Fátima Murta – Quando o poema se confunde com a oração
Desde sempre os poetas tiveram a coragem de chamar todas as coisas pelos seus nomes. Pois se a vida é tão breve e o amor tão incerto que outra oposição podemos fazer à morte além da criação de poemas, pequenos alicerces na grande casa da posteridade?
A posição do poeta é coincidente com a do crente. Ambos ajoelham em silêncio e ambos levantam do chão a palavra cansada para ligar de novo dois mundos separados pela distância, pelas sombras e pelo esquecimento.
Em «Consumatum Est» Fátima Murta afirma:
«Poderiam retirar-me tudo na vida menos a prece, a oração.»
A ligação entre a oração e o poema está no amor porque o amor é a única resposta à morte mesmo quando («Viola Delta III») não sabemos, ao certo, o que é o amor:
«Não sabemos o que é o amor mas, amor, amamos o que desconhecemos.»
E mesmo quando a morte tem a dimensão do espectáculo planetário transmitido em directo (11 de Setembro) ou do Holocausto de 1939/1945, é sempre possível cantar em poema «A última vítima de Auschwitz»:
«Apenas mais uma túlipa mais que seca a pele e o olhar. / Apenas mais uma mulher que um dia sonhou com um jardim. / Apenas mais uma mulher. / Já nada tem de seu.»
A única resposta ao sangue derramado dos timorenses é um poema a Santa António de Lisboa em «Santa Cruz de Timor»:
«António, meu Santo António de Dili, de Baucau, de Bobonaro / Meu Coronel Santo António alistado na milícia de Maria / Casa o Mar do Homem com o Mar da Mulher / e fica à espera que a nova bandeira da paz entre os homens / brilhe junto à gruta onde foi assassinado o primeiro filho de Timor!»
Mas o amor, tal como a poesia, não é fácil. Além de não saber o que é o amor, o poeta procura muitas vezes um amor que não encontra. Como em «Coisa talvez amada»:
«Queria colher a rosa mais linda de Maio
Mas tu estavas tão longe dela e de mim
Fui eu para longe de ti e levei a rosa (…)
Não cheguei a oferecer a rosa mais linda de Maio.
Colhia-a a meio da tarde e havias partido pela manhã.
Tão cedo se deixam as rosas entardecer.»
Federico Garcia Lorca foi morto mas venceu a morte e hoje o seu nome é vivo; ninguém sabe o nome dos seus carrascos. Vejamos essa memória em «Com perfume de limão»:
«Dorme Federico dorme
dorme com as estrelas nos olhos de prata
Meu menino de presépio nascido do céu
sobre as nebulosas onde a água chora.»
Agostinho da Silva, outro vencedor da morte, está presente nos textos de Fátima Murta:
«Ser criança também é uma arte muito difícil. Nem todas as crianças conseguem ser e permanecer crianças. Porque ser criança não é o mesmo que ter poucos anos de idade.»
Tanto nos poemas como nos textos narrativos de Fátima Murta surge um roteiro de fidelidade à ideia de não morrer. Em «Senhora do Carmo» do livro «Palavra de Mãe», o poema é poema mas sem deixar de ser uma oração:
«Assim eu viva contigo sempre a meu lado, estrela
Assim eu morra mergulhada no teu firmamento
e quando a escuridão me seduzir ao afago dela
me ouças gritar: Mãe, fica só mais um momento!»
Se ficamos junto da mãe, da mãe do Céu, da mãe da vida, da mãe da alegria e do amor, então será possível o poema matar a morte. Também na canção «Senhora da Aparecida» há uma quadra que diz textualmente:
«Você me apareceu
Quando eu menos esperava
O mar unido ao céu
Ao meu redor gritava»
Se ficarmos junto da mãe, a oração que o poema também é, servira de ponte entre dois mundos. O do precário e o do eterno; o das lágrimas e o da alegria sem fim; o do efémero e o da posteridade. Dito de outra maneira: o dos Homens e o de Deus.
Os poemas, as canções e os textos narrativos de Fátima Murta comungam, praticam e proclama esta verdade tão antiga como o Mundo: «Só há uma medida para o amor que é amar sem medida.»
eu acordei com uma canção-poema, hoje. misturei e ficou linda.:-)
Amor, poesia e oração. Às vezes complica-se o que é fácil de entender, sobretudo quando aquilo que procuramos perceber está dentro de nós ou diante de nós. Basta um pouco de atenção. É elementar que para surgir o amor, sonhado por todos os homens e mulheres, cantado pelos poetas, especulado pelos filósofos, é necessária a presença de duas pessoas. Não se ama sozinho. Não será nunca o «homem e a sua paixão», o «poeta e o seu sentimento». Serão eles, sim, e a sua amada. Se não sabemos exactamente o que é o amor – e sabemos nós, exactamente, seja o que for?- podemos, de certeza, constatar que amor é partilha de sentimentos, de emoções, de pensamentos. É a impossibilidade de comunicar com alguém até à raiz do nosso ser, tu e eu, olhos nos olhos, que faz chorar os poetas numa dor de «fogo que arde sem se ver», sentindo-se, mesmo assim, na antecâmara do paraíso, num «contentamento descontente», alegria e desesperança de quem se apercebe de uma tão intensa e linda paixão não correspondida.
A sensação é de desespero e morte e não há oração ou poema que atenue a dor. Quando assim acontece, o poeta não canta o amor mas o desencontro com a vida. E orar é tentar iludir a realidade da solidão. O amor não é algo que eu tenha dentro de mim e que posso dar, como se pode oferecer um colar de diamantes. Isso é apenas o meu sentimento. O amor só se realiza se, do outro lado, o meu amor se torna presente a mim e me dá o beijo da vida. Bem se pode dizer que o amor não é meu nem é teu, nem existe dentro de mim ou dentro de ti, porque só existe como «nosso». E, como tal, não depende da minha vontade ou da tua.
Por isso o amor nos parece sempre tão perto e tão distante, tão ao nosso alcance e tão impossível! Quem ora, já desistiu dele? Ou procura, em Deus, um amor substituto!
E depois há isto: os amantes não sofrem a tortura da ausência e da distância, porque quando estas acontecem, nesta vida efémera e cheia de surpresas, fica a doce saudade que nos enche de calor o peito e de água os olhos.
Ao ler este post, lembrei-me da poesia da Adélia Prado.
há uma forma de amor que é a compaixão universal que é muito desmaterializada, ama-se tudo sabe-se lá porquê, tanta beleza, e se ficamos tontos vem uma brisa fresquinha afagar-nos a cara.
perdoem-me os dois poetas que, aqui, misturo: CC e AO: nnão está uma delícia?
(acordei a cantar, em silêncio, assim.)
“escrevo o amor com
as mãos que te batem
as dores que te encolhem
escrevo o amor com
as formas do que esfola
os calos do que piso
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
escrevo o amor
no amor no grito
no não que não salvo
no sabor do aflito
escrevo o amor com
as manchas que te dou
o merdas que te dançou
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
escrevo-te o amor
em letras de desistência
em lâminas de ausência
escrevo-te, amor:
escrevo-te (o) amor.”
Eu gostava tanto de saber gostar de poesia…
se queres, mesmo, aqui vai a lição número um, blondinha. :-)
(já tentaste ver o teu próprio rosto sem ser pelo rosto de alguém ou pelo espelho? Não? tenta e depois diz-me como foi).:-)
Sinhã,
sem ser ao espelho?, sem ser no reflexo meu na íris de alguém?, sem ser na janela de uma montra (local prferido de Blondes, óbvio)? Hmm… e como é que isso se faz? Eu sou alemã, é-me muito difícil encaixar isso.
Blonde,
faz um exame de consciência…Vais ver que não estás assim tão desfigurada.
:-) eu não disse que era rapidinho. :-)
(quem disse que a poesia é, assim, veloz?) :-)