«Primeira antologia de micro-ficção portuguesa» de Rui Costa e André Sebastião
Como refere Henrique Fialho no prefácio «sob a capa de poema, poema em prosa, aforismo ou o que quer que seja, a micro-narrativa vai marcando presença na literatura portuguesa». Esta antologia inclui textos de 22 autores, alguns no registo do humor como Fernando Gomes: «Gostava de tinto e bebia verde. Adorava Cesário Verde e lia Guimarães Rosa. Apaixonou-se por Rosa e casou com Violeta. O daltonismo tem destas coisas. Até jura que tem sangue azul.» Ou então Rafael Miranda: «Os taxistas perguntam sempre se não tenho mais pequeno; as mulheres se não tenho maior.» Henrique Fialho tem uma história sobre jornais: «O jornalista barricou-se na primeira página do jornal onde trabalhava. Não queria nada para si, reivindicava apenas um pouco de jornalismo na capa.» Rui Almeida tem uma história sobre livros: «A colectânea de contos de Natal encontrava-se em excelente estado, o que era pouco habitual naquela banca de alfarrabista com livros a um euro (…) Ao fim da tarde, no autocarro, a caminho de casa tirou a colectânea da pasta, afagou a capa com estrelas em relevo, consultou o índice e logo constatou que as seis folhas relativas ao conto do escritor que tanto estimava haviam sido cuidadosamente retiradas.» Um dos mais insólitos é «Azul» de Rute Mota: «Quando sai, de manhã, ele fica a dormir. Ao fim da tarde, não é raro encontrá-lo a um canto do sofá, a cama ainda por fazer. Com as amigas mostrava-se de um indecoro insinuante, roçando a inconveniência. Com os amigos, tornava-se uma presença castradora, corpo de silêncio ou de insónia, subindo de debaixo do sofá ou da cama. Enquanto ela se lava, toda a atenção dele se concentra no fascínio do jorro tombando, no nível da água subindo. Ele sabe: só depois ela lhe servirá o prato e lhe poderá tocar o pulso com a humidade do focinho. (Num gato diz-se azul a cor que em tudo o resto se diz cinzenta)»
(Editora: Exodus, Prefácio: Henrique Fialho)