«Lisboa em 1870» de Gonzalo Calvo Ascensio
Com o subtítulo de «Costumes, literatura e artes do vizinho reino», este livro do jornalista espanhol (director de El Democrata) corresponde à memória da sua estadia em Lisboa até 1872 quando era secretário da embaixada de Espanha antes de ser eleito deputado às Cortes em Madrid.
Sobre a Justiça escreve: «Aqui a estatística criminal é pequena, o roubo, o furto, a trapaça, podem dar-se em repetidos casos, o assassinato quase nunca; aqui a navalha não se emprega como arma de combate. Portugal é a primeira nação que aboliu a pena de morte após um período de 28 anos em que ela já não se aplicava.»
Sobre a Imprensa adianta: «A imprensa é livre, pode manifestar toda a espécie de opiniões, debater os mais graves problemas políticos, opor sistemas a sistemas e ideias a ideias, controverter teorias e no entanto não se ocupa de outra coisa senão de trazer para a rena da discussão as diferentes personalidades que entre si disputam o poder».
O autor vê assim em 1870 a luta política em Portugal: «A luta política está hoje reduzida à das ambições pessoais; não há partidos com bandeira nem agrupamentos políticos com lemas bem definidos nem programas que preencham uma aspiração racional ou científica: não há mais do que a personalidade do duque de Saldanha oposta à do duque de Loulé, ou a do bispo de Viseu à do conde de Ávila».
(Editora: Frenesi, Tradução: Jorge Pires, Capa: Paulo da Costa Domingos, Assistência editorial: Telma Rodrigues)
Tenho esse livro. Uma das partes que me surpreendeu mais foi exactamente essa ancestralidade da relação promíscua e corrupta entre a política e o jornalismo – a a venda de interesses sob a capa da investigação e opinião jornalística. Mas, por outro lado, o vazio das ideias na política , sendo real à época, parece-me um bocado exagerado por parte deste espanhol que ignora simplesmente a geração de 70 e alega que Lisboa não tem arte digna de registo. Portanto, parecem-me mais fiáveis os retratos da época feitos pelo Eça que, aliás, desanca a valer no Gonzalo C. Ascensio.
A mim, que sou o editor do livro em epígrafe, o que mais me surpreende são os jornalistas que, tendo o livro à frente do nariz, não conseguem (ou não querem) sequer fazer um esforço e lê-lo. O meu aplauso para o Leitor.
Paulo da Costa Domingos
Jorge Pereirinha Pires
Obrigado pela sugestão de leitura. A estátua da capa foi inaugurada em 1867.
Este largo é que tinha uns pinheiros bonitos, derrubados quando foi construído o estacionamento subterrâneo.