algo bizarras, do tipo “entendam-se!”, que estamos com pressa. Estou curiosa quanto à sua aceitação pelos proprietários e prevejo uma avalanche de processos no novo Gabinete do Arrendamento.

8 thoughts on “O rendado aberto da lei das rendas”

  1. A Cristas sempre foi especialista em Monopólio. Até dá gosto vê-lá toda babada agora que inventou um joguinho para nos pôr a todos a negociar imobiliária.

  2. Realmente não vejo nesta lei, como esperava, solução para o problema. De lei em lei a coisa tem vindo a piorar e parece-me que só o tempo resolverá estas questões. Por exemplo, um caso real. Uma renda que em 2012 será depois de atualizada de 19 euros. 3 divisões, cozinha, casa de banho, saguão, quintal, sem inquilinos por cima. Casa antiga que em tempos esteve arrendada por 300$00 e veio sendo atualizada até aos 19 euros de 2012. Se agora o senhorio pedir 100 euros para atualizar a renda que acontece? Será que a partir daí ser-lhe-ão exigidas obras? A casa precisa dum telhado novo, ser toda arranjada no exterior e pintada (tem 1 frente, traseira e 2 empenas, e arranjada por dentro: portas, janelas, soalho, etc., etc. Quanto custa? Então o inquilino andou 30 anos a pagar uma miséria, nunca pregou 1 prego na casa e agora por 100 euros o senhorio terá que lhe dar uma casa nova? Senhorio que andou 30 anos a ver passar os comboios, o inquilino a rir-se e agora ainda vai gastar o que nunca recebeu?
    Este é apenas um caso real mas há muitos mais e muito mais complicados. A lei, como se sabe, é cega e não verá nem os interesses dos senhorios nem os dos inquilinos. Ficaremos na mesma ou se calhar pior que é o mais certo.

  3. Permita-me uma correcção ao seu post. A certa altura do seu artigo apresenta um exemplo hipotético, mas dá-me ideia que não o faz com base na notícia que se pode ler seguindo o enlace que apresenta aqui. Fala de um senhorio apresentar um valor, não muito elevado para nao se encalacrar com o que terá de pagar ao inquilino, e depois diz, terá a esperança de apresentar uma renda baixa mas que mesmo assim nao possa ser paga pelo inquilino; e este, com sorte, irá desistir da casa e procurar outra noutro lugar. Só que segundo o ponto 2 da notícia, vai embora mas leva uma maquia que será igual a 60x o valor médio proposto entre o senhorio e o arrendatário. Ou será que nao entendi bem? O inquilino se disser que nao aceita, vai embora, é isso? Nao foi com esse ideia que fiquei… o inquilino leva sempre algum €€€… acho eu..

  4. esta lei tem a vantagem de manter tudo como está dando a ideia que o negócio do arrendamento foi finalmente liberalizado.

  5. João Tomás Castro e Melo: O que eu entendi foi que, se o inquilino não aceitar a proposta do proprietário, sai da casa com uma indemnização correspondente a 60 vezes o montante mensal proposto pelo proprietário (também já li que era 60 vezes o valor médio entre a proposta deste e a contraproposta do inquilino).

  6. Toda a propriedade é um ROUBO. Vamos dividir a sociedade em inquilinos e senhorios? Estes vivem à conta do trabalho de um dos cônjuges – (lembram-se?) e os outros aguentam em nome de palestrice bolorenta de um “mercado da treta” (cambada de mentirosos!!) que NUNCA vai crescer merda nenhuma porque os índices demográficos dizem que HÁ CASAS A MAIS!!| (Só se mandarem vir chineses através do Paulo Futre).
    Há é uma meia dúzia de dos “xulos” que vivem sem produzir, nem nada contribuírem para o desenvolvimento da comunidade que querem ver atualizados investimentos gananciosos, de imóveis a cair de pôdres habitados por inquilinos POBRES, que uma qualquer Câmara Municipal já deveria ter mandado demolir. Investimentos de de meia dúzia de patacos. aos preços julgam ter direito numa autentica USURA. Não quer este (des) governo indemnizar agora os filhos da puta usurários que viviam dos “selinhos da Afinsa” e os “depositantes” da ganancia BPP ou dar mais uns dinheirinhos à SLN e mandar o Dias LouTeiro distribuir estes? Já agora…
    Não me venham falar de leis para senhorios porque esta cambada e parasitas sociais NUNCA cumpriu nenhuma!
    Uma sociedade desenvolve-se com trabalho e investimento PRODUTIVO e …. mais NADA!

    Alimentar o parasitismo social dá no que dá!!! Aí estão os resultados…

  7. “também já li que era 60 vezes o valor médio entre a proposta deste e a contraproposta do inquilino”

    o que vai dar ao mesmo, porque o inquilido não vai propor coisa alguma. estão bem como estão e os senhorios que tomem iniciativas que logo de vê.

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