O que falta e quem falta?

Segundo uma nova proposta legislativa da Comissão Europeia, pretende-se dinamizar a construção e a renovação de infra-estruturas transeuropeias – de transportes, energia e telecomunicações – para «interligar a Europa» e consolidar o mercado único. Trata-se de investimentos avultadíssimos nas chamadas “ligações em falta” e na modernização das existentes, que implicam uma forte participação de fundos europeus. Isto numa altura de crise económica e financeira generalizada na Europa. Os corredores definidos ligarão por exemplo, em termos genéricos, a fronteira russa (com a Finlândia) a Sines, Dublin ao Pireu, Estocolmo à Calábria. Não é bonito? As redes transeuropeias dão pelo menos um certo ar de território comum sem fronteiras, de comunicação e movimentos facilitados. Na prática, sabemos que não é bem assim, ou que não chega, mas, se as infra-estruturas nos aproximarem, será mais difícil regredir para os tempos das fronteiras fechadas.

A Comissão, aparentemente, está aqui a dar uma ajuda à dinamização da economia com o que não deixa de ser um grande investimento público (europeu), embora exigindo a participação do sector público nacional e do sector privado. A ver vamos se esta proposta “passa” no Conselho.

Neste contexto deve ser vista a adesão do nosso novo governo de aldrabões e distribuidores de areia à construção de novas linhas ferroviárias. Cedo piaram com recusas radicais e, mais cedo do que previam, engoliram em seco, tendo de recorrer à imaginação de um assessor qualquer para transformarem a alta velocidade em “alta prestação”.

Não posso deixar de sublinhar que já o nosso saudoso Sócrates (ai, não me batam! Ele era mesmo bom) insistia em dinamizar a economia por esta via (estas vias?), sobretudo em tempos de crise, em que não há gato pingado privado que invista um tuste em coisa nenhuma. Chamaram-lhe alucinado ou lunático ou simplesmente teimoso.
Para que tais investimentos fossem possíveis, era necessário, evidentemente, dar um abanão nas instituições europeias e concretamente nos comissários para facilitar os financiamentos. Tudo o que Sócrates estava decidido a fazer e fazia e que estes não ousariam nunca. Agora ainda menos, quando assumiram voluntariamente a posição de vassalos. Pelos vistos, decidiram eles próprios, lá na Comissão, abanar-se. Já não é mau. E se, com isso, fazem governantes como estes que agora temos fazer figuras de parvos, tanto melhor.

25 thoughts on “O que falta e quem falta?”

  1. Estava no programa eleitoral a redução para metade dos custos com o TGV. Na altura, quando li o dito programa, escrevi no meu blog:

    “Em relação aos custos do TGV, não me é possível tirar grandes conclusões sem um conjunto considerável de extrapolações – embora alguém conhecedor me garanta que sim, é possível, se forem construídas linhas de “velocidade alta” (250 km/h), em detrimento das linhas de “alta velocidade” (320 km/h).”

    Esse “alguém conhecedor” tinha, afinal, razão, e foi o caminho escolhido (e bem) por este governo; e estava no programa, pelo que não andaram com “recusas radicais”, estava lá escrito.

    E, sim, o TGV era disparatado; como se os turistas viessem de comboio, ainda mais apenas até ao Poceirão. Já a ligação por bitola ibérica a Sines, não só é uma excelente ideia, como já tarda (o porto de Sines é o porto de águas profundas mais perto de Madrid para os cargueiros transatlânticos, incluindo os provenientes do Pacífico, via canal do Panamá). Além disso, essa ligação terá um custo meramente residual – como a bitola é a mesma, é só ligar à Linha do Sul (precisamente, junto à actual concordância do Poceirão), que por sua vez já liga à Linha de Sines.

  2. Marco: nada que o anterior governo não tivesse previsto (excepto talvez os 70km de diferença de velocidade. Mas, segundo o que li, uma das linhas estará preparada para AV). Claro que os turistas vêm de comboio! Sobretudo os que gostam tanto de aviões como eu. E claro que não seria nunca até ao Poceirão apenas. Isso seria tão estúpido que nem merece mais observações.

    Quanto ao programa, estamos todos lembrados da campanha eleitoral e da proclamada suspensão de tal obra, e de como a mera palavra “velocidade” esteve banida por provocar apoplexias. E de tal maneira isto é verdade que distintos militantes PSD se mostraram escandalizados com o anúncio do ministro Álvaro de retoma do projecto.

  3. Os tais 70 km/h de diferença inviabilizariam a ligação de mercadorias a Sines: a bitola do TGV é diferente da bitola ibérica. Por isso, não me lixes, o anterior governo não pensou porra nenhuma. Além de ser mais cara; estupidamente mais cara, seja em infraestruturas, seja no equipamento circulante.

    E estava no programa – aliás, o programa ainda está disponível, é ir ler. Eu sei que não bate certo com a tua visão da coisa, mas, olha, paciência.

  4. estará a esquecer-se da valente multa de 2 mil milhões que temos que pagar aos espanhóis por não termos cumprido a nossa parte do contrato assinado por Manuela Ferreira Leite ?? o que faz isso ao “muito mais barato” já para não falar dos 4 ou 5 anos de atraso e do”não encaixe” desses anos ?

  5. Marco, no que isto vai dar é que, por exemplo, nunca poderão cá chegar directamente comboios de outros países.

    A bitola da rede da AVE é a bitola standard do resto da europa. Assim, pelos tais 70 km/h damos de bandeja todo o handling logístico a Madrid. Tudo o que entrar em Sines tem de parar, ser processado e despachado lá. É isto que acontece, está a ver? Mais uma vez, ficamos como mero serviçal a brincar às casinhas, enquanto os big boys põem o pão na mesa.

    E se é assim para mercadorias, passar-se-á o mesmo para passageiros. De lá (voos intercontinentais, restante europa via ar e CF) para cá, têm de se concentrar em Madrid antes de passar para Portugal. De cá para lá, o mesmo. Concentram-se em Madrid antes do transbordo para o TGV.

    Concordo que os passageiros são um mal menor, mas a visão não pode ser assim tão simplista. Pense na quantidade de passageiros transportados, na maior flexibilidade de horários, na complementariedade e na concorrência, já para não falar dos imponderáveis (não se ria… lembre-se do vulcão whatitsnamelapranoruega).

    Se isto não fosse assim tão importante – ou se fosse só um capricho – porque raio é visto como um pilar estratégico da UE? Ou por que razão nos hão-de cofinanciar o grosso do investimento? E porque é que havemos de perder o comboio (pun intended) só para uns quantos papalvos não perderem a face?

    A rede completa de linhas de alta velocidade seria – confesso – uma estupidez. Mas a Lisboa Madrid é estrutural. E importantíssima!

  6. Isabel, isso é falso (documentação e fontes, s.f.f.); mas até dou de barato que fosse verdadeiro.

    O problema é que, de um lado da balança temos 2 mil milhões de multa, mais cerca de 1.8 mil milhões na linha de bitola europeia, com larga vantagem no transporte de mercadorias; do outro, temos, 3.5 mil milhões na linha de TGV, e um cashflow operacional negativo, a acumular ao longo dos anos, porque, nem que a vaca tussa, o fluxo de passageiros por TGV num ano nunca chegaria para custos de manutenção (já para não falar na compra do material circulante, que é muito mais caro, tanto em investimento inicial, como em custos operacionais).

  7. Gonçalo, não sei porquê, mas não vi esse comentário antes de escrever o meu último…

    A questão não é chegarem cá, é nós chegarmos lá. E nunca chegaríamos. O principal mercado externo, potencialmente o único, do porto de Sines é, precisamente, o espanhol. Ninguém no seu perfeito juízo descarregaria em Sines para entregar na Europa Central, que está bem servida de portos de águas profundas na Alemanha, Bélgica, Holanda e França, ou do sul, com a Itália e a Croácia a providenciar esses portos. Não esquecer que a rentabilidade de um cargueiro da classe Panamax é bastante superior à de qualquer comboio – mais vale continuar de barco até mais perto, do que um transporte maior de comboio.

    E, duma vez por todas, esqueçam os passageiros. É esse tipo de contas à sapateiro que nos ofereceu o flamejante Aeroporto Internacional de Beja e os seus 200 passageiros mensais. O TGV é mais lento e mais caro do que qualquer companhia aérea da treta, para qualquer ponto da Europa. Para quem tem medo de voar, um bilhete de ida e volta no TGV Lisboa-Madrid daria para três consultas num bom psiquiatra.

    Finalmente (e isso também já é público), os fundos de investimento da UE não são para aplicar obrigatoriamente no TGV, e não serão perdidos ao aplicar na muitíssimo melhor opção da bitola ibérica.

  8. Boa, chessplayer…
    Quem conquista sempre rouba
    Quem cobiça nunca dá
    Quem oprime tiraniza
    Naufraga mil vezes
    Bonita eu sei lá

    Já vou de grilhões nos pés
    Já vou de algemas nas mãos
    De colares ao pescoço
    Perdido e achado
    Vendido em leilão
    Eu já fui a mercadoria
    Lá na praça do Mocá
    Quase às avé-marias
    Nos abismos do mar

    navegar navegar…

    Já é tempo de partir
    Adeus morenas de Goa
    Já é tempo de voltar
    Tenho saudades tuas
    Meu amor
    De Lisboa
    Antes que chegue a noite
    Que vem do cabo do mundo
    Tirar vidas à sorte
    Do fraco e do forte
    Do cimo e do fundo
    Trago um jeito bailarino
    Que apesar de tudo baila
    No meu olhar peregrino
    Nos abismos do mar

    (ainda no outro dia tinha cá deixado esta…que a sina parece que é sempre a mesma):
    http://www.youtube.com/watch?v=uTnm0vlsbp8&feature=related

  9. quer isso dizer que teriamos uma linha para servir exclusivamente a peninsula ibérica ?? e faz sentido ??
    Qual a verdade sobre o TGV, por favor ?! alguem me explica com dados concretos ??

  10. Esta também está actual: marujo, não abdiques da nossa nau catrineta para salavar o rabo do capitão…
    http://www.youtube.com/watch?v=d3Tq9LlcXU0&feature=related

    Lá vem a Nau Catrineta,
    que tem muito que contar!
    Ouvide, agora, senhores,
    Uma história de pasmar.”

    Passava mais de ano e dia,
    que iam na volta do mar.
    Já não tinham que comer,
    nem tão pouco que manjar.

    Já mataram o seu galo,
    que tinham para cantar.
    Já mataram o seu cão,
    que tinham para ladrar.”

    “Já não tinham que comer,
    nem tão pouco que manjar.
    Deitaram sola de molho,
    para o outro dia jantar.
    Mas a sola era tão rija,
    que a não puderam tragar.”

    “Deitaram sortes ao fundo,
    qual se havia de matar.
    Logo a sorte foi cair
    no capitão general”

    – “Sobe, sobe, marujinho,
    àquele mastro real,
    vê se vês terras de Espanha,
    ou praias de Portugal.”

    – “Não vejo terras de Espanha,
    nem praias de Portugal.
    Vejo sete espadas nuas,
    que estão para te matar.”

    – “Acima, acima, gajeiro,
    acima ao tope real!
    Olha se vês minhas terras,
    ou reinos de Portugal.”

    – “Alvíssaras, senhor alvissaras,
    meu capitão general!
    Que eu já vejo tuas terras,
    e reinos de Portugal.
    Se não nos faltar o vento,
    a terra iremos jantar.

    Lá vejo muitas ribeiras,
    lavadeiras a lavar;
    vejo muito forno aceso,
    padeiras a padejar,
    e vejo muitos açougues,
    carniceiros a matar.

    Também vejo três meninas,
    debaixo de um laranjal.
    Uma sentada a coser,
    outra na roca a fiar,
    A mais formosa de todas,
    está no meio a chorar.”

    – “Todas três são minhas filhas,
    Oh! quem mas dera abraçar!
    A mais formosa de todas
    Contigo a hei-de casar”

    – “A vossa filha não quero,
    Que vos custou a criar.
    Que eu tenho mulher em França,
    filhinhos de sustentar.
    Quero a Nau Catrineta,
    para nela navegar.”

    – “A Nau Catrineta, amigo,
    eu não te posso dar;
    assim que chegar a terra,
    logo ela vai a queimar.
    – “Dou-te o meu cavalo branco,
    Que nunca houve outro igual.”

    – “Guardai o vosso cavalo,
    Que vos custou a ensinar.”
    – “Dar-te-ei tanto dinheiro
    Que o não possas contar”
    – “Não quero o vosso dinheiro
    Pois vos custou a ganhar.
    Quero a Nau Catrineta,
    para nela navegar.
    Que assim como escapou desta,
    doutra ainda há-de escapar”
    Lá vai a Nau Catrineta,
    leva muito que contar.
    Estava a noite a cair,
    e ela em terra a varar.

  11. Se Passos não se enforcar se aceitar falar em TGV, então os que votaram (moi, je, eu memo) devemos escolher o candeeiro mais alto de Lisboa e pendurá-lo o tempo suficiente até os pombos o deixaram mais borrado que o cavalo de Dom José.

  12. embora esta não tenha nada de divino. Digamos, antes, que o rocambolesco é um veículo possível para a navegação…

  13. Bom, vamos lá por partes: quanto à primeira, estou na linha do Woody Allen, último filme: os anos dourados não são os nossos, definitivamente – hão-de ser para outros.

    Agora, se metes o Mozart ao barulho, já não há comparação possível…fico já aqui a fazer replay o resto da noite, o que me obriga a guardar o Beethoven para amanhã, que exige o olho e ouvido bem abertos, coisa que está prestes a deixar de acontecer…

    ( O Mozart era mesmo genialmente passado, não?)

  14. passado era um xadrezista que no inicio do século passado dizia que podia telefonar sem usar o telefone ou que ganhava a Deus dando um Bispo de avanço.
    eu ainda não me passei, ganho aos meus alunos dando uma besta (cavalo) de avanço.

  15. Cara Penélope,
    uma LAV (Linha de Alta Velocidade) é uma linha férrea que éconstruída para permitir velocidades iguais ou superiores a 25o Km/h.
    O custo de uma linha de comboios de alta velocidade de mercadorias é geralmente superior ao de uma construída para ser utilizada em transporte de passageiros e a diferença é devida ao peso por eixo transportada.
    Como qualquer pessoa sabe, um vagão de mercadorias está preparada para transportar mais peso do que um vagão de idêntico tamanho de passageiros, assim sendo, os carris e o terreno onde circulam deverão estar preparados para esse diferencial de peso o que limita quer os terrenos por onde passa, quer a qualidade do leito da via onde assenta.
    Quanto a bitolas, a bitola do TGV ou AE ou o que queiram chamar-lhe é de 1435 mm (geralmente chamada bitola padrão) sendo a bitola ibérica de 1668 mm e que recentemente foi objeto de uma experiência em Espanha que resultou criando equipamento que utiliza a chamada bi-bitola através dos chamados intercambiadores, utilizada por exemplo no comboio TALGO.
    Todas as asneiras que por aí vão sendo escritas, que passam por afirmações de que o comboio que apelidaram de TGV ía ser de bitola ibérica; que o agora prometido comboio de alta prestação do Álvaro é mais barato porque só andará a 250 Km/h e é para mercadorias (será que a locomotiva se nega a puxar vagões de passageiros); que TGV e AV são acrónimos de realidades diferentes; a panaceia de que os transatlânticos de mercadorias (que tipo de navios serão esses!) preferirão Sines em lugar de Roterdão, Antuérpia, Hamburgo, Bremen, Marselha, Le Havre, etc. como se o transporte em comboio para a Europa central fosse mais barato do que o feito por mar; que a comissão europeia não está preocupada com as ligações ferroviárias internas desmentida ainda agora; nos números dos custos apresentados que são atirados para o ar sem consistência de espécie alguma; no esquecimento deliberado de outros portos existentes no País que recebem e enviam carga sem terem os acessos otimizados; a criação de um acesso a Aveiro que nem tem movimento, nem capacidade para o ter, nem indústria que se veja criando ali um pólo novo que não servirá nada nem ninguém, são questões que alimentam e estragam qualquer discussão que se pretenda útil.
    O mal, foi que o governo anterior que era acusado de manipular a informação não foi claro nos pressupostos sobre a alta velocidade e pagou por isso. A inépcia de ministros e apoiantes em não conseguirem sequer demonstrar que o trânsito que mais lhe interessava era o de mercadorias mas que não o podiam dizer em voz alta pois os espanhóis não gostavam nada dessa ideia pois lá se iria por água abaixo o sonho do HUB madrileno não foi sequer entendido por quem sabia da poida.
    Pedir a simples cidadãos, desconhecedores das manhas dos transportes e interesses associados entenderem isso, é muito mais complicado.

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