Humilhação

Lieblinge”:

Vocês fazem tudo o que nós queremos e ainda mais do que achávamos possível. Vocês são uns fofinhos – dóceis, obedientes, atentos aos nossos caprichos, gratos e reconhecidos. O vosso primeiro-ministro compensa bem a impreparação e a inexperiência com a assunção do papel de porta-voz da nossa mensagem de comedimento e humildade. Apreciamos igualmente o bom seguimento que foi dado aos nossos telefonemas para o atrevido ministro Portas no verão passado e, ainda antes, para o vosso Presidente da República, para que evitasse repetir declarações como a da “espiral recessiva” e, pelo contrário, disciplinasse as intervenções e proferisse, quando quebrasse os silêncios, notas de otimismo e empenho na estabilidade. Foram os dois muito lindos. Têm cumprido. Para mostrarmos a nossa satisfação, abrimos as nossas empresas aos vossos jovens engenheiros e a todos os que vierem por bem. Não esperem, porém, que lhes paguemos os mesmos salários que aos nossos compatriotas. Como compreenderão, e sei que compreendem, há muitos outros à porta. A escolha é um favor que vos fazemos. Como tal deve ser encarada. É também o povo alemão que no-lo exige. Sabemos que já integraram esta perspetiva no vosso discurso público, o que só joga a vosso favor.

Como previmos, o consumo interno tem diminuído em Portugal e isso é uma boa notícia. Olhem para nós. Não nos peçam, porém, para olhar para vocês.

Mas, caros Pedro, Paulo e Maduro, vocês são também um problema. De tão burros e obedientes e face aos maus resultados obtidos em termos de défice e de dívida, corremos o risco de ver a nossa estratégia desacreditada. Sobretudo a nível internacional, onde não governamos, e onde os nossos excedentes começam a ser notados. Por isso, lamentamos mas iremos continuar a insistir nos cortes. Não nos resta outra opção. Não que consideremos que tal colida com o vosso pensamento. De facto, não prevemos para vocês, Governo, dificuldades em impô-los. Mas começam a ouvir-se demasiadas vozes dissonantes. Aqui perto, trataremos do Barroso e do Draghi como sempre.

Chegam-nos notícias de que os mais vivos e saudáveis de entre vós já deixaram o país. Não podemos deixar de apreciar a injeção de sangue novo que tal representa para o projeto europeu central, ao mesmo tempo que nos convém perfeitamente o exército de zombies que engrossa nas periferias. Sabendo que não desesperarão, aconselhamos mesmo assim a que aguardem, com a ajuda de deus e do César das Neves. Por nós, ajudar-vos-emos como se ajudam os pobres e miseráveis: com esmolas. O tempo que for preciso. Nada receiem, pois.

Assinado:

Governo do melhor povo do mundo

4 thoughts on “Humilhação”

  1. E agora com um ano e tal a trabalhar sem comer, oh, oh… vai chover para aí bajulação até mais não.

  2. Pingback: Humilhação

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