O Público cedeu ontem duas páginas ao historiador Diogo Ramada Curto para fazer o balanço da polémica Loff-Ramos. Foi de bom augúrio a escolha de um verdadeiro historiador e investigador para comentar a troca de galhardetes entre dois militantes políticos que escrevem sobre história contemporânea. Sabia-se de antemão que Ramada Curto torce o nariz (é dizer pouco) a obras como as dos historiadores Ramos e Loff. A coisa prometia. Quebrando uma jura, fui levado a investir 1,60 € na compra de um exemplar do jornal de Belmiro de Azevedo – o tal que se ri dos que querem “mandar” politicamente no seu pasquim “sem pôr lá dinheiro nenhum”.
Pois bem, o artigo de Ramada Curto é uma relativa desilusão. Apostando numa alegada “serenidade académica” que, me parece, o faz abdicar da sua própria sinceridade académica, Ramada Curto declara-se pouco interessado em abordar os pontos quentes da polémica – a questão do “branqueamento” ou não do salazarismo e a questão do fanático e estapafúrdio denegrimento do republicanismo e da 1.ª República por Rui Ramos na sua parte da História de Portugal. Em lugar disso, afirma ser necessário recentrar o debate sobre essa obra de que Ramos é co-autor. Ramada Curto recusa, pois, entrar nos temas concretos da polémica suscitada entre Loff e Ramos, mas aproveita a ocasião para falar do que lhe interessa e tentar erguer, ao mesmo tempo, um modelo de debate alegadamente despolitizado, centrado em “aspectos analíticos”. Dito de outra maneira, Ramada Curto propõe-se analisar uma obra politizada e de fins políticos recentrando a atenção em aspectos criteriosamente seleccionados para evitar uma execrável politização do debate, a que ele chama “mera guerra de bandeiras à esquerda ou à direita”. Como se a própria politização de uma obra de história não fosse susceptível de ser estudada ou analisada.
Ramada Curto escolhe, assim, livremente um único tema da obra de Ramos, a guerra colonial, para em torno desse assunto tecer um punhado de considerações críticas que oferece à comunidade dos historiadores como modelo da boa e necessária crítica, que, segundo ele, tem estado ausente do panorama académico nacional. As críticas que tece à obra de Ramos são todas certeiras, valha-nos isso. Pelo tema que seleccionou para servir de modelo (a guerra colonial), adivinham-se as críticas que Ramada Curto poderia fazer às tais teses de Ramos sobre o salazarismo e a 1.ª República. Adivinham-se só, pois não as faz. O que causa mais perplexidade é que o próprio Ramada Curto denuncia neste artigo do Público o “medo de criticar” que segundo ele existe no mundo académico português. Será que Ramada Curto tem medo de criticar a politização de direita da obra de Rui Ramos? Ou terá medo de ser emparceirado com Fernando Rosas no campo esquerdista apoiante de Loff? O medo raramente é bom conselheiro…
Este assunto é porreiro: Salazar, a troica que veio de Santa-Comba-Dão.
Assunto que não pode morrer
A polémica entre Ramos e Loff, quanto ao conteúdo e ao estilo, tem sido um diz-que-disse de café. Mas salva-se a justa denúncia da apetência de Ramos para branquear o Salazarismo através de argumentos comparativos que, até se podendo aceitar como legítimos em certos contextos, nele apenas transmitem uma simpatia ideológica.