Tiago Cavaco: rocker, blogger, evangélico heterodoxo, kierkegaardiano puro, punk pós-moderno e pai babado. Um homem para o século XXI.
[Agora também aqui.]
Dick Cheney já nos tinha gabado a boa vida de que os detidos em Guantánamo desfrutam: “vivem nos trópicos. São bem alimentados. Têm tudo o que poderiam alguma vez querer.”
Agora, com a recente pouca-vergonha dos voos clandestinos em busca de paragens mais tolerantes à prática da tortura, não deve tardar até surgir o inevitável: “mas se até os levamos a passear e a conhecer paragens exóticas, de que de queixam eles?”
Bem que Cheney podia montar uma agência de viagens com este produto único. Já imagino a capa do folheto: “Descubra o fascinante mundo da tortura. Tudo incluído — menos o regresso”.
Desta vez, para desfazer um mito. Toda a gente anda para aí a pensar que o professor de Economia ultra-católico é o campeão nacional do moralismo beato e puritano mas a sua crónica de ontem, no DN, desmente esse preconceito. Vejam, por favor, como JCN demonstra que «a chispa da transcendência penetra todo o real». E, se resistirem até ao fim do texto, terão à vossa espera um aforismo digno de Lili Caneças: «Porque a única coisa admirável na vida é a vida vivida». Não confundir, evidentemente, com a vida não vivida, que pode ser tudo menos admirável.
Hoje, a partir das 18:30, na Bertrand do Picoas Plaza, é lançado o livro “O Último Adeus Português”. Emídio Fernando, o autor, é jornalista da TSF e tem acompanhado de perto as desventuras do seu país nos últimos anos, sobretudo em várias frentes de combate.
“História das relações entre Portugal e Angola, do início da guerra colonial até à independênca” é o que nos promete ser esta edição da Oficina do Livro. Não faltem, que a obra merece. A apresentação fica por conta de Emídio Rangel.
Vou imitar o Luis Rainha, que se imitou a si mesmo (e este jogo de espelhos teria ainda mais para contar…), começando com uma despedida. Não o consegui fazer em tempo útil — o que talvez até me tenha custado o último livro de contos do Alexandre Andrade à pala — e com esse fracasso acabei por resolver o problema do meu primeiro post na Aspirina B. Muitos, e alguns notáveis, foram aqueles que entraram na blogosfera através do layout azulado do BdE. Mérito inquestionável do Zé Mário e do Manuel Deniz, mérito indiscutível de todos os colaboradores que o tornaram num blogue de referência. E de convivência.
Não sei como fui parar ao BdE, por isso não sei porquê. Sei que nunca tinha ligado aos blogues. E continuo a não ligar, mas por mais ilustradas razões.
Anda pelas bandas do Acidental um interessante debate/arruaça sobre a árvore genealógica das alucinações esquerdistas e as suas possíveis ligações a Carl Schmitt ou a Adolf Hitler.
Mas não é isto o que me mais intriga neste blogue; nem escrevo estas linhas apenas para agradecer a simpática referência que o PPM fez ao nosso duro parto.
O que eu gostava mesmo que me explicassem é porque é que a cada vez que acedo ao Acidental, o meu iMac denuncia o carregamento de um ficheiro chamado “fuckfore.rm”. Será aquilo um sinistro dispositivo de spyware, ligado ao Echelon? Ou, ajuizando pelo nome do ficheiro, tratar-se-á antes de uma brava incursão pelos mais lucrativos e menos regulamentados domínios da pornografia online?
Porque será que o programa “Esquadrão G” inclui um especialista em “Lazer” e o original americano, “Queer Eye for the Straight Guy” fala de uma coisa chamada “Culture”?
Imagino o pessoal da programação a comentar esta adaptação:
— Cultura? Mas vocês estão malucos? Não sabem que o povo lê isso e começa logo a pensar em bailado, exposições e coisas ainda mais chatas, como livros?
Depois, malta desta anda pelos cafés a comentar que os americanos é que são uns palonços rústicos, incapazes de apontar no mapa a localização de Lisboa…
Com intervalo de dias, falei com dois conhecidos que estiveram há pouco tempo em Luanda. Estranhamente, os guiões das duas conversas seguiram por veredas opostas, rumo a duas cidades totalmente diversas.
Para um deles, Luanda é uma cidade maravilhosa e aberta, onde um europeu pode fazer o seu jogging matinal sem qualquer sobressalto, acarinhado pela hospitalidade de uma população que acorda agora de um longo pesadelo, de novo em paz com a vida. E Angola é uma espécie d El-Dorado, terra de oportunidades sem fim para qualquer alma empreendedora.
O outro dos meus conhecidos garantiu-me que Luanda continua a deslizar no pesadelo: violência sem tino pelas ruas, perigos vários a cada esquina, corrupção a proibir qualquer veleidade de fazer negócios sem um general local de permeio. Ele só sai do seu condomínio devidamente acompanhado, arriscando-se no exterior o menos possível.
Qual destas Luandas existirá mesmo? Porque não as duas? Ou mais ainda?
Se calhar, a cada grande cidade correspondem milhares e milhares de mapas diferentes. A geografia dos medos, afectos, recordações e desejos sobrepõe-se facilmente às minudências topográficas e sociológicas da realidade. Cada cidadão move-se por labirintos muito seus, obedecendo a itinerários intransmissíveis, evitando obstáculos que mais ninguém vê, demandando destinos que só a ele se revelam.
Para uns, o mapa da sua cidade estará para sempre pejado de avisos sobre monstros e perigos terríveis, para outros cada cruzamento liga jardins felizes, bairros solarengos, vizinhos amistosos. Podem até julgar que vivem perto uns dos outros; mas nunca se encontrarão em terreno comum. E não serão os alicerces mais importantes de uma cidade aqueles cavados nos territórios mentais dos seus habitantes?
O blogger é como um amante, ok, mas sem período refractário.
Tudo começou na 3.ª-feira. Estava muito sossegado no meu quarto, quando oiço
– Hakepfff.
e pensei logo: caneco, minha mãe de férias, e eu aqui sozinho com o raio da gata constipada. Tentei ignorar a ocorrência e voltar à leitura do n.º de Dezembro da UNCUT quando, meia-hora depois, ouço mais um
– Hakepfff.
Levantei-me da cama e dirigi-me à sala onde encontrei a Ziggy a olhar para mim com um ar entre o perplexo e o assustado. Estabeleci de imediato um daqueles diálogos muito parvos que todos os donos de gatos têm com os seus bichanos:
– Então minha linda, tás constipada, é?
– (silêncio)
– Pois é, andas ao frio e agora tás doentinha, não é?
– (silêncio)
– Anda aqui a mim, tadinha da bichinha que anda praí a espirrar e tá cheio de medo…
– (silêncio)
– Bichinha linda blá blá blá…
– (silêncio)
Há 30 anos, eu tinha a idade que hoje o meu filho mais velho tem. Treze anos; o suficiente para então entender parte do que se passou, para me assustar com as notícias de combates, com o tremor dentro das vozes adultas que gaguejavam em surdina a temida “guerra civil”.
Mas de que me lembro mesmo, desse dia? De algumas imagens a preto-e-branco que desconfio ter surripiado bem depois à televisão, de bailados de helicópteros nos céus aflitos de Lisboa. Pouco mais. Estranho: nem como figurantes menores consigo extrair da memória as silhuetas dos meus pais nesse dia. Por certo que a minha mãe se preocupou, sem saber de mim; talvez o meu pai até tenha saído à minha procura. Terei levado uma descompostura aliviada no regresso? Não sei.
Agora, olho para o meu filho e tento adivinhar o que irá ele guardar, daqui a outros trinta anos, do 25 de Novembro de 2005, dia sem qualquer evento notável. Que fantasmas irrelevantes e puídos sobrarão dos meus abraços, das pequenas aventuras que hoje me parecem mais vitais que o bater do meu coração?
Eu, se o improvável acontecer, talvez venha a esforçar-me — em 2035 — por recordar que estranha deficiência da alma me levava a conceder tanta atenção e tão pouca confiança à memória.
Creio que se impõem alguns esclarecimentos sobre a minha entrada, hoje e a más horas, no Aspirina B:
1) Eu sou mesmo o José Mário Silva, o verdadeiro, o ex-BdE ressacado e em busca de um equivalente HTML da metadona
2) Podem ficar descansados: o Luis Rainha não tem heterónimos líricos e minimalistas
3) Se é ele que assina estes meus primeiros posts, é porque… olhem, para ser sincero não faço a mínima ideia
4) Isto de um gajo não perceber patavina de informática tem o seu lado triste
5) Espero que a situação seja transitória
6) É que escrever disparates a solo ainda vá, mas implicar pessoas inocentes parece-me pouco ético
[José Mário Silva]
Nos tempos do saudoso Ruínas Circulares, por mais de uma vez disse para os meus botões (ou para o fecho éclair do blusão azul que comprei nos saldos, já não me lembro bem):
«Não quero morrer sem antes ter partilhado um mesmo blogue com o sacana deste JPC que, além de ser um borgesiano tripeiro e cabeludo, é bom nisto como o caraças, pá!»
Pronto. Já posso ser atropelado por um camião TIR da Ikea.
[José Mário Silva]
Pacheco Pereira, no seu estilo habitual, veio admoestar e garantir que recordar os acontecimentos na Ponte 25 de Abril, durante o consulado Cavaco, e lembrar o jovem que foi baleado na ocasião é “demagogia”. Estou completamente de acordo, tudo o que refira de uma forma indelicada os momentos mais polémicos do Sr. Professor deve ser imediatamente banido e os autores enviados para Caxias.
Para compensar os amargos de boca, aqui fica uma passagem do livro sobre Cavaco do saudoso director do Diário de Notícias, e assessor vitalício do professor de Boliqueime, Fernando Lima: ” O bloqueio da Ponte foi comparado a outro verificado no Regimento de Comandos da Amadora, em 25 de Novembro de 1975, quando as forças de esquerda tentaram recuperar terreno perdido com a ascensão dos militares moderados no processo revolucionário português”, garante definitivo o Lima, que de chofre acrescenta: “A situação no Regimento de Comandos da Amadora e a da Ponte 25 de Abril tinham muito em comum, assinalavam na altura os analistas militares”. Finalmente uma análise séria e objectiva, e nada demagógica, sobre o acontecido: Pacheco tens alma gémea!
Para motivar a compra do livro de Fernando Lima “O meu tempo com Cavaco Silva”, aqui deixo mais um naco de prosa que faz jus à verborreia doce do autor: “Jamais esquecerei uma visita a Mirandela em que o presidente do município, José Gama, já falecido, organizou uma festa em homenagem à Mãe. A participação dos alunos das escolas conferiu-lhe uma moldura humana inigualável. De improviso Cavaco Silva fez um discurso que espelhava o que naquele momento lhe ia na alma. Muito bonito e tocante”.
Este final da semana está muito agitado:
1. Jantei com um perigoso agitador internacional (estranhamente foi no “Polícia”).
2. Participei numa reunião quase clandestina na FCSH: estava um salão a abarrotar para discutir com Toni Negri, mas o evento não passou o teste do critério da realidade (a imprensa ignorou olimpicamente o acontecido).
3. Comecei a mudar de casa.
4. Estou sem computador e naturalmente sem internet. Foi com muita dificuldade que consegui escrever este mini texto, num lugar de péssima reputação – muito esforço para tentar intervalar o tsunami Rainha.
5.Fui a uma festa das “Marias”, suportei estoicamente uma sessão do “Teatro do Oprimido”. Fugi e fui abalroado por um carro em contra-mão.
Estou cansado. STOP! Este- fins-de-semana-matam-me. STOP. Preciso de descansar, vou trabalhar.
Das festas, da política e da agitação só retirei a ideia que só há coincidências. Reparei num meio de um colóquio universitário que passavam 30 anos do golpe direitista do 25 de Novembro de 1975 e também 30 anos do “Vigiar e Punir” de Foucault. É verdade, os acontecimentos costumam suceder em cachos, mesmo aqueles, como os meus, que não têm importância nenhuma.