Uma menina de 9 anos escuta um ela morreu.
Não era para ouvir?
Morreu. Uma outra menina já morta no tempo somado de 730 dias. 730 dias de conversas com uma morta de braço amputado, mas deus chegou-lhe ao ombro e espalhou-se na menina que acordou 730 dias morta, até poder-se sussurrar ela morreu.
A menina comida pela morte da outra menina foi pela primeira vez ao cemitério. A única campa que não viu foi a da amputada. A viagem secular por pedras e monumentos, cruzes e anjos, abandonados porque mortos os vivos dos mortos com eles transformados todos em passado, todos mortos. A viagem secular por pedras e monumentos, cruzes e anjos, ainda brancos, ainda sem musgo, ainda com flores frescas, ainda conservados esses mortos pelos seus mortos adiados.
Parar nessa viagem em cada campa e ver o diabo no tracinho, começar a fazer contas, tinhas 12 anos, tinhas 92 anos, tinhas 41 anos.
Assim começa a urgência.
E a impossibilidade. De chegar a todos os lugares de vidas breves, de mortes adiadas, e fazer render o tempo dos mortos adiados, fazer do diabo do tracinho uma vida que seja a que aconteça, mas que não mereça de Poder algum a condenação à indignidade.
Ficar no horror da pátria, essa coisa que exclui, mas ficar.
Um cão a mijar nos seus pés e algures vozes de uma só voz a clamarem a dispensa do estrangeiro, do imigrante, do cigano, do preto, da mulher que não quer o tracinho ditado por um aborto, do gay, da lésbica, do transexual.
Olhar fixamente para o mijo do cão para não explodir.
Uma menina vê um autocarro passar por cima da jovem angolana que cuidava dela. Uma viagem em cada campa e ver o diabo no tracinho, começar a fazer contas, tinhas 12 anos, tinhas 92 anos, tinhas 41 anos e olhar a tua campa, fazer uma conta e dizer dá vinte anos certinhos, a tua morte.
Assim se aguda a urgência.
E a impossibilidade. De chegar a todos os lugares de vidas breves, de mortes adiadas, e fazer render o tempo dos mortos adiados, fazer do diabo do tracinho uma vida que seja a que aconteça, mas que não mereça de Poder algum a condenação à indignidade.
Ter 20 anos e não ter ouvido a dor abençoada pela lei do estudante do corredor do lado. O poeta magrinho que sentia o que todos sentem, por acaso por jovens do seu sexo, desejar e amar como qualquer um e ser o imigrante das ilhas, paneleiro, cabrão que não gostava da bola: abater a aberração.
Pediu desculpas e saltou.
Assim se assume a urgência.
Não dizer de vida alguma que ela seja um ruído incómodo. Porque não é parecida com o vestuário maioritário.
Visitar cemitérios e dizer morreu disto ou daquilo, mas Poder algum se atreveu a retirar-lhe um lugar.
Urgência.
Na urgência a pulsação, rejeição do jogo, fazer da pátria o que ela não é por vocação, fazer disto um lugar onde todos começam a rastejar e a andar com as mesmas árvores que lançam a única eternidade.
A urgência de exigir do Poder a urgência.
Porque 90 ou 14, ditados por um tracinho preto, é sempre breve. Não há tempo para o tempo dos burocratas; não há tempo para o tempo de esperar por um tempo mais favorável; não há tempo para jogar à bola com a liberdade e a igualdade.
Há apenas tempo para a exigência da urgência de não perder tempo.
Esta coisa é de todos: que ninguém viva morto, sem lugar na terra dos vivos autorizados; que ninguém morra sem ter sido reconhecido.
obrigada. :-) (um abraço apertadinho)
*
Deve ser revoltante par um preto, que não se vê igual a um cigano, um cigano que não se vê igual a um preto, um gay que não é obrigatório ser uma coisa nem a outra, serem metidos no mesmo saco constantemente, sem lhe pedirem opinião.
Magnífico texto, Isabel.
O ar, que Isabel Moreira expira,devia ser inspirado pelo colectivo Político/Partidário a que,muito bem,pertence.Lamento que,para o nosso mal comunitário,tal não se verifique.
Mais uma vez,tiro o meu chapéu a um texto escrito por uma Senhora Deputada da República que não só desempenha com Dignidade e sabedoria superior as funções de Estado que desempenha,como nos diz que no Parlamento Português,ainda existem Pessoas,poucas ,eu sei,para quem a Decência e o Respeito pelos Eleitores,não são Princípios Adquiridos nas universidades de jotinhas com extensões a escritórios e empresas de má fama que para outros fins não tem servido a não ser a prática organizada do mal fazer a benefício próprio e dos interesses superiores ($) que servem com fanatismo,quase,religioso.
Como já foi dito: magnífico texto, cara Isabel.
curti o frame do mijo de cão. tamém escrevo umas cenas parecidas quando fumo barba de milho.
A Senhora Deputada Isabel Moreira, é um oásis no meio do deserto que é o grupo parlamentar do PS