Por onde andas, Luandino?

Luandino Vieira lançou há dias em Lisboa o livro Papéis da Prisão, um grosso volume de escritos produzidos durante os 12 longos anos que penou no Campo do Tarrafal (1961-1972). O nome deste escritor angolano está também ligado, em Portugal, ao prémio de novela que a Sociedade Portuguesa de Autores lhe atribuiu em 21 de Maio de 1965 – estando ele preso há já quatro anos – pelo seu livro Luuanda. O anúncio do prémio foi seguido, no mesmo dia, pela extinção da SPA (despacho do ministro da Educação Nacional, Inocêncio Galvão Teles) e pelo assalto e destruição das instalações da dita SPA por um bando de rufiões da PIDE e da Legião Portuguesa. Nessa época, Portugal não se gabava de ser uma democracia, prendiam-se e matavam-se oposicionistas e um férreo regime de censura acorrentava a liberdade de expressão.

Hoje, Angola declara ser uma democracia e proclama respeitar os direitos humanos e a liberdade de expressão. O embaixador itinerante de Angola, Luvualu de Carvalho, foi em Novembro à RTP3 afirmar isso mesmo e, supostamente, desfazer “calúnias”. No entanto, estão há semanas a ser julgados em Luanda 17 activistas angolanos pelo crime de estarem a ler um livro que denunciava o regime do MPLA como uma ditadura. Há poucos dias, também, foi absolvido em Luanda um elemento da guarda presidencial que em 2013 matou com um tiro pelas costas o militante oposicionista Manuel Ganga, que na rua colava cartazes a convocar uma manifestação para exigir esclarecimentos sobre o desaparecimento e morte de outros dois activistas políticos. O juiz considerou que os cartazes eram “ofensivos à pessoa do Presidente José Eduardo dos Santos” e que o guarda “agiu em mero cumprimento do serviço”.

Não consigo olhar para os Papéis da Prisão de Luandino Vieira sem me perguntar o que está agora o seu autor a fazer a favor da liberdade expressão, da democracia e da legalidade no seu país. Ele tem toda a autoridade para o fazer, vive em Portugal e, se não está de acordo com o que se está a passar em Angola, podia neste momento dizer alguma coisa, sem o risco, sequer, de ser incomodado pelos jagunços do presidente Santos. Se, porém, está de acordo ou lhe é indiferente, então é que não vou mesmo conseguir pegar naqueles Papéis da Prisão.

19 thoughts on “Por onde andas, Luandino?”

  1. Luandino escolheu o “retiro”, no Alto Minho. Ninguém dá por ele há muito tempo, e muita coisa aconteceu aqui e em Angola, de bom e de mau. Até hoje, nunca o Júlio ou qualquer outro se lembrou de lhe exigir uma atitude. Por quê agora? Respeito, Júlio, que é muito bonito!

  2. Há muitos partidos políticos em Angola, que sabem o que querem, e como já naqueles tempos dos anos 50/60, os angolanos já sabiam o que queriam.

    Agora já não sabem o que querem? Porque falar aqui, no Terreiro do Paço, e os partidos em Luanda não vão para a marginal de Luanda abrir a boca?

    Não será que Luandino Vieira, que é português, naquele tempo se teria equivocado?

    E com a idade amadureceu outras ideias?

    A consciência e a memória das pessoas podem mudar com as pessoas.

  3. Júlio, poderias linkar uma notícia para contextualizar o assunto no Aspirina B: a do Expresso online que é assinada pelo José Pedro Castanheira, iconograficamente sugestiva por exemplo, e é dela o excerto que fui agora recuperar da minha mailing list e que deixo ali em baixo.

    Concretamente sobre a tua flecha (!) direi qualquer coisa depois, mas recordo que ele recusou o prémio Pessoa em 2006. «José Luandino Vieira, o escritor angolano de 71 anos escolhido para receber a edição de 2006 do Prémio Camões, optou por não aceitar o galardão no valor de 100 mil euros, evocando, para isso, “razões pessoais, íntimas”», coisas de Artista com a grande portanto.

    O diário de José Luandino Vieira, dos seus mais de onze anos de prisão, foi lançado na Fundação Gulbenkian. É um volume de quase 1100 páginas, intitulado “Papéis da Prisão” e que reúne, para além do diário, inúmeros apontamentos e diversa correspondência trocada com familiares e amigos. Foram escritos na cadeia da PIDE em Luanda e no campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, em cadernos sempre com o mesmo título: “Ontem, Hoje, Amanhã”, uma forma de manter viva a chama da esperança no futuro e na liberdade. Sobre a liberdade, aliás, escreveu, logo nos primeiros tempos do Tarrafal: “17 de Setembro de 1964. Hoje passou ao largo rumo S/N para S. Vicente talvez um transatlântico. Fomos todos a correr e ficámos a vê-lo sulcar as águas. Lá ia a liberdade a passar!”

    […]

    No Expresso, há dias (o link é enorme, sorry.
    http://expresso.sapo.pt/sociedade/2015-11-27-Finda-uma-guerra-de-libertacao-os-povos-deviam-fuzilar-os-lideres.-Frase-de-1968-no-diario-agora-editado

  4. Correcção, e adenda. Terei escrito prémio Pessoa, mas é o do seu colega Camões de que falamos. E o seu a seu dono porque a notícia de 2006 é do DN, bem escrita pela Isabel Lucas. Pensei mas não o escrevi que, para além da iconografia luandina, se deveria também destacar na prosa do José Pedro Castanheira o papel reservado ao editor que, quando o Luandino Vieira era um jovem de 71 anos, surgia como uma peça importante na intermediação com o mundo dos outros. Zeferino Coelho, o sempiterno editor da Caminho.

    Luandino Vieira recusa Camões por “razões pessoais”
    http://www.dn.pt/arquivo/2006/interior/luandino-vieira-recusa-camoes-por-razoes-pessoais-641087.html

  5. Maria Abril, não exijo coisa nenhuma. São pensamentos que me assaltaram numa livraria, com o livro dele na mão e a cabeça nas notícias que nos chegam todos os dias de Angola. Pode um intelectual angolano, e um homem com o passado dele, estar simplesmente calado perante o que se está a passar no seu país? A prova de que o considero e respeito é esta: esperava dele neste momento uma atitude, sim. Foi para isto que ele lutou e penou?

    Retornado, acho que o tempo pode mudar a consciência e a memória, como dizes, mas não altera muito o carácter das pessoas.

    RFC, o Luandino Vieira recusou o prémio porque foi honesto e reconheceu estar “morto” como escritor há muito tempo. E disse não gostar de dinheiro, o que só o enobrece. Mas também disse agora, e o Expresso cita-o, que gosta de assumir as suas responsabilidades. Era também isso o que eu esperava dele.

  6. Júlio, é melhor nem fazer perguntas, “por onde andas”, porque as pessoas podem não querer dizer mesmo por onde andam.

    E pode haver motivos mal conhecidos para uns mas bem conhecidos para outros.

  7. No mundo dos charlies fotocopiados que se indignam em sincronia, se manifestam em uníssono e se movem em matilha, há sempre quem se apreste a policiar o trânsito das consciências alheias. E sempre há de encontrar ressonâncias de pecado. Comunique-se à Morgado.

  8. é pertinente, sim, Júlio, o teu desejo oriundo de uma frustração colectiva. e pensarmos que só a cultura nos pode salvar é um consolo maravilhoso – porque, neste caso, de certeza que o vento não levaria as palavras.

  9. É das coisas que mete mais dó, o constatar que, com excepção de S. Tomé e de Cabo Verde, que embora países pobres, são sociedades digamos assim saudáveis e decentes, tudo o resto fracassou …

  10. Retornado, espero só que ele não ande por Marte, quando a voz dele era precisa aqui. Há silêncios que ferem os ouvidos. A menos que ele fuja à publicidade e prefira intervir nos bastidores, acho muito estranho o seu silêncio. Aliás, fazem-lhe outras acusações bastante mais graves, mas nessas eu prefiro não acreditar.
    Nos anos em que Luandino esteve preso no Tarrafal, muitos intelectuais portugueses o apoiaram, inclusive dando-lhe um prémio literário, acto em que desafiaram corajosamente o poder de então.

    dsm, vai catar moscas.

  11. Repito, Júlio, respeite o recolhimento de Luandino. Lembre-se de quantos MRPP alinham hoje com os maiores pulhas, aqui mesmo, no Portugal democrático. Ouve a voz de algum escritor luso, democrata, famoso e tudo, erguer-se contra o fantoche ex-MRPP Durão Barroso? Por que haveria Luandinho, a seu pedido, rebelar-se contra membros do MPLA, progressista e libertador, que se converteram naquilo que são?

  12. Maria Abril, no caso de não saberes, o MPLA faz parte juntamente com o PS e outros, da Internacional Socialista.

  13. Maria Abril, não concordo nada consigo. Luandino Vieira, depois de herói revolucionário, assumiu cargos importantes na Angola pós-independência. Foi o primeiro director da Televisão Popular de Angola (1975-1978), foi director do Departamento de Orientação Revolucionária do MPLA (1975-1979) e do Instituto Angolano de Cinema (1979-1984). Foi ainda secretário-geral da União dos Escritores Angolanos (1975-1980 e 1985-1992).
    Não me lembro de ter ouvido uma palavra dele contra os massacres de 1977, em que foram mortas milhares de pessoas.
    Não diz nada também agora, quando são cometidos gravíssimos atropelos à liberdade e à democracia no país que assumiu como seu.
    “Recolhimento”? Que quer isso dizer? Estará vivo ou morto?

  14. Sabia. E daí? Nunca pensei filiar-me no PS. E também sei que que tanto no PS como no MPLA militam democratas verdadeiros.

  15. “No entanto, estão há semanas a ser julgados em Luanda 17 activistas angolanos pelo crime de estarem a ler um livro que denunciava o regime do MPLA como uma ditadura. Há poucos dias, também, foi absolvido em Luanda um elemento da guarda presidencial que em 2013 matou com um tiro pelas costas o militante oposicionista Manuel Ganga, que na rua colava cartazes a convocar uma manifestação para exigir esclarecimentos sobre o desaparecimento e morte de outros dois activistas políticos. O juiz considerou que os cartazes eram “ofensivos à pessoa do Presidente José Eduardo dos Santos” e que o guarda “agiu em mero cumprimento do serviço”.”

    Júlio, acredita mesmo no que escreveu acima?

  16. E daí, Maria Abril, é suposto ser um Partido Político que reúne as condições para dela fazer parte (IS).

  17. E de caminho lhe digo: o santo Sá Carneiro preencheu a ficha de adesão mas a inscrição não foi aceite.

  18. Os angolanos, sabem muito bem governar-se, principalmente o MPLA (também o PAIGC e FRELIMO).

    Já antigamente diziam que nós aqui eramos uns “atrasadinhos” e a nossa bola era quadrada.

  19. Júlio, estava em Luanda quando ocorreram os massacres a que se refere. Vários membros do governo de Agostinho Neto (entre eles o ministro das finanças, Saydi Mingas) foram mortos e incinerados. Os cubanos apoiaram o presidente do MPLA e da RPA contra o sovietizado Nito Alves. Foram, sobretudo, “cubanos” contra “soviéticos”. Ganhou a “linha cubana”. Mas, por um triz, não foi o contrário. As represálias foram duras, isso eu sei. Vi amigos e colegas de trabalho fuzilados. Mas não sei qual seria a extensão dos massacres, caso Nito Alves tivesse triunfado. Não pretendo justificar ninguém; apenas quis repor um pouco da verdade histórica. Luandino, naturalmente, esteve contra os “soviéticos”, os quais, justificada ou injustificadamente, foram considerados racistas (negros). Agostinho Neto, para os nitistas soviéticos, era um “burguês” e aliado da mestiçagem. De Luandino poder-se-á dizer que alinhou com os revolucionários cubanos contra a sovietização de Angola. A verdade é que deixou Angola no mesmo ano em que Angola dispensou os cubanos e foi para eleições livres e democráticas com Savimbi. Parece que adivinhou o que aí vinha…

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