Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

Bloquistas, Dadá e Salesianos

O “Acidental” resolveu associar-se à exposição “Dadá”, do Centro Georges Pompidou, através da pena de Jacinto Bettencourt. Parece que um “bloquista” o terá atacado de forma soez e imperdoável. Isto terá também a ver com um alarmante “projecto público que o seu plano holista tem para cada um de nós” (?). Vai daí, o homem tratou de fechar as suas caixas de comentários e de descobrir que a exposição “prolongada a padres salesianos resulta numa redução dramática da massa cerebral”.
Hoje, o autor, que patentemente andou mesmo nos salesianos (como eu, aliás), tratou do conveniente acto de contrição. Mas alguém me indica o caminho para os tais comentários do “bloquista” aleivoso — membro da corja que todos reconhecemos como “incapaz de viver em sociedade de forma civilizada” — capaz de provocar semelhante desvario?

Sentidos proibidos na auto-estrada da Informação

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Mesmo agora, com acesso a uma nova versão do Google, os chineses escusam de procurar informação sobre, por exemplo, o massacre de Tiananmen. A auto-censura do motor de busca mais popular do mundo tratará de fazer a vontade ao governo chinês, dificultando a entrada no país de frases ou imagens capazes de perturbar mentes mais débeis. Assim se vê a força do PCC, claro; mas também o poder de quem escolhe a informação a que temos acesso.

Parece que a culpa afinal é dele…

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Ao defender as escutas a cidadãos americanos ordenadas por Bush II, o Attorney General Alberto Gonzales citou uma longa série de exemplos de presidentes americanos que, em tempo de guerra, ordenaram a intercepção de correspondência alheia, sem esperar pelos tribunais; começando por George Washington. Para o ano, talvez se esteja a justificar o assassinato de prisioneiros, com o argumento de que o primeiro presidente também se viu envolvido nessa prática (num episódio que viria a dar origem à Guerra dos Sete Anos)…

PS: nem de propósito. Acabo de ler no DN que, a partir de 17 de Fevereiro, os “combatentes inimigos” detidos em Guantánamo podem ser condenados à pena de morte.

Toca aí o hino, mermão!

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Já devem ter visto por aí um anúncio de TV com o nosso hino por banda sonora. Uma coisa épica, cheia de bandeiras desfraldadas, de impante orgulho luso. Mas sabem a quem é que a PT, assim auto-proclamada “empresa privada que mais investe em Portugal”, foi encomendar o spot em questão? A uma agência brasileira. Depois, para dar um toque ainda mais genuíno à ode patrioteira, tratou de contratar uma produtora igualmente brasuca. Faz o que eu digo, não o que eu faço, né?

República Socialista dos Países Baixos

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Há perguntas bizarras, e facilmente irritantes. Na Holanda perguntam-me, há mais de trinta anos: «Não trouxeste casaco?» E por ‘casaco’ querem dizer muita coisa: blusão, gabardina, sobretudo, samarra, capote alentejano. Quase nunca tenho, pois não sou friorento. Ou sou só descuidado.

Em Portugal, a pergunta irritante é outra: «Como está a Holanda?». E eu digo «Fria» ou «Tranquila» ou «Na mesma». Mas, agora, descobri uma variante para ‘Na mesma’. É mais longa, faz mais conversa e pode ajudar a mudar o mundo. Eu explico.

O chefe de estado holandês é uma senhora. A profissão da senhora é ‘rainha’. Não governa, existe só. Sabe-se que tem influência política, mas tecnicamente é ‘irresponsável’: é o governo que responde por ela. Da mãe dela se sabia que era socialista, desta supõe-se que ande no centro-direita. Por coincidência (deveras, por uma mão-cheia de votos), o governo actual é, desde há uns anos, de centro-direita também. Em suma: a senhora tem as atribuições do presidente português, só está no lugar algum tempo mais. Pensando bem, ela é uma presidente e este país é uma república.

A câmara faz, agora, um travelling do palácio para a choupana.

Num bairro pobre da chique Haarlem (a holandesa, a original), vive uma jovem senhora com o rendimento mínimo garantido. Cursou direito, mas detesta o foro e as secretarias, e ficou por ali. Faz uns biscates, umas coisas. Periodicamente, tem de apresentar contas ao município dos seus parcos réditos. Para a controlarem? Longe disso. Para lhe oferecerem cursos, todos gratuitos, cada um deles mais atraente. Para lhe perguntarem se não estará precisando duma nova máquina de lavar, ou de uns agasalhos melhores para o inverno. Que eles lhe oferecem, claro. Eu soube isto há dias, e fiquei fascinado. Se isto não é socialismo, então sou eu que sou parvo.

Está visto. Daqui em diante, quando me perguntarem «Como vai a Holanda?», vou mostrar-me um melhor apóstolo do paraíso terreal, e passarei a dizer: «Qual? A república socialista? Lá se vai arrastando».

Uma pequena dose de cinismo eleitoral

Por vezes, dá jeito ser capaz de pegar nos óculos de analista e olhar para o processo eleitoral como um mercado. É que logo saltam à vista algumas evidências. Como esta: não existe aqui espaço para duas ofertas periféricas similares — uma estará sempre condenada ao insucesso. Quando surge Manuel Alegre travestido de candidato anti-partidos, exterior ao “sistema”, poético, sonhador e “cultural”, o candidato do Bloco vê-se automaticamente em sarilhos. Ainda por cima quando lhe falta massa crítica em termos de possibilidades reais de eleição; para já nem falar da vetustez e da pose de predestinado que muitos ainda imaginam como imprescindível aos “grandes estadistas”.
O eleitor, na sua crueldade utilitária, sabe que não existem moinhos de vento que cheguem para todos.

Vai ao psicanalista que isso passa

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Francisco Louçã e o Bloco de Esquerda tiveram uma indiscutível derrota eleitoral. Mas vale a pena ler o editorial de José Manuel Fernandes (JMF) de hoje [link não disponível]. JMF tenta transformar uma derrota – que, já agora, mesmo que seja fraca a consolação, é o segundo melhor resultado do espaço do BE desde o seu nascimento – numa hecatombe que põe o BE à beira da extinção.

No seu texto, JMF compara (e a compação é pertinente) os resultados das últimas legislativas com os das presidenciais, em vários distritos. Sempre sem dizer a que distritos se refere e sem nunca dar um número. Na verdade, em vários exemplos, os dados com que avança não se aplicam a nenhum distrito ou concelho. Num caso, não encontrando melhor, escolhe uma freguesia, a única que explicita. Mas num texto tão extenso e explicativo – uma novidade nas prioridades de JMF –, nunca o director se dá ao trabalho comparar o totais nacionais de há um ano e de agora. Compreende-se. O seu texto deixaria de fazer qualquer sentido. É que quem o leia fica com a estranha sensação de que perdeu alguma coisa da noite eleitoral e que o BE pura e simplesmente desapareceu do mapa.

Recordo: o Bloco desceu de 6,4 para 5,3, depois de vir dos 3% em legislativas e presidenciais anteriores. Mais uma vez: o seu segundo melhor resultado em 8 eleições nacionais. Mais uma vez: uma derrota. Não uma calamidade, mas uma derrota. Só que, lamentavelmente para JMF, não foi aquela com que ele sonhara. E, já sabemos desde o Iraque, quando as coisas não acontecem como JMF quer, JMF cria-as. JMF abandonou a extrema-esquerda mas o estilo “Voz do Povo” nunca abandonará JMF. Só que, também como sempre, a sua excitação é tanta que acaba por denunciar a sua patologia. No caso do Bloco, trata-se de um caso que só a psicanálise pode resolver.

PS – Fica para mais tarde o contra-factual a todos os “dados” avançados por JMF, mostrando o nível delirante da sua prosa. Não o faço agora, porque me soaria, pelo menos a mim, a desculpas de mau pagador. Uma derrota é uma derrota e quando a derrota vem, aceita-se sem grandes desculpas, deixando para mais tarde a análise cuidada. Mas se é verdade que no dia 22 o Bloco saiu derrotado, com este editorial, é a seriedade do jornal “Público” que fica mais uma vez posta em causa. E mais uma vez pela militância de um director que está a transformar o melhor jornal português num projecto político pessoal. Definitivamente, há homens que não estão à altura do lugar que ocupam.

Negri leva “n” no início, e o Carlos Marques não é parente do Karl Marx

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Caro Henrique Raposo,
Compreendo o seu dilema: você nunca perdeu tempo com autores marxistas (havia sempre tantos livrinhos com capinhas coloridas para ler). Acontece-lhe o que me aconteceria a mim, se me pusesse a criticar um qualquer liberal, citando outros liberais: não dominaria suficientemente a matéria. Mas isso não o deve impedir de se precaver e de evitar fazer figuras tristes nas páginas dos jornais. A sua crítica sobre o último livro de Negri na revista do Diário de Notícias é um desastre. Para começo de conversa, deixo-lhe algumas precisões e uma lista de compras:

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E se, de repente, um desconhecido lhe enfiar um míssil em casa? (1)

Soubemos ontem que os terroristas podem ter já deitado as mãos a mísseis de tecnologia avançada. Isto é terrível. Em breve, qualquer um de nós poderá acordar com o som de uma explosão pavorosa. E ver-se entre os escombros do que era a sua casa, entre pedaços dos seus filhos. Os culpados estarão bem longe, clamando mais uma vitória contra as “forças do mal”, indiferentes ao facto de terem apenas destruído mais uma mão-cheia de vidas inocentes.
Ficção? Nada disso: aconteceu há umas semanas, no Paquistão. Só que, ali, os mísseis não tinham sido contrabandeados da Chechénia; até talvez ostentassem as orgulhosas insígnias da USAF.

(Vou ver se lhe mudo a ração)

Ontem de manhã, reparei que a minha cadela tinha sangue no focinho. Quando lhe abri a boca, vi que a parva tinha estado a roer um pedaço de vidro branco muito afiado com cerca de dois centímetros e que sangrava das gengivas. Retirei o vidro e perguntei-me onde teria ela encontrada esse pedaço de vidro absolutamente triangular e aguçado que nem uma lâmina. Fiz uma rápida inspecção à casa, temendo o pior, mas não consegui encontrar nenhum objecto partido. Deitei o pedaço de vidro no saco do lixo e, como medida de precaução, tive a pachorra de fechar o saco e de o deitar lá fora, no contentor da rua. Quando voltei, desinfectei o corte na gengiva da cadela, que parou imediatamente de sangrar.

Durante a noite, fui acordado abruptamente por um estrondo. Lembro-me vagamente de um movimento brusco do braço e de sentir a mão bater num objecto. Ao tentar acender a luz, não encontrei o candeeiro – ele tinha caído ao chão, partindo-se em mil bocados. A cadela, assustada, começou a ladrar. Lá me levantei muito contrariado para apanhar os pedaços de vidro espalhados pelo quarto e foi então que reparei num pedaço de vidro branco. Com cerca de dois centímetros. Absolutamente triangular. E aguçado que nem uma lâmina. Uma lâmina manchada de um sangue que não era meu.