A situação é simples de descrever: primeiro dá-se cabo da economia em nome do darwinismo económico, depois mandam-se os jovens desempregados emigrar. Como começam a escassear os nascimentos e há que pagar as reformas, hoje e no futuro, e, enfim, manter por cá algumas pessoas que possam trabalhar para engordar os ricos, que não podem desaproveitar o facto de as desigualdades sociais jogarem a seu favor, o que se faz? Cria-se uma comissão – atenção: multidisciplinar – para estudar formas de incentivo à natalidade. A comissão sente-se súper útil (e agradecida) e eu, pelo menos eu, fico banzada.
Além do direito das mulheres a trabalhar, que contribuiu naturalmente e em geral para a queda da natalidade, numa altura como esta são mais que óbvias as razões por que os portugueses não têm filhos. Os filhos custam dinheiro e tempo. Há poucos empregos, quem trabalha ganha mal ou tem um emprego precário. Os casais que se separam porque um dos cônjuges foi obrigado a emigrar não têm uma situação familiar propícia à criação de crianças, as creches são caras, etc. Um bom primeiro-ministro, um bom ministro da Economia e um bom ministro dos Negócios Estrangeiros saberiam com certeza conceber políticas para inverter a situação. Se quisessem e estivessem interessados. Acontece, porém, que a situação foi alegre e deliberadamente promovida e agravada por indivíduos demasiado desvairados e incompetentes para os ditos cargos. E são estes mesmos que agora nomeiam comissões para, alegadamente, como caderno de encargos, cuidarem da demografia.
Hoje, no Público, publica-se uma entrevista a Joaquim Azevedo, ex-secretário de Estado de um governo de Cavaco Silva, que vai liderar a dita comissão. Eis a abertura:
“Já escolheu as pessoas para trabalhar neste plano de ataque à queda da natalidade? Temos a equipa quase totalmente constituída e marcámos a primeira reunião para a próxima semana. É uma equipa multidisciplinar. Tem uma médica pediatra, [a ex-alta comissária para a Saúde] Maria do Céu Machado, a psiquiatra Margarida Neto, um especialista em direito laboral, Pedro Furtado Martins, e a especialista em fiscalidade Ana Luísa Anacoreta Correia. As famílias numerosas também estarão representadas, através de Ana Cid Gonçalves, e, na área da geografia humana, temos o professor Jorge Arroteia, da Universidade de Aveiro. Também temos a subdirectora do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério da Solidariedade e Segurança Social, Ana Sampaio, um empresário na área dos serviços, Ricardo Luz, uma jovem mãe e outros dois jovens.”
Ora, impossível não rir (o resto da entrevista fica à imaginação de cada um. Não é difícil. E, para o caso, é irrelevante). É, portanto, este rol de pândegos, que aceitaram a nomeação sem levantarem um dedo para uma pergunta sequer, que vai fazer aumentar o número de bebés. Então não vai?
(Não posso deixar de introduzir aqui um aparte: fico a aguardar a crónica domingueira do verrinoso Alberto Gonçalves, no DN, sobre a interessante temática das comissões criadas para se alimentarem à custa do Estado e que só sobrevivem porque e enquanto há tragédias, tendo quase por dever perpetuá-las para se autopreservarem. Se, na semana passada, o alvo da sua sanha foram os estudiosos da pobreza, que apresentaram um relatório a que o colunista não achou graça – sendo, como penso, sociólogo, não se compreende este tiro à disciplina e à função dos colegas – sanha essa totalmente despropositada, aparentemente só porque sim, desta vez tem aqui bom material para elaborar. A criação desta comissão é a todos os títulos escandalosa. Vai uma aposta em como não se escandalizou nada?)
* Foi-me chamada a atenção, pela Fernanda Câncio, para o facto de este grupo não funcionar no âmbito do Estado, mas sim do Instituto Sá Carneiro. O jornal fala numa comissão “criada pelo Governo”. Apenas no fim o entrevistado menciona o instituto. Pela confusão, peço desculpa. Não há dinheiro do Estado envolvido, logo, não há tacho. O que digo sobre a sua missão continua, porém, válido.
penélope, esta comissão ñ é estatal. tem havido essa confusão, alimentada pelos media, sobre ela, mas funciona na dependência do instituto sá carneiro e é portanto 1 grupo d trabalho criado no âmbito do psd.
bj
Ah, obrigada, Fernanda! Depois de “postar”, a dúvida ocorreu-me, confesso. Vou deixar uma nota. Mas a missão deste grupo continua a banzar-me…
creches & infantários à borliú resolvem 1/2 do problema, empregam piple e não recorrem à importação.
Mas é preciso criar-se um grupo de trabalho para chegar às conclusões que qual pessoa que tenha filhos já chegou?
O salário médio em Portugal é demasiado baixo em relação ao custo de uma criança (educação, alimentação, saúde, roupa…), portanto das três, uma: ou se aumentam os salários, ou se diminui o custo das necessidades de uma criança, ou ambos.
Se em vez de criarem grupos de estudo, tomassem medidas neste sentido, já se resolvia grande parte dos problemas.
Depois era aumentar o número de vagas em creches, aumentar a flexibilização dos horários para pais recentes, e aumentar a fiscalização das condições de trabalho.
eu ja disse uma vez: baixem 50% o meu salario,mas façam o mesmo : à alimentaçao ,roupa,prestaçoes da casa,gasolina, gaz, electricidade, portagens,consultas medicas. hoteis no pais, e viagens de avião, custo de automoveis abaixo dos 20 mil euros etc etc. roubar nas reformas e subir o custo de vida,é destruir a casa media.o que ainda vai ajudando é a concorrrencia entre os super e hipermercados.se estivessemos como à 30 anos só com o merceiro da rua estavamos lixcados.