Livrai-nos, Senhor, dos comentadores dos debates eleitorais e, se possível, dos debates

Arrancaram os debates e arrancou também todo o folclore à volta. Nas questões aos candidatos é, desde já, notório que, em meia hora, tudo à pressa e com temas múltiplos, não se esclarece nada. Nem sequer, para começo de conversa, se existe ou não um programa eleitoral com base no qual se possa discutir algum assunto. A Clara de Sousa, mas penso que todos os outros que se lhe hão de seguir, tem um guião a cumprir e, apesar de estar com pressa, não se inibe de apartes como “de resto, já tinha esclarecido isso” ao referir-se à nota prévia do Pedro Nuno Santos sobre as insinuações venenosas da IL e de outros da direita quanto ao IMI e ao subsídio de deslocação de que tinha auferido. Já tinha esclarecido isso, mas não em directo e a cores para toda a audiência, e à frente do caluniador. O mesmo caluniador que, aliás, não foi instado a pedir desculpa ou a retirar o que disse. Enfim, havia pressa e bastou à Clara que ele dissesse que não tinha mais nada a dizer. Foi pouco e indelicado.

Havia pressa, pelos vistos, (mais quando PNS falava), mas o limite de tempo  nada importa quando se contratam comentadores para, ao longo da noite, avaliarem o que todos ouvimos. E que comentadores são esses? Do que vi, predominam os habituais de direita, sendo o expoente máximo atingido na CNN, que consegue reunir pessoas tão plurais e de opinião tão diversificada como a Helena Matos e o Miguel Pinheiro na mesma mesa. De resto, também deu para ver de relance que se sentavam para avaliar “com a máxima isenção” o Ricardo Costa, a Ângela Silva, o Bugalho e o Paulo Ferreira (este, como os outros aqui atrás, do Observador), entre outro pessoal igualmente “isento”, sempre de direita. Portanto, estas pessoas estão ali como “influencers”, não com qualquer intuito de objectividade e, sendo assim, são tempo de antena dos partidos que apoiam. A Maria João Avilez, na SIC N, incomodou-se muito com o barulho feito pelo Ventura. Mas possivelmente só com isso. Para ela, o Montenegro, quando falar, vai ser muito mais suave e educado e, logo, muito mais bem avaliado por esta senhora, que, aliás, tinha como companheira de painel a outra Maria João mais nova. Ambas de direita.

 

Por esta amostra colhida no primeiro dia de debates dá para ver o que vai acontecer após cada debate. Os candidatos que são chamados a debater serão meros pretextos para a coscuvilhice e a autêntica campanha eleitoral e os tempos de antena que se seguem.

Podem os candidatos que não são de direita exigir painéis plurais? Se não podem, deviam poder. Não se trata de querer ganhar nos painéis de comentadores o que eventualmente se perdeu no debate (e o PNS até arrancou muito bem face ao troll do Rui Rocha), mas ter painéis de uma tendência só é um bocado demais e inadmissível. A opinião é livre e as televisões são livres de convidar as pessoas que entenderem, mas a escolha dos opinadores também está sujeita a críticas e a minha é esta: não se respeita minimamente a pluralidade. Se eu falo, e sempre à pressa, e a seguir vem um bando de míopes e surdos voluntários distorcer e torcer num determinado sentido tudo o que foi dito, é legítimo pensar em não participar. Quanto mais não seja para a coscuvilhice e as indignações terem mesmo razão de ser.

5 thoughts on “Livrai-nos, Senhor, dos comentadores dos debates eleitorais e, se possível, dos debates”

  1. É verdade, sim senhor, tem toda a razão, e não foi bonito. Todavia, estando os “jornalistas” e comentadores socialistas todos a perorar nos vários canais da RTP (tv é rádio) os outros tem de se amanhar com o que sobra.

  2. a malta que nunca disse nada acerca do ostracismo a que o PCP
    é votado em todos os OCS (será porque é uma censura que beneficia o PS?) e que apoiou sem quaisquer reservas o silenciamento de qualquer opinião dissonante relativa à, acho que agora já podemos dizer, debacle que foi a politica europeia acerca da guerra na ucrânia, está chateada porque os paineis de comentadores (os mesmos responsáveis pelos exemplos referidos acima e com quem os militantes do Pseudo-Socialismo concordam na grande maioria das justificações para censurar os outros também acima referidos) não lhes são favoráveis ou sequer justos. Quer dizer, afinal os donos dos meios de comunicação privados não gostam mesmo deles, e só faziam de conta que sim, sempre que os idiotas eram uteis para a agenda da direita e demonizavam opções politicas de esquerda.
    segue abaixo um exemplo perfeito desse progressismo retrogrado apropos de um tema extremamente actual, e que também por aqui tem apoiantes e seguidores da mesma visão do mundo!

    https://www.msn.com/en-us/news/world/what-thomas-friedmans-describing-the-middle-east-as-an-animal-kingdom-tells-us/ar-BB1hPpYC

  3. Porfírio Silva@especulativa
    A velha técnica: organizar um “painel” a seguir a um debate para tentar “salvar” o político da direita que perdeu o debate.

  4. Palavras? Palavras leva-as o vento …

    As ‘palavras’ cancelam-se umas às outras. Não valem nada para os eleitores. Ninguém lhes liga.

    As ‘palavras’ dizem uma coisa e, simultaneamente, o seu contrário. São o software que programa e reproduz a lógica dual, inversamente opositiva, isomorficamente simétrica: ‘esquerda/direita’, ‘bem/mal’, ‘sim/não’, correcto/incorrecto’, ‘certo/errado’, eu/tu, nós/outros, etc. E os eleitores sabem-no.
    Foi para resolver esse impasse (que Aristóteles designou por “refutação dos Sofistas”) que escreveu o “Organon”. ‘Comentadores’ desse tipo sempre houve, naquela época não comentavam nas TV’s, mas, outrossim, nas “Agora”.

    O que conta para os eleitores é o comportamento impronunciável (aquele que não é expresso pela ‘pronúncia’). É esse aspecto da Pessoa humana que os eleitores observam e comparam entre os candidatos a líderes na contenda eleitoral. Esse factor é muito mais decisivo para a escolha do que as palavras.

    Dois anos antes da independência do dito ‘Portugal’, em 1141, sobre esse aspecto da comunicação e da linguagem, Hugues de Saint-Victor, na obra “De institutione novitiorum. De virtute orandi. De laude caritatis. De arrha animae”, teorizou-o, transformou-o em ensino para as noviças, e escreveu: “Gestus est motus et figuratio membrorum corporis ad omnem agendi et habendi modum” (“Um comportamento (gestus) é um movimento (motus) com uma determinada forma (figuratio, coreografia, gestualidade) que procura um efeito-resultado (agendi, acção) guiado por uma finalidade ou valor-relevância (habendi, atitude)”.

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