Um tango para o papa

Hoje, dia do 78.º aniversário do papa, dançou-se o tango na Praça de S. Pedro. No mesmo dia em que se soube que os EUA e Cuba vão reatar relações diplomáticas graças, nomeadamente, à mediação de Francisco, a Praça de S. Pedro animou-se com duas mil pessoas a dançarem o tango, numa homenagem ao aniversariante e à sua cidade natal, Buenos Aires, que é também o berço da música e da dança outrora amaldiçoadas pela beataria. Outros tempos! Para contraste com o dia de hoje, transcrevo abaixo parte de um texto com 101 anos.

O TANGO…

Não negarei que é com dor que vejo entrar em salões ricos, estrelados de luzes faiscantes de cristais, esta coisa bárbara que se chama «tango». Eu sei que a moral é, em muitos lábios carminados de cereja, finos e caprichosos, uma atitude elegante que realça perversamente a sempre tentadora cabeça de uma mulher linda, encarecendo a esquisitice do pecado… Mas, em nome da Arte e do volvente encanto feminino, que já esse colosso do génio que foi Goethe disse que era eterno, eu peço-vos, senhoras minhas, que não danceis o «tango».

[…]

A dança era a arte suma da delicadeza, um galanteio cheio de respeito e graça, tímido e harmonioso, como se se dirigisse a uma santa do altar. A Dama era rainha, sentada na corte do respeito. E o cavalheiro temia tocar-lhe como se violasse o encanto de uma deusa…

Hoje… violou-se o encanto… Já não é o ser delicado e reinante diante do qual o homem vinha confessar-se, adorador… É apenas a mulher frágil, com os olhos líquidos de desejo, amortecidos, arrastada num turbilhão alucinante de paixão por um homem brutal que a preme contra si – a ela que desmaia, abandonada, com a cabeça sobre o ombro dele, sem encanto e sem realeza… É uma camélia rubra desmaiada, apertada na mão de um macaco com cio…

Está escrito: a mulher só reina pelo encanto. Quebrai-o. Volver-nos-á escrava de sangue remordido de ardências pecaminosas… e inestéticas…

O tango!

E há quem no dance!… É a paixão ardente da savana, escaldante, uivando, mordendo…, com seivas virgens e selváticas esbrazeadas pelo sol ardente! Vêde-los? O cavalheiro cravou os dedos crispados naquela cinta alvorotada e ela enrosca-se nele, coleante, serpentina… Cobra!

Perdoai, senhoras. Mas se quereis conservar a vossa realeza da graça e do sorriso e do bem, não danceis o «tango»!

O tango e até… a valsa…

Manuel Gonçalves Cerejeira [futuro cardeal patriarca de Lisboa]

Ilustração Católica, Braga, 18 de Outubro de 1913, págs. 243-244.

Texto completo aqui.

 

14 thoughts on “Um tango para o papa”

  1. … e foi assim que o cerejeira provou do doce fruto nos braços de salazar.
    mas o Francisco não acerta o passo nesta dança, parece preferir o futebol!

  2. O post toca de raspão a abertura diplomática Cuba/EUA. O presidente da maior potência militar chegar à conclusão ao fim de 50 anos que se não mudasse de atitude o resultado seria sempre o mesmo, é obra!

  3. a publicação original está entre rendilheiras e marinheiros, que delícia! de coincidência :-):
    o pecado obrigatório de provar
    pecado que mora, não nas fímbrias,
    por entre intensidades de rendas e de mar

  4. Engraçado essa do Cardeal Cerejeira em 1913.
    Nesse tempo era quando ele e o amigo arbustivo Oliveira (Salazar) estudavam pelos mesmos livros.
    Quem teve também acesso a esses livros foi o progenitor de Mário Soares, que segundo este, também foi padre.
    Mas que sabedoria transmitiam esses livros!
    Mas nem todos têm acesso a eles.

  5. A visão da mulher era “um problema da religião” ou a cultura da época?

    Veja-se o que diziam os “ateus” (ponho entre aspas porque ateísmo, como se gostavam de denominar, não é a mesma coisa que anti-clericalismo, que era o que na verdade eram) para justificar a não concessão do voto às mulheres (note-se que foi na mesma época em que foi escrito este texto):

    (…) No dia em que este assunto foi discutido na comissão, tinha eu passado pela igreja de S. Mamede, donde vi sair centenas de senhoras que ali tinham ido entreter os seus ócios e ilustrar o espírito na prática do mês de Maria. O voto concedido a mulheres nestas condições, vivendo sob a influência do clericalismo, seria o predomínio dos padres, dos sacristães, numa palavra, dos reaccionários (…)

    Diário do Senado: Legislatura:1; Secção legislativa:2; Número:121; Página:18; Data:24/06/1912

    Sr Martins Cardoso: (…) Quanto ao outro ponto, que tam debatido tem sido, e que diz respeito ao sufrágio das mulheres, as razoes que eu apresentei tem uma grande forca, porque no nosso país a diferença entre a situação do homem e da mulher é palpável, e, ainda nesta diferença de opiniões, eu pregunto se a mulher assim preparada se pode comparar ao homem? Seria um erro; mais ainda — uma temeridade — senos considerássemos um facto recente dos últimos tempos da monarquia. Sabemos que o culto jesuítico, nos últimos anos, se exercia por tal forma, que constituía um perigo para o país, tendo sido uma das causas principais da queda da monarquia. Esses reaccionários espalhando-se pelas aldeias e vivendo sempre em contacto com a gente do campo, desenvolvia numa acção de que resultava o seguinte: não sendo o povo fanático, o padre no emtanto sugestionava facilmente as mulheres que, tem fundamente radicado o sentimento religioso. Nestas condições pregunto Apodemos nós garantir à mulher o voto? E como se há-de resolver a dificuldade que resulta deste perigo para a República? Seja-me permitido dizer que isto é uma utopia; isso é viver na lua! (Apoiados) (…)

    Diário do Senado: Legislatura:1; Secção legislativa:2; Número:130; Página:11; Data:02/07/1912

    Desculpem-me a sinceridade mas as palavras do cardeal comparadas com estas, eram muito mais respeitadoras da dignidade da mulher.

    Quanto à imagem que no início do séc. XX se tinha da valsa, também é interessante ler “A Ilustre Casa dos Ramires” de Eça de Queirós.

    Então André Cavaleiro, que repenetrara vagarosamente na sala, repuxou o colete, afagou o bigode, e avançando para Gracinha, com um modo meio grave, meio folgazão:
    – Se V. Exa. me quer dar a grande honra?…
    Oferecia, abria os braços. E Gracinha, toda escarlate, cedeu, levada logo nos largos passos deslizados que o Cavaleiro lançou sobre o tapete. Barrolo e João Gouveia correram a afastar as poltronas, clareando um espaço, onde a valsa se desenrolou com o suave sulco branco do vestido de Gracinha. Pequenina e leve, toda ela se perdia, como se fundia, na força máscula do Cavaleiro, que a arrebatava em giros lentos, com a face pendida, respirando os seus cabelos magníficos.
    Da borda do canapé, com os finos olhos a fuzilar, D. Maria Mendonça pasmava: – Mas que bem que valsa, que bem que valsa o Sr. Governador Civil!…
    Ao lado Gonçalo torcia nervosamente o bigode, na surpresa daquela familiaridade, assim renovada pelo Cavaleiro com tão serena confiança, por Gracinha com tanto abandono… Eles
    torneavam, enlaçados. Dos lábios do Cavaleiro escorregava um sorriso, um murmúrio. Gracinha arfava, os seus sapatos de verniz reluziam sob a saia que se enrolava nas calças do Cavaleiro. E Barrolo, em êxtase, quando eles o roçavam, atirava palmas carinhosas, bradava:
    – Bravo! Bravo! Lindamente… Bravíssimo!

    É interessantíssimo analisar as alterações culturais que se foram verificando ao longo da história. Mas analisar sem preconceitos ideológicos.
    Quando estudamos a história com espírito aberto, as ideias pré-concebidas vão-se desmontando. E nessa altura sentimo-nos mais livres.

  6. segundo informaçao do do bpi,socrates tinha enviado um email,a pedir para ser ouvido antes de ser preso.essse email só apareceu 4 dias depois. a fuga estava portanto fora de causa.

  7. oube juliu, num dabias ser ateue, debias era acraditare, ou penças ca ta fizeste a tie, ? ingratu. Tabas a ispera du quêi, pá? ca ça foçe danssar o rap da Buraca coe o inpute do micael carrêra i o snupy cat? hein? Quale é o ovbejtibo do teu artigu, pá?O papa chicu é santu, é bom e dá graassas a DEUSe por o teres neste mundo.
    bê lá sa serpente ta morde nu calcanhare, fogu.

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