Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

300_Zack Snyder

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A coisa cabe toda dentro desta americana palavra: comics. Sendo adaptação de banda desenhada (sub-especialidade: graphic novel), é tão denso quanto uma folha de papel. Talvez nem seja um filme. Seguramente, não se trata de cinema.

Dentro do chico-espertismo que molda a indústria do entretenimento, a equipa que produziu e realizou o 300 foi roubar descaradamente às fórmulas vencedoras na bilheteira. Pegou na fotografia de Gladiator, nas cenas de Braveheart, nos diálogos de Xena, e acrescentou a antropologia do hip-hop. Resultado: um produto adequado aos indivíduos cujos cérebros correspondam aos 12 anos de idade biológica. Esta característica neuronal, esclareça-se, pode encontrar-se em pacientes com 65 anos já gastos, ou mais.

A querela relativa aos espartanos versus persas, e à História da história, é totalmente irrelevante. Perder tempo a discutir o assunto é sintoma de grave falha cognitiva. Tais como irrelevantes serão as supostas alusões ao racismo, aos muçulmanos, ao Oriente, ao Irão, aos homossexuais, ao eugenismo, ao culto da violência, à estética gore, e sei lá que mais. Esses espasmos são pavlovianas manifestações do marketing que está na génese deste artigo de consumo. A questão que importa ao cinéfilo é bem outra: a que género pertence?

É que esta coisa não pode entrar no género Histórico, visto estar-se a marimbar para a dita. Não pode ser de Guerra, pois não se vê nenhuma guerra, apenas uns maduros a decepar tipos que avançam para eles dentro de umas vestimentas carnavalescas. E não pode ser de Acção, porque não tem o menor estremecimento emocional, é um acabado aborrecimento do princípio ao fim. Então?

Então, é uma comédia. Uma das mais hilariantes que me lembro de ver. O facto de ser involuntária, só lhe aumenta a graça.

Eduardo Mourato ou as emoções pressentidas

Eduardo Mourato (fotógrafo nascido em Portalegre no ano de 1966) expõs no Centro Comercial Fonte Nova de Lisboa um conjunto de fotografias sobre uma actividade artesanal que está hoje em dia quase em vias de extinção. As salinas são locais onde se desenrola uma espécie de serena liturgia da paciência. Numa solidão extrema e com a utilização de utensílios muito rudimentares, homens sem rosto e quase sem voz, organizam de madrugada o trabalho que os raios de sol são convidados a realizar durante o dia. A água salgada vai, num processo muito lento, dar origem ao sal, um produto tão velho na Terra como o próprio Homem. Tão antigo que a palavra salário deriva do seu nome, um nome assim antigo e cheio de peso. Muitos soldados recebiam o seu pré em sal e o salário nunca mais deixou de ser uma palavra nobre, o preço do suor, o valor do esforço, a contrapartida para a silenciosa abnegação de quem trabalha junto às matérias mais elementares do Mundo – a água e a terra.

As fotografias de Eduardo Mourato são uma serena recusa do bilhete-postal. Nelas não surgem salineiros em esforço mas antes as lentas etapas da construção das pirâmides brancas, ponto de encontro entre a força dos homens e o poder da Natureza.

São essas as emoções pressentidas que, qual música sem nome nem destino, povoam as salinas do Algarve que estas fotografias trazem de volta para todos nós numa cidade onde tudo (ou quase tudo) é hostil, frenético e veloz.

José do Carmo Francisco

Não há bela(s) sem senão(s) II

Pegando numa outra ponta da meada, ou seja, na sequência do meu texto anterior, gostaria de acrescentar que a senhora ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, sugeriu, referindo-se ao programa em causa, “A Bela e o Mestre”, da TVI, “que a Comissão para a Igualdade dos Direitos das Mulheres (CIDM) deveria ter uma palavra a dizer sobre o assunto”.

E assim foi. Inspirada nas palavras da ministra, a Comissão informou “estar a preparar uma queixa junto da Entidade Reguladora”, por achar “inadmissível nos dias que correm haver um programa deste tipo”. Mais. “Programa que desconstrói todo o trabalho que tem sido feito no sentido de promover a igualdade de oportunidades e acabar com a discriminação com base no género.”. E a presidente do CIDM, Elza Pais, acrescenta: “O nosso objectivo é claro: fazer com que o programa seja suspenso.”

Será, pergunto eu? Ou todo este burburinho não acabará, isso sim, em benefício (ou publicidade) ao reality show, acima citado? É bom lembrar que as audiências são sempre o que mais interessa aos canais…
Minhas caras senhoras (e com todo o respeito), as “belas” foram, por acaso, obrigadas a concorrer? Não. As “belas” ficam, por acaso, tristes quando são eliminadas do concurso? Sim. As “belas” sentem-se, por acaso, desconsideradas pelo “pessoal” da Endemol, pelos apresentadores, pelo júri, pelo público, que as aplaude entusiasticamente? Não. As “belas” (qualquer uma) gostaria, por acaso, de ganhar os tais 100 mil euros no final do programa? Sim.

Só existe um “pequenino” pormenor: as “belas” não têm a mínima “vocação” para aquilo a que chamamos cultura geral. E não se envergonham. Assumem. Para isso é que as “belas” lá estão (no concurso), certo?
Assim sendo, tudo corre sobre patins. Já repararam nas reportagens de rua, em que os entrevistados sabem na ponta da língua os nomes das “belas” e dos seus “mestres”? Os portugueses mostram que vêem e apreciam o concurso e a Televisão somente oferece aos portugueses aquilo que os portugueses apreciam e merecem!
Cancelar o programa, só porque nos é dado constatar a realidade que confrange uma minoria? Porque está ali uma parte da juventude feminina que temos? Cancelar o programa para “tapar o Sol com a peneira”? Para “vender gato por lebre”? Para esconder, do sexo oposto…Isso não vale!

Agora, não me venham escrever alguns cronistas (eu li) que a culpa desta incultura feminina é deste ou daquele ministro da Educação de há uns anos atrás. Tenham dó! Política, mas não tanto…

Voltando à senhora ministra e à Comissão, penso que não têm que se preocupar. Em vez de pedirem ao José Eduardo Moniz para cancelar o programa (ele que investiu um dinheirão no projecto!), peçam, sim, um outro programa do mesmo género. Com a diferença de que os nossos jovens devem ficar no lugar das “belas”. Escolhem-se alguns Adónis (nunca houve tantos, quem sabe à procura de uma oportunidade), e, minhas senhoras, podem ter a certeza de que a equidade entre sexos, no que concerne a cultura geral, é perfeita. Não há igualdade mais igual!

Sejamos realistas e menos ingénuos. Neste país, quase ninguém pode nada, contra nada nem ninguém – só alguns e esses são poucos. Poucos e não estão integrados em Comissões. Estão interessados, perdão, integrados noutras coisas…

P.S. Acabo de ser informada de que no “Correio da Manhã” de hoje, vem uma notícia a dar-me razão. Está previsto um novo programa na TVI onde os “belos” tomam o lugar das “belas”. Não tenho bola de cristal, mas “nada acontece por acaso”, como diz uma amiga minha…

Soledade Martinho Costa

«E Deus Pegou-me pela Cintura»

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Luís Carmelo

Este apontamento crítico saiu hoje no «Actual» do Expresso.

Uma jornalista portuguesa, em trabalho no Líbano, é raptada. Estamos no início de Outubro de 2006. O fim da guerra com os israelitas não tornou a região menos confusa. A diplomacia portuguesa prova pouca agilidade, e Rute Monteiro acabará assassinada, com realismo videográfico «on-line», embora sem confirmação. Sobre esta tragédia escreveu Luís Carmelo o romance E Deus Pegou-me pela Cintura. É um relato «de geração» (o episódio terrorista é apenas pretexto) e pretende-se retrato dum país inteiro.

O romancista, também professor universitário, ensaísta e conhecido «blogger», engendrou um pré-lançamento a que não faltava invenção: a blogosfera forneceria uma inaudita «cacha». Bloguistas amigos, ou cúmplices, emprestaram credibilidade ao drama, enquanto a paralela «apatia» dos «media» tradicionais funcionava como escândalo e prova de inaptidão. «E porquê este silêncio todo?», lia-se numa caixa de comentários. «Eu acho arrepiante.»

O golpe publicitário (bom, a «antecipação ficcional», como o autor lhe chamou em entrevista na rádio a Francisco José Viegas) não pôs lírica a blogosfera inteira. Nada de estranhar, considerou Eduardo Pitta: semelhante «enfado» perante a lúdica manobra só nos ilustrava a incapacidade de rir. O que não convenceria Rui Bebiano, que via no «artifício wellesiano» uma certa «banalização do mal».

Movimentam-se, no romance, três espaços de tempo. Há a história actual, a do sequestro – e tão estritamente contemporânea que desembocará no próximo futuro Verão. Há o longínquo panorama revolucionário de uma Rute em Évora e seu namoro com Guilherme, colega universitário. E há o reencontro dos dois, de Setembro de 2006, em Lisboa, ela já repórter conceituada, ele cartoonista diário. Com algum pormenor se preenchem, ainda, os 30 anos intercalares. Em todos estes cenários é alimentado o contacto com a História exterior (das ocupações de latifúndios, em 1975, à última guerra no Líbano e à mensagem de Natal de José Sócrates), numa fusão que, aqui e ali, ganharia com mais subtil tratamento.

Alguma subtileza se desejaria, também, às cultíssimas alusões que povoam os romances de Luís Carmelo, onde (são dois exemplos, neste, inofensivos e nacionais) uma vivenda será «estilo Raul Lino» e certo bebé nascerá «no dia da morte de Vitorino Nemésio». Mais precária, todavia, é a atmosfera premonitória (digamo-lo assim) que embebe estas ficções. Só no cenário de Évora abundam o «promissor», o «providencial», o «auspicioso», o «significativo», o «sintomático». Estamos num universo conspirativo, como o que Hélia Correia constrói, mas aqui com os cordéis todos à mostra. Por ironia? Seria difícil supô-lo. Na ritualizada literatura de Luís Carmelo, quando há riso, diz-se que há.

Um escândalo internacional como trama, aí está um achado. Mas ele pressupõe uma desenvoltura que este autor não explorou, embora o pudesse. A bem conduzida cena do interrogatório de Guilherme por uma PSP intrigada pelo rapto, único momento vibrante do volume, mostra um Luís Carmelo capaz de outras façanhas. Subaproveitado, portanto.

E Deus Pegou-me pela Cintura
Luís Carmelo
Guerra & Paz, 2007, 192 págs., €17

À atenção de (pelo menos) Jorge Candeias

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A coisa já não é recente. Passa-se no longínquo 1993. Recente é a recordação dela.

O bloguista Jorge Candeias lembrou, aqui abaixo, na nossa caixa de comentários, certo texto de Francisco José Viegas, na Ler, de que era director (foi-o durante dez anos), texto crítico que FJV intitulou «A bosta do trimestre» e tinha por pretexto uma Antologia de ficção científica, O Atlântico tem duas margens, de autores brasileiros e portugueses. Hoje, por sua vez, Jorge Candeias designa por «texto merdoso» o de Viegas.

Fica a gente pasmada. Vamos ao número 23 da Ler (suba ao sótão, ou peça a um amigo atento ao mundo… e aproveite para ler aí, também, a minha entrevista ao célebre escritor holandês Gerrit Komrij, que reside na nossa Beira Baixa), e vemos Viegas achar «defeituosos, sem graça, mal escritos» alguns dos contos antologiados. Faz, ainda assim, referência a «excepções (e assinaladas, do lado português)».

Compare-se este, talvez útil, e decerto simpático, apontamento de Viegas com a crítica que, do mesmo livro, faz o próprio Jorge Candeias (pode achá-la no seu blogue), onde damos com apreciações (cada uma referida a um texto diferente) como «um conto com algum interesse», «um conto muito esquecível», «um dos piores do livro», «bastante fraco», «não é dos melhores», «não está particularmente bem escrito», «longe da sua melhor forma», «pouco ou nada de relevante traz», «não é dos melhores». E, apreciando o conjunto, Candeias diz que «não chega a poder ser considerado bom».

Não conheço a Antologia. Mas algo me diz que tanto Jorge Candeias como FJ Viegas têm suma razão. Só não atino é com o que haja de «merdoso» na crítica de Viegas e de, por isso, tão intensamente inteligente na de Candeias.

Se estiver por aí…

Hoje, sexta-feira, às 20.40, em conversa com Bárbara Guimarães, no programa Páginas Soltas da SIC Notícias, poderá ver e ouvir Paulo Kellerman, um dos contistas mais interessantes do (nosso) momento.

Não consegue ver? Tem nova chance, na segunda-feira, dia 9, às 15.00.

Actualização

Você talvez estivesse por aí – o programa é que não estava. Passou uma hora antes. Não o vi. Mas espíritos exigentes dizem que não decepcionou.

Não há bela(s) sem senão(s)

Tenho visto a espaços e por períodos curtos o novo entretenimento televisivo “A Bela e o Mestre”, que passa diariamente na TVI.

Uma coisa é certa: se a cultura está ao alcance de todos (principalmente a chamada “cultura de jornal”, que sempre ajuda), já o mesmo se não pode dizer da beleza. Um ponto, pois, a favor das “belas”. As raparigas, todas elas, foram escolhidas a dedo (tenho a certeza!). Mesmo ao “natural”, sem pinturas, sem saltos, sem penteados ou vestidos caprichosos, merecem bem a metade do título que dá o nome ao programa.

O que me espanta é que sendo as “belas” tão jovens (uma delas fez há dias 19 anos), afirmem repetidamente: “ Eu sabia isso. Eu estudei isso. Mas já não me lembro…Foi há tanto tempo!”. Por este andar, ninguém chegava a “mestre”! Ponho mesmo a hipótese, com o correr dos anos, de que um dia, eu própria, venha a esquecer como se escreve o meu nome e tenha de assinar em cruz!

Bom, mas a vida está má, e sempre são vinte mil euros. Conforme diz o anúncio “há quem faça tudo para ter € 6000 ”… Pois aqui têm a resposta.

Soledade Martinho Costa

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Nova livraria, livro excêntrico e piada sobre holandeses

Soube por acaso, mas foi bom saber. Depois de a zona onde vivo ter perdido duas livrarias (Romano Torres em São Mamede e Diário de Notícias no Chiado), gostei de saber que nasceu uma nova livraria entre São Bento e o Príncipe Real, mais em concreto na Travessa de S. José, nº 1.

Foi também por acaso que nela descobri o livro Dicionário Excêntrico , de Amadeu Ferreira de Almeida, uma edição da Portugália. Organizado (como é natural) de «A» a «Z», este livro tem uma entrada curiosa em «Idade»: «Não se deve confiar nunca na mulher que nos diga a sua verdadeira idade. A mulher que o faça é capaz de dizer tudo.» O autor é Óscar Wilde. O mesmo autor surge em «Mulheres»: «As mulheres foram feitas para serem amadas, não para serem compreendidas.»

Já na entrada «Vinho», trata-se de um provérbio holandês que diz o seguinte: «O primeiro copo para a sede, o segundo para o alimento, o terceiro para o prazer, o quarto para a loucura.» Sobre «Poesia», há uma frase de Camilo Castelo Branco: «A poesia não tem presente; ou é esperança ou saudade.» A propósito de «Falar», surge esta frase de Samuel Johnson: «Um francês tem sempre que falar, quer conheça o assunto quer não; um inglês fica contente e calado quando não tem nada que dizer.»

Sobre a palavra «Açúcar» temos esta história engraçada: «Um convidado ao tomar o chá, pede açúcar à dona de casa. Se ela é irlandesa, entrega o açucareiro. Se é inglesa, pergunta: ‘Uma pedra ou duas?’ Se é holandesa, diz: ‘Mexeu bem? O açúcar está no fundo’». O texto aparece como ‘anónimo’, mas a minha surpresa é devido a não serem habituais piadas sobre holandeses. É curioso. Fui ver a data do livro – é de 1961. Tinha eu 10 anos. Cedo para ler livros excêntricos.

Os galegos não são tartamudos, estúpidos ou tontos

Na sua edição mais recente, o Dicionário da Real Academia Espanhola chama aos galegos «tartamudos, estúpidos e tontos» e isso, naturalmente, está a provocar reacções negativas. O filólogo Román Raña, o poeta Salvador García Bodaño e o escritor Xosé Luís Méndez Ferrín juntam-se ao deputado Francisco Rodríguez nos protestos. Querem que a Real Academia Espanhola volte atrás nas palavras do verbete.

Eu, que tenho amigos galegos, frequento restaurantes galegos e gosto de literatura galega, também fico indignado. Há quarenta anos, quando cheguei a Lisboa para trabalhar, via todos os dias um galego segurando um molho de cordas no alto do elevador da Bica à espera de ser chamado para transportar móveis. «Galego» era sinónimo de moço de fretes. Hoje esse trabalho é feito por empresas. Quando vim há trinta anos morar para a Travessa de S. Pedro, ocupando o espaço que em tempos foi da revista «Távola Redonda», ia muitas vezes comprar vinho a granel a uma taberna de um galego que também vendia carvão. «Galego» era sinónimo de taberneiro. Hoje o vinho é vendido por empresas e em garrafas.

Os dicionários devem respeitar as mutações da história da língua e das pessoas que usam essa mesma língua. Mas, vendo bem, este problema não acontece só com a palavra «galego». O mesmo dicionário da mesma Academia chama aos ciganos «alguém que rouba ou tenta enganar os outros» e às sinagogas «reuniões com finalidades ilícitas». Sendo assim, estamos conversados…

José do Carmo Francisco

SPORTING – Os que escrevem com os pés em cima da mesa (II)

Escrever com os pés em cima da mesa tem sempre más consequências. Para além de tudo o mais, tal atitude demonstra uma enorme falta de respeito pelos outros que são assim obrigados a conviver com estes xerifes sem estrela. Sem estrela e sem grande capacidade para escrever textos que os outros percebem.

Por exemplo, a jornalista que escreve com os pés em cima da mesa chama duas vezes Vasco Campos a um jogador cujo nome é Vasco Oliveira. Sobre o jogo Sporting-Alverca em «juvenis», escreve em dois parágrafos diferentes duas opiniões distintas. Começa por escrever que os leões «tiveram pouca sorte na finalização» mas, mais à frente, afirma que os leões acabaram por empatar «por falhas na finalização». Ora «sorte» é uma coisa mas «falhas» é outra e bem diferente. Sorte tem a ver com felicidade, com fortuna, com acaso e tudo a correr bem. Ora falhar é errar o alvo. Portanto se a ideia é justificar o empate com a falta de sorte não se utilizam argumentos como falhas na finalização. Porque quem falha na finalização não pode invocar a falta de sorte. Falta de sorte para um atacante é uma bola que bate num poste e vai até ao outro poste e salta para as mãos do guada-redes. Isso sim, é falta de sorte.

O outro jornalista que também escreve com os pés em cima da mesa faz grossa confusão na ficha do jogo Barreirense-Sporting em «iniciados», ao repetir as substituições do Barreirense que assim surgem como se fossem dez e não cinco. No que diz respeito ao Sporting a confusão aparece quando se escreve «35m saiu Daniel Pereira e Ariclene Oliveira», quando deveria estar escrito «saiu Daniel Pereira e entrou Ariclene Oliveira». Coisas que acontecem a quem escreve com os pés em cima da mesa.

José do Carmo Francisco

SPORTING – Os que escrevem com os pés em cima da mesa (I)

A jornalista que escreve com os pés em cima da mesa não pára de surpreender. Como fuma muito, o fumo complica no cérebro o valor das palavras. Usa uma expressão sem sentido para descrever uma festa de adeptos de um clube. Escreve «o bom ambiente e a alegria foram a tónica dominante» e no parágrafo seguinte repete «a música foi sempre a tónica dominante». A jornalista que escreve com os pés em cima da mesa não sabe que a tónica é a primeira nota numa escala e a dominante é a quinta. Logo não pode haver uma nota que seja ao mesmo tempo duas coisas. O que ela queria escrever se soubesse era a palavra «leitmotiv», mas o fumo não a deixou.

Escreveu que os adeptos assaram um porco «no local» como se não fosse óbvio que o porco não podia ser assado a vinte quilómetros. Mais à frente repete-se num confuso parágrafo: «Os dois técnicos aproveitaram para conviver com os adeptos e aproveitaram para pedir o apoio de todos». Como escrever é ‘revelar o pensamento’, a jornalista que escreve com os pés em cima da mesa escreve textos confusos porque confusos são os seus pensamentos.

O jornalista que escreve com os pés em cima da mesa não fica atrás da colega. A propósito de um jogo de futebol entre os juniores do Sporting e os do Alverca, assinala na ficha que o resultado ao intervalo era de 6-1, quando era de facto 3-0. E confunde os nomes dos jogadores, chamando Bruno ao Marco Matias. E confunde os leitores quando escreve: «O Alverca visitou a Academia com o objectivo de prolongar o primeiro golo leonino», o que significa que o Alverca queria que o primeiro golo se prolongasse até ao minuto 90. O que ele queria dizer era «com o objectivo de prolongar o aparecimento do primeiro golo». São assim os que escrevem com os pés em cima da mesa.

José do Carmo Francisco

E esta, hein?…

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No dia 23 do mês passado, Pacheco Pereira revelou ser um apaixonado por jogos de computador. Nenhum dos seus abruptos leitores comentou a nova, ou, se o chegou a fazer, não mereceu ser publicado em relação. E eu estranho, porque o facto é notável. Primeiro, porque Pacheco Pereira será um dos publicistas mais atarefados, desmultiplicando-se pelas regulares prestações mediáticas (jornal, revista e TV), mais as da investigação, mais as das leituras correntes, mais a manutenção do melhor blogue português, mais o resto, o tanto. Depois, porque de um usual vituperador do futebol, o qual recusa com desdém, não se esperam adesões a divertimentos (aparentemente) ainda mais alienantes. Por fim, porque seria fácil usar a informação para piadas imbecis e argumentos ad hominem.

Donde, a conclusão que retiro é a seguinte: mal estão os que ainda não jogam.

Da pastorinha de Fátima ao rei D. Duarte

Sou um prático das notas de leitura; não tenho qualquer diploma. Escrevo sobre livros em jornais e em revistas desde Agosto de 1978. Comecei no Diário Popular com Carlos Pinhão e Jacinto Baptista. Sou do tempo em que não havia computadores e os jornais eram feitos com granéis de chumbo. Tenho 56 anos e sou um velho.

Mas, se alguém me perguntasse o que é que mudou para pior nos livros que todas as semanas se publicam no nosso país, eu diria que é a arte final. Hoje fazem-se contracapas arrepiantes, cometem-se erros terríveis no «miolo» dos livros. Parece que ninguém se preocupa em ler os textos de ninguém. A figura do revisor está em vias de extinção. Um certo «engenheiro», administrador de uma empresa jornalística, disse sem partir os dentes: «Isso não é preciso; os computadores fazem tudo!». O parvo…

Pois acabei de ver algumas coisas curiosas em dois livros – Máscaras de Salazar de Fernando Dacosta e D. Duarte de Luís Miguel Duarte.

Na contracapa do primeiro, refere-se que Álvaro Cunhal fugiu de Caxias, quando foi de Peniche [já sobre isto escrevi no Aspirina]. Na página 250, aparece a pastorinha de Fátima como Francisca e não como Jacinta, seu nome real, que até tem uma rua em Lisboa. Na página 107 e em outras páginas desse livro, aparece uma infecção que se chama «colecistite» tratada como «coleciste». Na página 254, refere-se «uma bala na câmara» quando se fala de um crime, mas na página 257 já aparece «não tinha bala na câmara».

Na biografia de D. Duarte, lê-se na página 116, a propósito do seu casamento: «As dificuldades causadas pela transferência apressada das celebrações de Coimbra para Évora pareciam parcialmente ultrapassadas». A verdade é outra: o casamento era para ser em Évora, e foi mudado para Coimbra.

José do Carmo Francisco

Uma tia espectacular

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Para um comentador literário, poucas coisas são mais irritantes do que a doentia necessidade de alguns colegas de ‘dizer bem’. Não é só por aquela decisão, cobarde, de nunca escrever ou falar sobre livros de que não se goste. As coisas são, se possível, piores ainda: por princípio, acha-se bom tudo quanto aparecer em papel. É a maior das falsificações. É a forma acabada do contrabando.

Porque o fazem eles? Certezas não tenho. Mas pode supor-se que desejem assim assegurar uns tostões. Há publicações preguiçosas que tudo aceitam. E pode imaginar-se que o móbil seja algo difuso: um vago medo de se verem chamados à responsabilidade. Dizendo logo bem de tudo, ninguém depois os virá chatear.

Acontece que tenho um respeito de fundo pelos meus colegas, e não penso logo na solução, ainda assim a melhor, de armar-lhes uma espera para a sova definitiva. Por isso, tento ‘explicar’ a bons modos. Explicar dá muito trabalho, mesmo mais do que armar esperas. Mas com alguma coisa se terá de ganhar o céu.

Peguemos por uma ponta erótica. Não porque o erotismo assegure logo especial prazer (exactamente não assegura, e é disso que vai falar-se), mas porque permite situações claras. É o que se consegue lendo, seguidos, dois livros: A Casa dos Budas Ditosos, do romancista brasileiro João Ubaldo Ribeiro (nas Publicações Dom Quixote), e A Vida Sexual de Catherine M., da escritora francesa Catherine Millet (nas Edições Asa). Podem ler-se em formato de bolso, indo o primeiro às 230 páginas e o segundo às 160. Num livro e noutro livro, uma mulher relata detidamente uma existência sexual dissoluta, e fá-lo em termos directos, despudorados. As semelhanças acabam, também, aqui.

Há, logo à partida, uma circunstância que aparta os livros. O de Millet é uma autobiografia, mesmo podendo admitir-se que, aqui e ali, pensando no bem do leitor, se ficcione o seu tanto. Já o de Ubaldo é ficção pura e dura, por mais que possa imaginar-se (e não faz mal fazê-lo) que o autor alude a factos seus conhecidos.

Mas onde os livros se afastam, para nunca mais se encontrarem, é no modo como um e outro autor conceberam a história e como a redigem. O livro de Catherine Millet é um desconsolo. Repetitivo, confuso, nunca levanta voo, antes consegue o pior: não criar surpresas nem qualquer esperança delas. Bem diferente nos surge João Ubaldo, de quem, de resto, se conheciam já romances vigorosíssimos, como Viva o Povo Brasileiro, em todos os sentidos um sucesso. Ora, quem é a narradora de A Casa dos Budas Ditosos? É uma tia espectacular, absolutamente insuperável, senhora de artes espantosas, de deixarem ofegante o leitor.

Da leitura dos dois romances, pelo menos isto ficará claro: que há uma literatura que nos arrasta consigo e uma outra que nem gato é, julgando-se lebre.

Aos críticos literários que, depois disto, não virem a diferença, desejo sinceramente que dêem bons hortelões.

Um português em Alcácer-Quibir

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Se lhe disserem que o marujo aí acima esté em Alcácer-Quibir, você não acredita, pois não? Os mitos pátrios imaginam, à viva força, uma aldeola no deserto. Pois enganam-se, mais uma vez, os mitos. O leitor está a ver-me frente a um dos centros comerciais de… pois, de Alcácer-Quibir.

Agora, uma explicação. O lugar da batalha não é aí, mas 16 km a nordeste. Mais exactamente, aqui:

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Como vê, uma planície de cultivo. Era, de resto, o que Sebastião, o Tal, procurava. Marrocos era – e é – um celeiro. E Portugal, em 1578, tinha fome.

Este visitante escreveu no livrinho Quem inventou Marrocos o apontamento que segue:

Quarta, 14 de Março de 2001.

A cidade de El Ksar El Kebir, ‘o palácio grande’, ignora quanto é famosa. Provavelmente nenhum habitante sabe que o nome da terra, corrompido em Alcácer-Quibir, foi servir de pesadelo a um povo do outro lado do mar. É certo que a batalha não foi exactamente ali onde é a cidade. Os exércitos defrontaram-se 16 km mais a norte, em campo aberto. Estranha coisa: a persistente imaginação lusitana, e o filme de Oliveira, colocam-na no deserto, quando o deserto dista centos de quilómetros daqui. Toda a metade norte de Marrocos é verde, bem mais verde do que o nosso, esse sim desértico, Alentejo.

O sítio exacto da grande refrega é, já vou avisado, difícil de achar. Sei que há um monumento, que fica junto a um velho apeadeiro de comboio. Vou-me valendo das indicações de Amadeu Lopes Sabino, num artigo há anos no DN, mas, ainda em plena cidade, a posição do sol diz-me que vou mal. Um polícia sinaleiro apercebe-se e vem ter comigo. Estamos em Marrocos… Tivesse eu saído do carro, e ele acolhia-me com um braço pelos ombros. «Monsieur», digo, «je cherche la gare de El Makhazen.» «La guerre?» «Non, monsieur, la gare.» «Mais oui, la guerre, la bataille.» O parvo, afinal, sou eu. Solícito, ele indica-me o «feu-rouge» onde devo virar à esquerda.

Como é que uma estação de caminho de ferro o informou da minha exacta busca, havia eu de compreendê-lo quando chegasse ao sítio: ninguém procuraria, naquele lugarejo, senão exactamente isso. Mas já então eu dera voltas inúteis, já encontrara também, tal como Sabino relata que lhe sucedeu, quem gritasse «Sébastien, Sébastien!» apontando o infinito, e, mais que tudo, já eu me apercebera de que o depósito da gasolina estava, talvez, nas últimas gotas. Quem anda atrás da História não repara em ninharias.

E foi assim que, junto ao minúsculo monumento à Batalha dos Três Reis, a designação marroquina do recontro onde os três deixaram a vida (mas certezas só há dos dois monarcas locais), nesse lugar anódino onde as nossas esperanças de grandeza se finaram, foi assim que eu, em vez de curvar a extenuada cerviz e meditar no destino, só soube perguntar onde era a bomba de gasolina. Riram. Não havia tal. Fi medina, ‘na cidade’, gritaram-me alvoroçados. E eu pensei que, se em algum lugar do mundo tivesse de ser infeliz, antes aqui.

Um camponês de idade incerta disponibilizou-se a acompanhar-me. Aceitei logo. Por aqueles ermos, ninguém falava senão marroquino, e a suprema desgraça seria ver-me no descampado sem gasolina e sem idioma. Pelo caminho, pediu-me dinheiro para certo ferimento no tornozelo. Vi a coisa muito cicatrizada. Mas nós tínhamos por ali, lembrei-me, ainda alguma dívida.

Cheguei a Alcácer-Quibir já o carro soluçava.

Les beaux esprits se rencontrent

É um chavão, e logo gaulês. Mas é também – pelo menos no caso da «Sininho» e do «Py» – uma grande verdade. Quando escrevi o post aí abaixo (esse com a foto do deserto em Marrocos), estava longe de imaginar que não estava sozinho, por aqui, e que estava até muito bem acompanhado.

Pois acontece isto: tanto a Sininho como o Py enviaram-nos fotos daquele país magnífico. E próximo. Segundo rezam os ditos, Rabat é a capital mais próxima de Lisboa. Não é, Madrid ganha-lhe por uns quilometrozecos. Mas quem repara nisso?… E faz muito bem.

Ora, o Py andou por Alcácer Quibir e foi ao local da batalha (que fica 16 km a nordeste da cidade de tão famoso e agoirento nome). Tirou lá esta foto, que comenta nos termos que seguem.

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Quando vi este post do Fernando, lembrei-me de uma coisa. O ano passado voltei a Alcácer-Quibir, lá fui a cheirar, até que voltei ao sítio da batalha. Fui fazer uma mijinha e fotografar. Fiquei de descobrir mais tarde o que estava na placa com as três coroas. Já que na batalha morreram os três reis, na versão mais corrente, e estão lá três coroas, pensei que podiam ser os três reis, mas os dois de baixo têm a estrela do Islão e o de cima tem um tracinho vertical e não iam pôr D. Sebastião por cima dos deles, logo será Allah? Não faço ideia do que está escrito na placa e infelizmente não fotografei de mais perto.

Os meus meios técnicos permitem chegar a isto. Já haverá quem possa ler?

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Entretanto a Sininho andou fotografando material culinário. Isto, por exemplo.

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E informa que as suas melhores fotos – «as do deserto» – não estão digitalizadas. Esta está, e tanto que, no jornal de cima, em letras vermelhas, pode ler-se, bem grande, «Les pays arabes e[xigent?] paix et réformes».

A reprodução, aqui, é… degueulasse.

Não se pode chamar madeirense a um clube da São Miguel

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Não bastava ao Sporting Clube de Portugal ter um director de jornal que aparece sempre de braços cruzados e se assumiu como director de comunicação pouco tempo antes de serem divulgados em praça pública os ordenados dos jogadores da equipa «A».

Agora surge uma notícia errada chamando madeirense ao Marítimo Sport Clube de Ponta Delgada. É ver o site «www.sporting.pt» para ler o texto do enviado especial do site e do jornal à Academia em Barroca de Alva no dia 25-3-2007 para ver como designam como madeirense a equipa açoriana. Na página 10 do jornal de 27-3-2007 o erro surge repetido e percebe-se porquê: nem o redactor nem ninguém leu o texto errado que assim passou do site para o jornal.

Ora a Calheta é uma freguesia muito especial em Ponta Delgada e diz muito aos sportinguistas. Ali nasceu Mário Jorge, jogador leonino e internacional que nunca esquece de referir o facto de ter nascido na Calheta. Esta confusão de atribuir um bilhete de identidade diferente ao clube micaelense tem a ver com uma questão que é transversal à sociedade portuguesa actual: os jovens nunca perguntam – nem quando sabem nem quando não sabem. Bastaria ter estado atento à maneira de falar das pessoas do banco dos suplentes pata perceber que eram dos Açores.

Eu próprio vi jogar essa simpática agremiação desportiva no dia 18-3-2001 em Alcochete num jogo cujo árbitro foi Luís Rato, o treinador Rui Palhares e o delegado António Atanásio. O resultado foi 19-0 e marcaram os golos: Bruno Severino (1), Miguel Veloso (1), Emídio Rafael (1), Zezinando (2), Bruno Filipe (3), João Moutinho (1), Bruno Soares (4), Vítor Farinha (3), Amílcar Pinto (1) e Ricardo Dias (2). Qual madeirense qual carapuça…

Dissertação sobre uma pequena baleia azul

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João Camilo

Pego num livro de João Camilo. O título é bonito, apelativo e revelador – Nunca mais se apagam as imagens. A editora tem um nome curioso – «Fenda». Descubro então um marcador assinalando um poema que começa assim:

Os poemas deles falam de poetas e de pintores
das cidades que outra arte tornou inesquecíveis.
Com títulos ingleses e palavras estrangeiras
tentam escapar ao tédio e adoram o bezerro já idolatrado.
Literatura que celebra a literatura, arte que comemora a arte
não nos resta como projecto de futuro senão a aventura alheia?

Para além do poema e das suas perguntas pertinentes, fiquei a pensar no marcador. Trata-se de uma sorridente baleia que atira para o ar a água azul que acompanha a sua respiração. Mas é tudo artesanato. A minha filha Ana Maria tinha ao tempo o saudável hábito de não deitar nada fora e por isso, em vez de comprar marcadores na Papelaria Fernandes, fazia ela própria os marcadores com aquilo que sobejava dos seus trabalhos de estudante de arquitectura.

Digo ao tempo, pois presumo que o marcador foi feito em 1996; ainda não era conhecido em Lisboa o Café Peter que só apareceu com a EXPO 98. Esta ideia de manter, poupar e reutilizar tem muito a ver com aquilo que ela aprendeu com a avó Olímpia. A minha mãe tinha uma máquina de costura e já na minha infância fazia muitas vezes para mim camisas novas com camisas velhas do meu pai e calções novos com calças velhas do meu avô que, por ser carpinteiro, as tinha mais poupadas.

Hoje a Ana veste ao meu neto Thomas em Londres jardineiras feitas pela costureira D. Armanda a partir de calças velhas do meu filho Filipe ou da minha filha Marta. Não me canso de olhar este marcador com a pequena baleia azul.

José do Carmo Francisco