(a Francisco José Viegas, autor de «Morte no Estádio»)
A morte será também um fuso horário
Um meridiano de silêncio e de escuridão
Entre a água do rio e a madeira do bosque
Todos trazemos uma bagagem de mortos
Este livro evoca os jogadores do M. United
Perdidos num desastre aéreo em Munique
Há a nossa memória de Pavão nas Antas
No jogo treze e no minuto treze a morrer
Em Coimbra, Néne perdido num desastre
Quando o mini não desfez a curva grande
Em Lisboa Toni Kakinda a forte esperança
Da equipa de Caneira e de Simão Sabrosa
Antes Pepe em Belém de vinte e três anos
Com a mãe a trocar bicarbonato por potassa
Nunca se fala nos jornalistas também mortos
Os enviados especiais a esse lugar de morte
De onde já não é possível escrever notícias
Morreram todos assim no seu fato completo
Caneta de tinta permanente e bloco de notas
Cachimbo e todos eles de chapéu à Borsalino
Mas tirando as suas famílias e alguns colegas
Pouca gente recordará hoje os seus nomes
Comprei o livro numa livraria em frente
Ao portão do Observatório Astronómico
A separar os dois lugares há um relvado
Uma metáfora imediata de todos os altares
Na liturgia dum jogo afinal mais que jogo
A memória activa, o espaço de sentimento
Lugar verde onde ficaram todos os sonhos
Adormecidos devagar pela diária rotina
A vida é na verdade a preto e branco
Por isso estas fotografias são verdade
A cor é apenas a mentira consentida
Só há estas duas cores nas lágrimas
O mesmo para o medo, para a morte
Escusamos de procurar o colorido
A vida é na verdade a preto e branco
E ficou nos velhos álbuns de família
Passam por mim japoneses de uniforme
Jovens alunos em passeio de finalistas
Não pensam na morte sequer Hiroshima
Não reparam no livro que levo na mão
Querem apenas viver e têm a sua pressa
A morte será também um fuso horário
O poeta/reporter no seu melhor!
Parabens Zé!
Parabéns por tudo o que pensas
e sentes
e parabéns por… ASSINARES os teus textos!
CASO RARO POR ESTAS BANDAS!
claro que isto é um poema, forte e intenso…
mas a vida e a morte têm múltiplas cores, José do Carmo Francisco…
Para José do Carmo Francisco
Também gosto mais da densidade deste poema, da beleza das suas palavras, sem ser precisa a rima
Obrigado, Zé do Carmo por assinares, claro, e por pores aqui a tua melhor poesia
Abaixo os intelectuais posmodernos entre aspas.
Um Abraço
j
Se houver uma linha boa num poema, para mim já chega. Tudo vale a pena se a alma gostar de cantar a cantilena. A minha favorita nesta cascata: “com a mãe a trocar bicarbonato por potassa”. Caricato, pela estupidez envolvida. Também não nos dizes nada sobre nenhum futebolista que tivesse morrido com um pontapé nas canelas, ou uma cabeçada.
NO que é que ficamos? Vamos à missa amanhã, rezar pelas almas dos jogadores do Torino que também se espetaram de avião no tempo das “Vespas” e para os quais não tens uma única palavra porque o Viegas não te fala nisso?
Filho, o futebol é um desporto de cavalos, mesmo antes de a política ter tomado conta dele e escritores oportunistas que não se ficaram atrás para fazerem uns cobres.
O entusiasmo da bola nas bancadas já causou quase mil e setecentos mortos deste o tempo do último racionamento. Feridos, nem se fala, e muito menos nos que são os últimos a sair devido a apoplexias e derrames que os coseram aos assentos. O Manuel Alegre era um dos costumava tomar comprimidos quando o árbitro não era amigo do Benfica.
Porquê esta tua insistência em conspurcares a poesia com este desporto de bárbaros?