Dissertação para o homem da bicicleta preta na Rua da Madalena
Trazes no rosto e misturas no teu olhar uma dupla inscrição. Simples e ingénuo, rústico e espontâneo, como a olaria que produzes na tua oficina. Tal como os obscuros artistas do barro em Niza e Miranda do Corvo, Barcelos e Estremoz, Guimarães e São Pedro do Corval, fazes sair da tua mão objectos de terracota, grés e argila, produtos a meio caminho entre a beleza e a utilidade, entre o prazer do olhar e a justa função. Há uma roda pedaleira que ninguém vê da porta da tua oficina debruçada sobre o Mar da Palha. Mas é essa invisível roda que imprime o movimento à massa ainda sem forma do barro em bruto. As tuas mãos ágeis, a tua paciência sem limites e a frescura da água – tudo isso se conjuga para desenhar, em alguns minutos, uma peça que, por ser única e irrepetida, se torna ainda mais valiosa.
Quando surges na Rua da Madalena na bicicleta preta, já não é a roda de madeira que te empurra para a festa do barro; é a roda metálica que te leva para a cidade com a tua mochila com peça novas em velhos jornais como os que o teu pai ajudou a construir. E o teu sorriso teima em acreditar quando à tua volta se ergue a desconfiança. Nos dias da cidade a Rua da Madalena é a Rua da Esperança. Mesma quando te chamo artesão resolves dizer que és apenas oleiro. E eu não acredito mas fico emocionado com a tua humildade. Porque para mim o oleiro é um artista como o tanoeiro, o ferreiro, o abegão, o homem do alambique, o poeta, o mestre do lagar de azeite. Todos levantam do chão da terra a massa informe das palavras e das coisas para erguerem uma peça útil, uma alegria, um sabor, uma canção. Como tu afinal, quando surges sem ninguém esperar, na bicicleta preta a descer a Rua da Madalena. Veloz e sorridente, a acreditar na vida que todas as manhãs nasce de novo no teu olhar.
Lindo, José do Carmo Francisco, saber encontrar um artista do barro, na íngreme Rua da Madalena.
Artesão é palavra moderna que muitos dicionários não registam, com sabe.
É por isso que, na minha Aldeia, toda esta gente se chamava artista.
Também já são tão raros como o seu oleiro da Rua da Madalena.
Jnascimento
Continuando, o prato da foto nem terá sido levantado na roda de oleir. Terá sido soprado contra um molde por uma máquina barulhenta que tem barro no seu ventre e a comida tem todo o ar de não ter sido cozinhada ao lume !
Jnascimento
Olhe que não meu caro, olhe que não. Foi garantido pelas pessoas que me enviaram a foto que ela corresponde a um prato original do oleiro-artesão. Não é de fábrica. As origens do artista são de lá perto de si, do outro lado do Rio Douro. Não é longe. Um abraço meu caro JN
agora fiquei como que em barro derretida, desconcertada pela beleza.
(o que vale é que ela, a beleza, também me faz erguer: já está.) :-)
Obrigado Olinda pela leitura atenta. Além da beleza do trabalho ele desconcerta pela humildade – que não é pose.
Eu creio que o JCF captou realmente a alma do oleiro em questão (respeitemos o termo!).
E salta à vista que o oleiro põe toda a sua alma no trabalho que executa. Parabéns a ambos
Só me resta agradecer o excelente pretexto dado pelo trabalho do artesão. Respeitemos a sua ideia de se intitular oleiro. Obrigado Teresa!
Como mãe do “artista” em questão, sou suspeita a dizer seja o que for sobre o meu filho. Limito-me a agradecer a todos os intervenientes nesta conversa as lindas palavras que disseram sobre o rapaz, sublinhando que, tal como diz o Jcfrancisco, o Tiago é mesmo artesão e humilde. É um “fazedor” de faiança utilitária, como ele diz.