A pedrinha no cais ou Dissertação para o esplendor de uma voz de mulher
Da Semana da Cultura Açoriana retive o Café Concerto de Zeca Medeiros, os «25 anos de Música Original nos Açores» com Rafael Fraga e a Orquestra Regional Lira Açoriana dirigida por António Melo com as violas da terra de Ricardo Melo e Rafael Carvalho e a voz de Ana Isabel Medeiros. Num concerto que se iniciou na massa sonora de Steven Reineke com «A Montanha dos Dragões», a voz de Ana Isabel Medeiros trouxe ao palco do Teatro São Luís toda a força da Terra. Mais do que Terra, a força do Mundo. Um Mundo de contrastes, entre matizes de verde, estradas desenhadas a compasso, lagoas com silêncio em vez de água, animais pacientes e vagarosos na sua indústria de ser, a alegria das festas e do encontro, a música das procissões nas ruas das freguesias e das cidades, as grandes orações que não precisam de palavras.
Naquele fim de tarde em Lisboa, a voz de Ana revelou, para todos nós, um volume intenso, um timbre diferente, uma altura inesperada, um som redondo e feliz a misturar os rumores da terra aos ventos do céu. E a luz do Sol a fecundar as searas ao lado da noite escura que traz a chuva no Inverno de cada dia. Entre a massa sonora da orquestra e a pontuação sentimental das duas violas da terra, a voz de Ana trouxe, ao fim da tarde de Lisboa, um arquipélago de sons, uma tempestade de clamores, uma capela onde cada sílaba da oração é desenhada pela respiração da voz na gramática das canções. Ficou uma pedrinha no cais. Um sinal. O palco do São Luís foi um santuário onde os peregrinos foram felizes porque uma canção, tal como uma oração, pode ligar de novo dois universos separados pela morte, pelo tempo e pelas emboscadas do esquecimento.