«Crer é poder»

O jornal Sporting existe desde 31 de Março de 1922 e é, por isso, um dos mais antigos jornais de Clube da Europa. Saiu recentemente mais um número e lá está o que eu não queria ver: no site «www.sporting.pt» reproduzem a primeira página com um erro clamoroso. Trata-se da frase «Crer é poder» que surge em vez de «Querer é poder».

Numa semana em que o presidente da Direcção deu uma entrevista à Visão onde, blasé, se queixa do tempo que perde com o Sporting, tanto a despachar assuntos como a acompanhar a equipa de futebol, aparece dias depois o jornal a dar-nos este exemplo de incompetência a lidar com a língua portuguesa. Duas tristezas entre uma quinta-feira e uma terça-feira, é muito para um «leão».

No tempo da «quarta-classe bem tirada» qualquer pessoa sabia a diferença entre «querer» e «crer», pois querer tem a ver com vontade e crer tem a ver com fé. Tal como sabia a diferença entre «cozer» na panela e «coser» com agulha. Penso também em toda a legião de jornalistas e de colaboradores que entre 1922 e 2006 escreveu no jornal Sporting dando o seu melhor. Alguns devem estar a dar voltas no gavetão.

Mas não é apenas a língua portuguesa que aparece maltratada. É o facto de sermos motivo de chacota para os outros. E isso também é um ónus pesado. Ainda há pouco tempo o director (que surge sempre nas páginas do jornal de braços cruzados) tinha confundido «arguido» com «acusado», mas foi numa página interior. Agora dar um erro crasso na primeira página e em letras grandes é mesmo para ficar envergonhado. Como dizia o Poeta – «o que não tem sentido é o sentido que tudo isto tem».

José do Carmo Francisco

28 thoughts on “«Crer é poder»”

  1. Ui, Zé. Acalma-me essa nostalgia que te faz dizer (e talvez pensar) que antigamente «qualquer pessoa» sabia isto ou aquilo. Não sabia, afianço-te.

    O mundo pode estar a andar para pior. Mas não nestes inofensivos terrenos.

    Ou será a nostalgia do próprio jornal que fala alto em ti?

  2. Caro José Francisco.”Querer é poder” é o aforismo republicano e laico. O que o “Sporting” escolheu é a sua versão católica e apostólica, pois está escrito que “a fé move montanhas”. Se isto não é poder…

  3. Caro José,

    acaso já ouviu falar na palavra criatividade? É ela que permite que, entre outras coisas, se possa reconstruir uma frase feita – mantendo-lhe a força mas alterando-lhe ligeiramente o conteúdo. No caso que apresenta, o jogo de palavras é evidente; e é, até, bastante interessante. Porque crer – mais do que querer – é o maior dos poderes. Pode crer, meu caro amigo. Mesmo sem querer.

    Abraço.

  4. JP,

    A sério? Nunca reparei.

    Eu pensaria antes em O’Neill, em Cardoso Pires, em Fernando Assis Pacheco, em Mário de Carvalho.

    Onde fazem disto a Agustina e o Saramago?

  5. Não confundam as coisas e as pessoas. Criatividade é uma coisa; ignorância é outra. Eu chamo a isto escrever de ouvido. Crer por querer. Como dizia o outro: safa!

  6. Fernando, estás a brincar comigo – pelo menos em relação ao Saramago, pois sei que és um leitor atento da sua obra (lembro-me de um «Quem não tem cão com felinos se vê obrigado a caçar», por exemplo). Em relação à Agustina, lê por exemplo o livro da Silvina Lopes Rodrigues – ela é o epigramatismo em pessoa.

  7. Caro Fernando Venâncio: por mero acaso (juro) estive a ler o livro «Maquinações e bons sentimentos» e na página 117 lá está uma coisa que tem a ver com palavras trocadas. Cito: «Quanto a Pulido Valente (que a certa altura já se chama Guedes) e que disse ser ele «escritor muito mau, de terceira ou quarta categoria», Vergílio afirma-o ora cretino ora cabotino.» Trata-se de um texto de 1993 e como vês a história do Vasco Correia Guedes já é antiga. Tu é qeu já não te lembravas, penso eu de que.

  8. Meu Caro José do Carmo Francisco
    Se foi troca, motivada pela ignorância, é lamentável. Se foi propositado, e uma vez que o “crer” vem antes do “querer”, está de acordo até com o verde das nossas camisolas, pois a esperança é a irmã gémea da crença ou fé.

  9. Erro ou não, crer já é poder. Não vejo o erro. Distorceu-se um adágio, uma ladainha velha que até fede de tanta antiguidade e se há inovação pelo erro, pela escorregadela semântica, porque não?

  10. Só peço uma coisa: em nome dos meus 18 anos de colaboração permanente no jornal nos quais publiquei perto de mil crónicas sob o título «As palavras em jogo», não me venham com hipóteses de criatividade em pessoas que confundem «arguido» com «acusado». Essa, não! Foi erro e erro crasso.

  11. Para além do que a Cláudia escreveu, que subscrevo, quero apenas chamar a atenção para o facto de, em parte, ser falso o que se descreve neste ressentido arrazoado.

    Com efeito, na entrevista referida, o presidente do SCP nunca se queixou do tempo que perde com o Sporting. Refere que lhe dedica uma hora por dia, isso sim. Manifestamente insuficiente mas bem diverso da imagem que aqui se tenta fazer passar.

    Já agora: acreditar é poder! Está bem assim?

  12. Zé do Carmo,

    Tu queres que seja erro. Queres que o jornal que te injustiçou (disse eu bem?) seja um coio de incompetentes porque sim. Essa tua vontade é tão grande que se torna suspeita.

    Eu só vejo um risco, e grande também: o de acabares a falar sozinho.

  13. Claro que vou acabar a falar sozinho tal como todos dormimos sozinhos mesmo em cama da casal. Mas daí a que o erro exista porque eu quero vai uma distância do outro mundo. O erro existe porque sim, porque é inevitável. Não sou o carrasco neste caso; sou a vítima. Eu é que tenho vergonha do jornal; o jornal não tem razões para ter vergonha de mim. Dei sempre o máximo e o melhor de mim mesmo.

  14. JP,

    O exemplo de Saramago que dás é uma variante algo… desajeitada (para ser simpático). Já Agustina pode valer por outro lado. Não como criadora de variantes de frases feitas, mas como criadora de epigramas tout court (epigramas loucos, mas fascinantes, concordarás).

    Nada disso tem a ver com a criatividade no milímetro quadrado que conhecemos de O’Neill e dos outros citados.

  15. Claro, o registo poético presta-se mais a este tipo de exercício. Mas deixa lá os nomes consagrados e, quando puderes, devora aí dois novos poetas que até são fãs do O’Neil: Daniel Jones e Daniel Maia-Pinto Rodrigues.

    O jcfrancisco tem a rara capacidade de me emocionar com os seus comentários. Há ali uma ingenuidade de princípios que é muito rara hoje em dia.

  16. JP,

    Acertas quanto ao jcfrancisco. Aquilo são (cálculo meu) cem quilos de honestidade. Casmurra. Mas desarmante.

    Quanto aos juvenis poetas: coloca aqui qualquer coisinha que aches os represente.

  17. Ó José do Carmo,

    Penso que até meninos com a tal “4ª classe bem tirada” teriam percebido a brincadeira do título do jornal do Sporting, e o que ela tentava referir, a necessidade de crença na vitória… essa cabecinha parece muito bem afinada para alfinetada mas fraquinha para raciocínios mininamente abrangentes.

  18. Todos estes comentários por um clubão, um sporting que nem sequer é um invencível armado (espero que percebam o meu trocadilho, ainda por cima revelador de bons conhecimentos históricos)! É de um adepto (por acaso não sou)ficar orgulhoso.
    E já agora só dizer que prefiro um JCF ainda que ingénuo, com o comentário à flor da pele e ardente defensor dos seus “ódios”, que um Saramago escritor de segunda ordem, pese ao enroupamento que tentam dar-lhe de geniaço com a foice/martelo em riste.

  19. Não se esqueçam de uma coisa: vocês não podem falar em criatividade quando estão perante pessoas que há pouco tempo chamaram «madeirenses» a jogadores de um Clube de Ponta DElgada. Duas vezes: na Internet e no Jornal. Criatividade naquela gente? Safa!

  20. Zé,

    Alguma vez te ocorreu que a pessoa que fez um desmando não precisa de ser a mesma que foi criativa?

    Teremos de concluir que é tudo para deitar fora, no jornal «Sporting», desde que tu de lá saíste?

    Desculpa, mas acho que o teu ressentimento começa a tomar formas algo paranóides.

  21. Quem é que disse que era erro. Os sportinguistas sempre acreditaram que ganhar é uma questão de fé, e não de vontade.

  22. É óbvio que se fosse um caso isolado eu não dizia nada mas foram sete pessoas que saíram a mal em Novembro passado: seis jornalistas e um fotógrafo. Era um jornal com 40 páginas hoje é um boletim com 24.

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