Uma reportagem indigna

Ontem, no telejornal da SIC, foi apresentada uma reportagem sobre o “António Bento”, combatente em Angola, na guerra colonial, durante a qual se apaixonou por uma angolana. O título da peça é o meu filho ficou lá.

Quando chegou a Portugal, deixou-a grávida, mas quarenta anos depois a grande reportagem assinada pela SIC e pelo Jornal “Público” – uma investigação – mostra o ex-combatente cheio de princípios a querer conhecer o filho (biológico).

O pai explica, por exemplo, que ao contrário de muita gente, tem por correto um filho ter o nome do pai no bilhete de identidade. É um bom princípio, quarenta anos depois, e é bom ouvirmos António Bento explicar que é diferente de tantos e que faz isto apesar de ser muito difícil para a sua mulher. Ele é forte. Quarenta anos depois vai a Angola. Com a SIC.

Esteve 2 anos em Angola e afirma que se apaixonou. As câmaras filmam fotos e o caminho até Angola.

Relata o momento em que viu uma mulher negra encostada a uma palhota, a negra que para ele era uma mulher linda. Passados uns dias já estava na senzala com a sua paixão que se chamava…penso que Esperança.

Foram 12 meses que o ajudaram num conflito armado. Foi feliz na guerra graças a ela. É bom que alguém nos dê carinho e isso. A banalidade segue.

Gostava tanto dela que até viveu um mês na senzala a comer frango de churrasco todos os dias (!). Pronto, às vezes ia ao quartel tomar banho, porque ali era no rio.

Pronto, nasceu um filho.

As câmaras filmam. O pai liga para o filho. O telefonema é filmado e o pai relata que o filho disse, como muita tristeza, de um dever para cumprir, não estava lá (mas o pai é o primeiro a saber o que é um dever). O pai ficou de rastos, porque voltar a Angola é difícil, mas foi na mesma conhecer a família em Luanda.

O grau de encenação desta reportagem é repugnante. Os elementos históricos de subjugação e racismo tentativamente apagados revoltam. Indignam.

O momento da filmagem do pai subitamente herói com a sua família é um insulto. O homem fala com gente sem expressão, como que apanhada num filme, que responde a perguntas sobre o que para essa gente é evidentemente nada.

De crianças a adolescentes a quem o pai vai perguntando se este e este são netos, ouvimos sempre: – abraça-me, sou teu avô, não tenhas medo.

O que o pai quer dizer à reportagem diz, numa encenação, a uma mulher e a duas crianças. Às tantas pergunta pela Esperança, perdão, pergunta se ela já tinha falado dele.

Qual é o problema?

Tudo.

Estamos perante uma histórica típica da guerra colonial. Uma relação evidentemente desigual, como uma negra que consola o combatente que até – imagine-se – dormiu com ela na senzala.

Estamos perante um abuso jornalístico que reproduz os estereótipos da subjugação, não só na história reinventada, mas na imagem escolhida, como a família posta em fila numas cadeiras em jeito de afeto descoberto.

Estamos perante um homem banal que engravidou uma desigual e que quarenta anos depois entra-nos pela televisão desejoso de mostrar a sua moral singular e de conhecer o filho que nunca esqueceu.

Estamos perante uma reportagem que espelha o colonialismo, o racismo e o sexismo, aqui espantosamente descarado por nem se disfarçar a ausência da história da mulher, do ser humano de nome Esperança.

A Esperança é um apagamento. A Esperança é o apagamento.

A reportagem pode encenar o que quiser a partir da retórica do pai, e dos abraços, tantos abraços, mas a ausência de emoção da família e do filho que surge no final mostra uma única orfandade sentida e aqui censurada: a tal negra que consolava e que se chamava, imagine-se, Esperança.

A Esperança é, na história verdadeira, uma mulher subjugada.

E aqui não há família alguma. Há um espermatozoide a tentar arrancar lágrimas à audiência.

31 thoughts on “Uma reportagem indigna”

  1. “um homem banal que engravidou uma desigual”

    Eis mais um inconseguimento mental. Então apelidar a pobre coitada de “desigual” não é racista? Estes lapsos freudianos são lixados pá, escreve-se para a plateia mentecapta de esquerda basura e sem querer sai uma coisa destas.

    Não quer ir fazer um documentário sem estes estigmas raciais, uma coisa tipo, “Cova da moura, um bairro pleno de “desiguais”

  2. “Esperança é, na história verdadeira, uma mulher subjugada.”

    Esteve 40 anos sem ver o gajo e é uma gaja “subjugada”. Subjugada a que?
    Aqui temos mais um inconseguimento mental, uma “sub-jogada”para canto, um auto golo mental.

  3. Progenituras de pai incógnito realmente é mesmo um fenómeno nunca visto fora das relações de subjugação colonial, coisa digna de ser imortalizada no Museu da Chibata.

    É claro, se a Esperança fosse um avantajado mancebo de músculos reluzentes e o nosso furriel fosse um delicado transsexual ávido de multiculturalidade, aí até deviam ser entregues ao casal todas as criancinhas da sanzala, para a correcta aprendizagem tribal.

  4. O texto está bem.
    A Sic tem coisas desse género, e a TVI também, caem na categoria do ” Perdoa-me “.
    Repito, o texto está bem .

  5. estás a ficar esquizofrénica, Isabel.:-) não é possível, portanto, uma história de amor e uma senzala durante a guerra. não é possível que a preta se tivesse consolado tanto quanto o branco. a preta tem de ser coitadinha, claro, sem conseguir nem seduzir nem ser amada. só falta acrescentar que quando os brancos não arranjavam pretas para subjugar metiam-se com outros brancos e também com pretos e terá nascido aí o desrespeito pela homossexualidade de afectos. mais um bocadinho e consegue-se fazer a ponte para os filhos da ciência, que nem precisam de pai, que terminam tal e qual como o texto: espermatozóide a tentar arrancar lágrimas à audiência.

    só tenho duas palavrinhas para ti: vai pastar. dedica-te mais ao presente e às vítimas dos abusos do governo – estas sem inúmeras narrativas subjectivas, realidade absolutamente objectiva, para dar que falar.

  6. indigno é um país onde os deputados são pagos a peso de ouro quando a maioria da população não vive com dignidade. escreve sobre isso e sobre essa desigualdade atroz que é o elitismo. vá, tu és capaz, Maria. :-)

  7. Ó olinda tenha dó! Que raio de leitura mais enviesada! Sou uma simples cidadā, sem “vincos” ideológicos, e senti revolta, repulsa ao ver a reportagem. O que o branco ia dizendo, de tão patético, agigantava a dignidade daquela família, calada, de olhar fixo, constrangida. Que m….da foi aquilo ali? Largou a rapariga grávida e volta passados 40 anos? ….nasceste no dia 15 de janeiro, diz o patético do homem para o filho como se este fosse um atrasadinho mental…..sou teu avô, não tenhas medo, diz o fulano a um dos putos. O preto com medo do branco continua gravado no imaginário deste sujeito catapultado a homem que cumpriu um dever.
    Senti vergonha alheia!

  8. Que a reportagem da SIC não vale um chavelho, dou de barato !Mas Que a Isabel parta daí para uma critica sociológica completamente deslocada do contexto, parece-me redutor. A ideia de julgar a história à luz dos valores do presente e da circuntância de quem o faz, é um exercicio inevitavelmente condenado à demagogia fácil.
    A permissa subjacente de que um puto tuga de 20 anos nascido e criado nos bastidores do Alto Alentejo devia ter chegado a Angola com uma consciência sócio-politica formatada pelos valores do presente, é falaciosa. E embora os factos sejam aquilo que são, importaria não esquecer que para uma jovem negra de meio rural, ontem como hoje, entre ser mãe de um dos 12 filhos que o negro que lho fez tem espalhados pelas redondezas, ou ser mãe do mestiço que o tuga lá deixou, pois que venha o diabo e escolha !E dizer isto não é relativizar nada. É simplesmente fazer um exercicio que a Isabel não considera: considerar a eventualidade de a negra ter feito uma escolha livre.

  9. Ó Olinda! Que formação a tua! Que humanismo o teu! Consegues colocar-te num patamar inferior ao do “tropa” que se consola, engravida uma preta e deixa mãe e filho para trás durante quarenta anos. Paixão?! Romance?! Seria verdadeiro, dignificante e digno de todas as reportagens, se o “tropa” assumisse paixão e romance e trouxesse tudo na bagagem de regresso à terra. Foda-se, Olinda, o que descortinas de humano nesta farsa, a não ser a capacidade do homem ser farsante? Assim compreende-se melhor a qualidade dos comentários que tens deixado neste espaço. Que sabes tu do hipotético prazer da preta que fica com um filho nos braços e vê partir o seu hipotético “amor” para os braços da sua paixão branca? Alguém da reportagem ouviu a Esperança? Alguém falou do abandono a que foi votada? Mas o “tropa” só se lembrou, na hora da reportagem, da dor e da compreensão da sua amada branca…Saudades? Só se for das quecas baratas ou gratuitas e descomprometidas, bem melhor consolo que “esgalhar o pau” pelos cantos do quartel.

  10. val o indigno,é um gajo só passado 40 anos é que se lembrou do filho e porque foi pago pela sic.ao contrario do que muita gente pensa,as pretas,não estavam de pernas abertas para os brancos militares.dependia da região.no norte (angola) só as prostitutas ( pouco respeitadas pela comunidade) tinham relaçoes com os militares. no sul (ex pereira d,eça) elas vinham ter com tropa.val tinhamos pouco mais do que 20 anos, há que ver o contexto.a consciencia politica a norte determinava muito o comportamento.a minha lavadeira de mim,quando vinha ao quartel trazer-me a roupa, alem do pagamento levava a minha refeiçao para os filhos.para terminar,aquele caralho de ontem (gajo sem vergonha e principios) fez-me lembrar o corneteiro da minha companhia que por onde passava “acampava” na zanzala.o comandante de companhia para ir dar a queca (no sul) ia de maquina fotografica ,armado em fotografo para soldado ver,mas depois deu uma carecada a um soldado,porque lhe andava a comer a mulher que ele julgava sua.nestas relaçoes a sul não havia dinheiro como contrapartida,era do interesse de ambas as partes.estive em angola numa altura em que a psico social estava a aumentar, e alguns abusos (a norte) era denunciados por elas junto do comandante de companhia. este furriel,não tinha comando,caso contrario na tinha ido até onde foi,pois não lhe era permitido.

  11. peço desculpa,julguei que o texto era do val. já agora indigno era o comportamento dos portugueses civis,que abusavam da sua posiçao dominante como patroes.

  12. Há luta feroz pelas audiências onde o critério estético e ausência de informação séria são o plus desejado.
    Provocam altos índices de assistência e são conversas de soalheiro e prato forte em locais de encontro de apreciadores do reles e do sentimentozinho de pacotilha com correios da mãnha espalhados gratuitamente pelas mesas.
    Locais onde também se fala de política e políticos num universo fechado de indigência espiritual.
    Estão arranjar um grande sarilho futuro… olá se estão.

    Para ser franca nem consegui perceber o que levou a sic a fazer um peça com aquela falta de respeito humano expondo insalubridade e vidas de miséria a troco de uma história dum homem a quem pagaram para voltar ao local do crime.

    Vai mal a sic, vai miserável o critério editora de todos os ainda designados orgãos de comunicação sem excepção.

    Felizmente o serviço de gravação faz deslizar e desaparecer rápido reportagens como estas que olho para aferir o alerta de quem respeito.

    A grelha de notícias em pescadinha e orientadas para posições únicas desde os USA até à fronteira com a Rússia merecem ser avaliadas.
    Gostava mais que perdêssemos tempo com essa avaliação que com a miséria editorial da sic e mais todos os canais em busca desesperada de :
    – me too I am mãnha.

  13. não vi a reportagem da sic, mas a história foi contada hoje no público e não me parece tão má como a isabel pinta. retive o comentário do sr. Marques Simões de Oliveira:
    “Essa historia comove qualquer. Deixou-me em prantos. Mas ha um elemento muito importante. Acredito que o Sr. Antonio deve registar o filho. Ai os netos teriam a possibilidade de um dia se formarem na Europa e terem um futuro melhor. Por favor nao me interpretem mal mas estariam a fazer um servico completo dando um novo horizonte para essa familia.”
    http://www.publico.pt/sociedade/noticia/quem-e-o-filho-que-antonio-deixou-na-guerra-1699039

  14. Isabel Moreira: «A Esperança é (…) uma mulher subjugada. (…) Há um espermatozoide a tentar arrancar lágrimas à audiência.

    Porque é que a Esperança não é reduzida à condição de óvulo? Quando é que acaba a discriminação gamética?

  15. ó Nina e Maria Abril, ainda estará para nascer alguém com mais e melhores valores humanistas do que eu. e é precisamente por se tratar de uma narrativa absolutamente subjectiva com asas para a ficção no ecrã que não pode nem deve ser legendada como racista. ainda por cima nem a versão da Esperança se sabe. é, sim, um pretexto para falar de racismo – e incitá-lo – quando o racismo não precisa, lamentavelmente, de pretextos.

    já agora, Maria Abril, não sei a que comentários meus que não gostas te referes mas tal é imensamente irrelevante – tanto para me responderes nesta caixa como em geral no blogue: o lado para o qual eu durmo sempre melhor é de barriga para baixo, toda aberta, reflexo da minha consciência absolutamente sossegada de tão consolada por dizer sempre o que pensa. sem censura.

    viva a opinião da Olinda! viva o amor veloz entre a preta e o branco! via a senzala! viva o drama feliz digno de romance do pai que conhece o filho após uma vida! vivam as vidas estranhas! vivam as diferenças! :-)

  16. A autora do texto está DESNORTEADA. É uma mulher com um VAZIO enorme, INFELIZ, sem perspetiva, REVOLTADA, que NÃO se encontrou até aqui. Continua a errar no que apresenta, na forma como apresenta. É INSEGURA, é feia por isso tudo. Porque quer.
    Lamento que se dê voz a uma mulher que se pensa DONA da verdade, que NÃO TEM um PINGO de SENSIBILIDADE nas análises que faz, que PASSA por CIMA da forma como os OUTROS SENTEM. Que vê TUDO na perspetiva do CONFLITO, do RALHO. Esta mulher está PRESA na RAIVA e, por isso, DISPARA em todos os lados. NADA sabe sobre o ser POSITIVA. Esta MULHER é UM ERRO que deseja o ERRO dos outros para se manter viva.

    Esta mulher, que se adianta como defensora de direitos, só PORQUE QUER SER DIFERENTE, porque ela não SENTE, porque não sabe SENTIR, não deve falar de filhos BIOLÓGICOS. Seja biológico ou não, é FILHO. Não destrince, VOCÊ que se diz advogada e deputada e debita acórdãos, siga a LEI, porque neste concreto aspeto, a LEI seguiu a SOCIEDADE que não quis mais distinguir entre o biológico e o não biológico. Pois não defende a comunidade dos «não straights»? Esta autora usa apenas a defesa dos direitos que apregoa, TÃO SÓ para SER DIFERENTE e TER ATENÇÃO. Porque nunca a teve. Ora quando pode encontrar o que não teve na sua infãncia ou juventude, porque não trata de fazer o trabalho de casa emocional, designadamente, tentar começar a ver BEM, ARREPENDIMENTO nos outros?

    Fogo, é ISTO QUE ESTÁ NO PARLAMENTO? TRATE-SE.

  17. Como houve muitos homens que se limitaram a usar as mulheres em África, todos os homens são iguais, é isso?
    Como muitos homens não querem saber dos filhos que fizeram, todos são iguais, é isso?
    Claro que nesta mente impoluta e neste exemplo de conduta perfeita jamais existirá espaço para pensar que este homem pode ter estado 40 anos a consumir-se de culpa; que teve coragem para dizer à sua família em Portugal que pensava na família de Angola; que a família de cá o apoiou na demanda.
    Claro que não; claro que tudo é racismo, claro que tudo é sexismo.
    Claro. Porque tudo tem lugar no catálogo do nosso próprio preconceito.

  18. Já agora queria dizer-lhe, Isabel Moreira, que indigno é fazer cara de frete quando alguém fala conosco.
    Que indigno é fazê-lo mesmo que as perguntas dos outros sejam tolas – ou sobretudo quando o são.
    Indigno é a falta de educação que mostrou no programa em que a Manuela Moura Guedes abandonou o estúdio. Sim, porque ela foi chata, porque ela não percebeu, porque ela até pareceu burra. Mas a mal criada não foi ela.

  19. Se este antigo soldado tivesse um pingo de vergonha , nunca se teria prestado a este triste espectáculo. O que ele fez foi ABANDONAR o filho, e agora possivelmente a troco de alguma benesse da SIC , encenou um perdoa-me. Se queriam fazer uma reportagem sobre esses tempos , poderiam ter escolhido um dos muitos soldados, que acabada a comissão ficaram la com os seus filhos e ajudaram a criá-los , ou trouxeram-nos com eles para Portugal.

  20. Disse alguém lá mais para cima (meu itálico): «a Manuela Moura Guedes abandonou o estúdio. Sim, porque ela foi chata, porque ela não percebeu, porque ela até pareceu burra».

    O understatement do ano!

  21. Engraçado… A Isabel Moreira a criticar alguém por beneficiar do sistema opressor colonialista… Porque toda a gente sabe que, se há alguém neste país que nada beneficiou do sistema colonial e da ditadura, é a Isabel Moreira, filha de pobres agricultores beirões que nunca saíram das berças para serem ministros do ultramar, que não estudaram com o dinheiro obtido em sinecuras oferecidas por Salazar, que não viveram em casas compradas com dinheiro escravo. E viva a hipocrisia.

  22. Isabel Moreira, eu não consigo imaginar nada mais racista do que esse seu paternalismo. Eu tenho dificuldade em compreender quem não se comove com uma história assim, mesmo, ou até por isso, com todas as fraquezas que podem ser os seus personagens. Você reduz tudo a um esquema entre dominadores e dominados. É você que reduz aquela mulher a um objeto.

  23. Realmente…passado 40 anos “lembra-se” que abandonou uma mulher gravida, nem se lembrando mais do nome desta! E agora é aplaudido por querer conhecer o filho… 40 anos depois?
    Para mim o homem, já chéché, está cheio de remorsos, é o que é …

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