Vale muito a pena ler este artigo de Ambrose Evans-Pritchard, no Telegraph, escrito já há cinco dias, sobre as razões que o levam a votar pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia. É evidentemente a perspetiva de um britânico, que calha viver em França. Dado o abalo (a esperança?) que esta saída pode provocar, penso que é nosso dever pensar no assunto.
O artigo espelha muitas dúvidas e farta-se de apontar boas razões para o não rompimento dos laços. No entanto, prevalece o protesto contra o funcionamento deplorável da UE, a gestão da moeda única na recente (e atual) crise, a estranha democracia vigente, o método de aprovação dos Tratados, o papel das instituições e a substituição da soberania dos países por uma coisa (um poder) que poucos reconhecem e a que ninguém realmente adere.
O Reino Unido não adotou a moeda única, não está na zona euro e não faz parte do famigerado Eurogrupo. No entanto, quem está atento do lado de lá do canal (e Pritchard está lá forçosamente em “alma”), consegue perceber a que extremos nos poderá levar a atual orientação política da UE, muito ditada pela crise do euro, que ninguém sabe verdadeiramente quem define. Ou melhor, suspeita-se, mas ninguém assume…
A verdade é que, mesmo que o Reino Unido fique, o facto de não pertencer ao clube do euro, leva a que muito dificilmente possa voltar a influenciar o rumo dos acontecimentos, como sucedeu durante muitos anos. Por isso, ficar, penso eu, também não fará grande diferença para travar a desintegração já observável e eventualmente melhorar o que há a melhorar. O euro é o verdadeiro tumor do momento. Tudo indica que maligno.
Sair será um salto no desconhecido; será também, para a maior parte dos votantes, uma decisão bastante ditada pelos populistas e demagogos, pelos xenófobos e racistas, que buscam o poder e se aproveitaram do afluxo de refugiados deste último ano para ganhar adeptos. No entanto, quem gosta desta União Europeia? Os sonhadores não são de certeza. Uns países por uns motivos, outros por outros, todos gostariam de romper nem que fosse um bocadinho (e estes são os do sul). Possível e infelizmente não rompem, mas vão rompendo. Acontece que o Reino Unido pode fazê-lo, até porque nunca deixou de ter um pé de fora. A questão é se o vai fazer. Esquecendo todo o populismo e as utopias reinantes na campanha, quem, olhando para a União Europeia atualmente, não está com quem quer sair?
Quem não concordará com Pritchard (e com as suas dúvidas)?
Um excerto:
[…]
Nobody has ever been held to account for the design faults and hubris of the euro, or for the monetary and fiscal contraction that turned recession into depression, and led to levels of youth unemployment across a large arc of Europe that nobody would have thought possible or tolerable in a modern civilized society. The only people that are ever blamed are the victims.
There has been no truth and reconciliation commission for the greatest economic crime of modern times. We do not know who exactly was responsible for anything because power was exercised through a shadowy interplay of elites in Berlin, Frankfurt, Brussels, and Paris, and still is. Everything is deniable. All slips through the crack of oversight.
Nor have those in charge learned the lessons of EMU failure. The burden of adjustment still falls on South, without offsetting expansion in the North. It is a formula for deflation and hysteresis. That way lies yet another Lost Decade.
Has there ever been a proper airing of how the elected leaders of Greece and Italy were forced out of power and replaced by EU technocrats, perhaps not by coups d’etat in a strict legal sense but certainly by skulduggery?
On what authority did the European Central Bank write secret letters to the leaders of Spain and Italy in 2011 ordering detailed changes to labour and social law, and fiscal policy, holding a gun to their head on bond purchases?
What is so striking about these episodes is not that EU officials took such drastic decisions in the white heat of crisis, but that it was allowed to pass so easily. The EU’s missionary press corps turned a blind eye. The European Parliament closed ranks, the reflex of a nomenklatura.
While you could say that the euro is nothing to do with us, it obviously goes to the character of the EU: how it exercises power, and how far it will go in extremis.[…]
A propósito convem tamber ler o post de Simon Wren-Lewis em resposta a este artigo.
https://mainlymacro.blogspot.pt/2016/06/brexit-and-democracy.html em em
é bom, que denunciem o mau funcionamento desta europa ,pode ser que alguma coisa mude. mas na hora da verdade (voto)o povo, vai dizer que quer continuar. neste momento estão mais interessados no euro (mas do futebol) de beber umas canecas de cerveja, para depois levarem nos cornos, dos ex socialistas soviéticos!
Para muitos países a adesão ao euro foi uma boa intenção que acabou no inferno!
Seja por impreparação das suas próprias economias (Portugal), seja pela ascenção
da direita à liderança do projecto europeu alterando os princípios da coesão e da
solidariedade com a aplicação de políticas de austeridade que conduziram ao exces-
sivo super-havit da Alemanha e estagnação dos países do Sul!
Respondendo a pergunta, se hoje se fizesse um referendo em PR7, perdão, Portugal, acerca da permanência na UE, estaria inclinado a votar pela saída. Por razões distintas das dos ingleses, claro.
Recebemos muito, o desenvolvimento em estruturas foi imenso mas não houve desenvolvimento humano condicente, por culpa própria, e a estrutura de poder ficou na mesma ou pior, na Justiça, no sistema financeiro, na Comunicação Social, etc… A tese de mais federalismo para a completa democratização das estruturas europeias seria abdicar de mais poder. Que pode demograficamente um país de 10 milhões? Depender da boa vontade dos outros como até aqui. Beggars banquet.
Ev’rywhere I hear the sound of marching, charging feet, boy
Cause summer’s here and the time is right for fighting in the street, boy
But what can a poor boy do
Except to sing for a rock ‘n’ roll band
Cause in sleepy Lisbon town
There’s just no place for a street fighting man
“Secretário-geral da Fenprof diz que estiveram mais de 80 mil na rua, mas segundo a PSP participaram na manifestação cerca de 15 mil pessoas.”
https://www.publico.pt/sociedade/noticia/manifestacao-pela-escola-publica-comeca-em-lisboa-com-cerca-de-duas-mil-pessoas-1735572?frm=ult
devemos sair sempre para melhor, isso é certo. não sei responder, tenho muitas dúvidas.
Penélope, estamos em clara discordância, parece-me (alguma vez havia de ser). Respondi-te aqui: https://t.co/el2yjTvufn
Desculpa o testamento (ficou demasiado grande), mas acho que as ideias chave que procuro passar face ao teu post (e ao de outros) estão lá.
Um abraço,
Já só acho que não devíamos ter entrado!!!
Já só sinto que alguém tem que por cobro à desavergonhada prepotência da dita “união dos imperialistas”.
Já só vejo continuar a obrigar Grécia&Portugal a ajoelharem.
Já só vejo sermos cada vez mais pobres, achincalhados, ameaçados e desconsiderados.
Já só sou :
porbrexit seja de quem for pela liberdade democrática.
David: Obrigada pela cuidada resposta, de que gostei.
Não fui ver a biografia opinionística do Evans-Pritchard. Penso, sim, que “usually he has a point”. E foi o que eu pensei neste caso. Isto não impede que se lhe possam apresentar inúmeros contra-argumentos, como tu fazes. Aliás, é o que ele próprio faz. Começo por deixar aqui um parênteses a propósito das teorias da conspiração: não sei se Cavaco foi pressionado a nível europeu a nomear Passos em outubro passado e sei bem que, pelas suas próprias características, o faria de motu próprio, mas não vejo essa hipótese como totalmente descartável. Chama-me adepta das teorias da conspiração, mas, por exemplo, na chamada “crise do irrevogável”, tal a brusca mudança e exposição ao ridículo, não tenho grandes dúvidas do surgimento de pressões europeias para que a coligação de direita não se rompesse com a demissão de Portas.
Quanto à democraticidade do Conselho, há nuances naquilo que dizes, nomeadamente por causa do que estabelece esse mesmo artigo 15.º sobre o que consta dos Tratados. Há, para além do Conselho de Chefes de Estado e de Governo, que não tem poder legislativo, o Conselho de Ministros e as suas regras de votação. A maior parte das decisões são tomadas por maioria, dupla maioria – 55% dos países, representando 65% da população, após um processo que é principalmente conduzido por grupos de trabalho e pelo COREPER, cujos membros (quase) ninguém conhece. Para o cidadão comum, porém, passa a ideia de que os chefes de governo eleitos se reúnem, no Conselho Europeu, em um ou dois dias de vez em quando, sofrem uma lavagem ao cérebro durante essas maratonas em que perdem o sono e a capacidade de raciocínio e tomam decisões à revelia do que os cidadãos desejam. Não é bem assim, exagero, claro; é, no entanto, o que aparenta ser. Mas o que se tem passado ultimamente é que há decisões políticas urgentes a tomar a nível europeu e, ou não se tomam, deixando arrastar questões decisivas, ou tomam-se e não há tempo para consultar nem os parlamentos nacionais nem os cidadãos. Assim sendo, é fácil e legítimo apontar baterias à ineficácia e pouca democraticidade do processo de decisão europeu e é fácil e legítimo apelar a que nos voltemos para os parlamentos nacionais, mais próximos. Depois, há também a veneração por instituições seculares que não se quer ver desaparecer e muito menos trocar por algo distante e sobretudo pior e o regresso a um ambiente de nacionalismo causado pelo problema dos refugiados e imigrantes, pelo terrorismo e pela crise do euro.
No caso do Reino Unido, como eu digo, a sua pertença à UE sempre teve uma base grande de cepticismo, tendo o reino optado por se excluir de muitos dos seus acordos. O euro, do qual se excluíram, acabou por diminuir a sua influência na UE. E a desastrosa gestão da crise das dívidas soberanas deu motivos acrescidos para um maior distanciamento. No entanto, eu também acho, como tu, que, sendo a União Europeia um grande e belíssimo projeto (e, quanto a mim, irreversível apesar dos percalços), o melhor será procurar reformar o seu funcionamento a partir de dentro ou reduzi-la realisticamente àquilo que verdadeiramente interessa e é consensual – os princípios (justiça, liberdade, cooperação, direitos), a livre circulação, o mercado único. Aqui, o Reino Unido tem todo o cabimento do mundo. Mas, neste momento, que é o que interessa para a votação de quinta-feira, temos 1) a hegemonia alemã, 2) o desastre do euro, 3) o afluxo excessivo de emigrantes e 4) a atração pelos nacionalismos. Continuo a achar que a decisão de Pritchard, não totalmente convicta, é na base do protesto, uma base tão válida como qualquer outra, até porque as consequências para o Reino Unido de uma saída não serão tão trágicas como para outros países, digamos, mais vinculados à Europa.
Eu, portuguesa, não votaria nunca pela saída da União Europeia e muito menos pelo seu fim. Lutaria pela sua reforma ou mesmo transformação.Já quanto à moeda única, também um belo projeto, mas implementado prematuramente, tudo indica que seria melhor não a ter.
Na UE só o povo alemão pode influenciar as decisões com o seu voto. Nos outros estados membros a regra é a imposição por comissários não eleitos da vontade do governo alemão. A Alemanha divide os membros da UE em satélites e protectorado. Um exemplo dos primeiros é a Holanda e o Luxemburgo. O exemplo dos segundos são Portugal e a Grécia. Os países satélites são governados pelas elites locais que se prestam ao serviço de administrar o protectorado ao serviço dos interesses germânicos. O Reino Unido afirmou-se durante o século XX como o país mais consequente na resistência às tentativas do domínio da Europa pela Alemanha. No século XXI a Alemanha garantiu o domínio da Europa e o fim da democracia nos países dominados, sem disparar um único tiro, apenas com a cumplicidade das “elites nacionais”. O Reino Unido tem ainda autonomia suficiente para fazer um referendo, pois ainda não está ainda na condição de protectorado. Mas se continuar na UE será reduzido a esse papel e a democracia na Europa fará um interregno de muitos anos. Assim se a saída do Reino Unido se concretizar, será a esse país que a Europa ficará a dever a travagem da hegemonia antidemocrática da Alemanha.
Ehehe, não te chamo adepta de “teorias de conspiração”, mas aí temos uma simples questão de probabilidades – Cavaco fez o que fez mais por ser Cavaco do que por qualquer outra coisa. E também duvido que na crise do irrevogável não tenha sido o instinto de sobrevivência de Passos e Portas que falou mais alto depois de todo aquele espectáculo. Agora, não descarto a existência de telefonemas com roaming, sem dúvida. Mas também não sei se me oponho particularmente a elas – é normal numa sociedade globalizada, e ainda por cima integrada a nivel continental, haver pressões de além-fronteiras. Só na Coreia do Norte elas não existem (e meios aí…). Houve pressões de fora sobre os nossos deputados para que não rejeitassem o PEC4, por exemplo, e bem gostaríamos nós que tivessem tido maior sucesso. Tal como gostaria que partidos com os quais me revejo noutros países europeus tivessem mais sucesso junto dos seus eleitorados e nas acções para a realização de objetivos que também defendo. Acho isso saudável e natural.
Sobre o Conselho: estás cheinha de razão, e curiosamente o Conselho da União Europeia, que é a meu ver o maior défice democrático da estrutura legislativa e politica da União, é raramente criticado pelos eurocéticos, que gostam da sua maneira de atuar de forma inter-governamental (não o mencionei no outro texto precisamente pq AEP mal o refere). Falo do Conselho e não do Conselho Europeu, que como sabes são duas instituições diferentes, apesar de a imprensa frequentemente as confundir. Acho por exemplo impensável que se tolere que o Conselho possa exercer vetos de gaveta a diplomas da Comissão, aprovados e/ou emendados pelo PE, e nada se diga nem se denuncie. Nem que se tolere que, atuando o Conselho na prática como uma câmara alta do processo legislativo comunitário, as suas atas e reuniões não sejam de transmissão/acesso público. E, como muito bem referes, as decisões são frequentemente tomadas pelos representantes dos governos nas COREPERs, diplomatas que ninguém conhece nem escrutina, mas que atuam na prática como legisladores-senadores (uma proposta que muito aprecio para mudar isto seria passar a elege-los, à semelhança de como se fez com os senadores norte-americanos, que na maior parte da sua história tb não eram eleitos diretamente – podíamos começar por serem eleições pelos parlamentos nacionais, por exemplo, passando os representantes nas corepers a responder às maiorias parlamentares em articulação com os governos que estas suportam). E tb tens razão (aliás, aqui temos consenso com o AEP e tudo), que o Conselho Europeu (tal como o Conselho, mas em maior grau) acaba por ser o órgão que arrasta ou empata as decisões fundamentais para a União – e o Reino Unido tem sido perito nessa ação, como é público e notório. Sobre a consulta dos parlamentos nacionais: é bom relembrar que a maior parte das decisões acabam por mais tarde ser aprovadas nos parlamentos nacionais, quando têm competência para tal, mas também temos por onde melhor aí – por exemplo, agrada-me bastante uma das coisas que o Cameron negociou no Conselho Europeu naquele pacote para aliciar os eleitores britânicos que é um maior poder para os parlamentos nacionais poderem impedir ou obrigar a alterar propostas legislativas da Comissão.
Estamos na same page, portanto, faço minhas as tuas palavras: Eu, português, não votaria nunca pela saída da União Europeia e muito menos pelo seu fim. Lutaria pela sua reforma ou mesmo transformação. Já quanto à moeda única, também um belo projeto, mas implementado prematuramente, tudo indica que seria melhor não a ter (ou ter sido implementado de outra forma e com outras regras e mecanismos). E cá estaremos, e quanto mais melhor, a lutar para a reformar e para suprimir os défices e falhas.
E sim, assusta-me o nacionalismo. Assusta-me a mentalidade do “orgulhosamente sós”. Assusta-me a visão pequena e regressora com que frequentemente se olha para o projeto europeu. E espanta-me como muitos por cá, até ao assassinato de Jo Cox, estavam cegos ao nacionalismo racista e xenófobo de que falas que era (e é) a campanha do Leave. Enfim, we hope for the best.
“Eu, portuguesa, não votaria nunca pela saída da União Europeia e muito menos pelo seu fim.”
Ironicamente verdadeiro. Nunca votaria em nenhum referendo sobre a permanencia/saída com ou sem gradualismos porque simplesmente nunca ninguém lhe fara a pergunta. A mudança do tempo verbal ( do condicional para o presente ou futuro)acompanhara a democratização do processo europeu. Não dos processos de decisão em Bruxelas mas mais na raiz, no pipol.