O ping-pong de Loff e Ramos

 Sobre a polémica entre os historiadores Rui Ramos e Manuel Loff, que tem andado nos jornais e na blogosfera, por exemplo aqui  ou aqui , apetecia-me quase dizer que estão bons um para o outro. Não o digo, porém, porque sendo ambos cultores duma história ideologicamente orientada e politicamente militante, que não me agrada, é-me contudo mais antipática a obra do relativizador-edulcorador-amnistiador do salazarismo, Rui Ramos. Em vários livros, Ramos consegue ir mais longe do que os velhos historiadores monárquicos no denegrimento sistemático da I República, raiando frequentemente o delírio. A visão alucinada que Ramos tem da I República serve-lhe precisamente para adocicar a imagem da Ditadura Militar e do salazarismo que lhe sucederam. Não me parece duvidoso que Ramos obteria um prémio do SNI com a sua História de Portugal (na parte da sua autoria), se o saudoso organismo da propaganda salazarista tivesse durado até hoje, com alguma inevitável “renovação na continuidade” pelo caminho. De Loff conheço menos obra, é certo − apenas dois ou três capítulos de um seu antigo livro, além de entrevistas em que expõe a sua visão sobre o fascismo e o salazarismo. Não li O Nosso Século é Fascista!, nem desejo ardentemente lê-lo.

 São precisamente o conceito de fascismo e o qualificativo de fascista que mais têm andado às bolandas neste chato ping-pong entre Ramos e Loff. Na raiz do problema, para Ramos, parece estar a facilidade com que em Loff salta o qualificativo de fascista; em compensação, o que enfurece Loff é o rebuscado branqueamento do salazarismo que o Ramos faz na sua história do Estado Novo. Se calhar têm ambos razão, o que sói acontecer nestes casos.


 De Ramos não vou aqui falar mais, que me dá sempre azia. Sobre Loff, queria só citar adiante uma entrevista sua de 2008, dada a propósito do lançamento do livro acima referido (que, repito, não li, mas não fico com vontade de ler).

 Concordará o leitor comigo, se eu afirmar que um académico estudioso do fascismo, um especialista, deve ter conceitos bem apurados sobre essa temática, por exemplo, sobre o que é o autoritarismo político ou um regime autoritário. Concordará também o leitor que um especialista dificilmente se poderá dissociar desse seu saber especializado quando dá uma entrevista sobre um livro da sua especialidade. Ora o jornalista Mangas, do Público, perguntou a Loff se ele achava que em 2008 havia condições para um regresso da ditadura em Portugal e se o governo de Sócrates ia nesse caminho.

 Eis as respostas de Loff, em que Sócrates, acusado de autoritário, se safa do apodo de salazarista ou fascista por um cabelo de chinês:

 Há condições para o regresso da uma ditadura?

Não estou a dizer que temos a aproximação de uma ditadura, o que vivemos é o período no qual uma parte da sociedade, exasperada pelos problemas económicos e sociais [estava-se em Junho de 2008!], está disponível para formas mais ou menos mitigadas de ditadura, para suspensão de direitos, reforço do poder da autoridade do Estado.

O Governo de Sócrates vai nesse caminho?

Acho – e agora não é historiador a falar [então é quem?] – que o actual Governo, mas não é o único, tem vindo a reforçar e tentar criar como fonte de sustentação do seu apoio uma linguagem legitimadora do autoritarismo. Um discurso que diz que é preciso, em determinado momento, ignorar a sociedade e exercer a poder a partir de cima: isso é a essência do autoritarismo. Se me pergunta se José Sócrates é o Salazar, eu digo: não, não acho. 

 O Público não desaproveitou a ocasião de publicar a entrevista de Loff, que versava sobre o fascismo, com o seguinte destaque à cabeça:

 “O Governo de José Sócrates, mas não é o único, tem vindo a reforçar e a tentar criar como fonte de sustentação uma linguagem legitimadora do autoritarismo”.

Bem, a culpa disto talvez não fosse de Loff…

 

7 thoughts on “O ping-pong de Loff e Ramos”

  1. Não sei quem é o Loff nem o Ramos mas vou ver se os encontro.

    Então se falam naquela 1ª República não perco nem por nada.

    Porque esse período serve para compreender porque apareceu agora a Troika em Portugal.

    Só que naquele tempo qualquer troika que viesse cá, nem tinha qualquer ponta por onde pegar:não tinha nem EDP para vender, nem CTT, nem RTP, nem CIMPOR, nem TAP nem vinho porque os portugas nossos avós bebiam-no todo e ainda era pouco, para afogar as mágoas.

    Quero esse tal de Loff e Ramos.

  2. Grosso modo a proposta de leitura da nossa história dos últimos 100 anos feita por Rui Ramos aproxima-se, no estilo e sobretudo nos objectivos, muito da leitura revisionista da história feita impunemente, por exemplo, por membros da extrema direita europeia durante anos.
    Contudo, ao contrário de muitos colunistas que defendem o mesmo mas que têm como única mais valia simplesmente serem reaccionários, Rui Ramos manipula com indiscutível mestria os instrumentos de trabalho dos historiadores. É de longe muito mais hábil (e capaz) , por exemplo, do que o seu correligionário Fernandes que também se deu como tarefa demonstrar por A + B que afinal o preto não é preto mas simplesmente cinzento claro, mesmo muito claro, mesmo, se der jeito, tão branco como o branco do Omo!

    Da leitura do livro “O nosso século é fascista”, para além do estrito quadro ideológico de suporte à argumentação, não retive nada de especial; como se diz na gíria, não acrescenta verdadeiramente mais conhecimento sobre a realidade, não propõe novas “maneiras de fazer”.

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