Quando os dados pessoais servem bem a populismos

Longe de mim dizer categoricamente que o Acordo entre os EUA e a República portuguesa no domínio da prevenção e do combate ao crime é um espanto de perfeição ou que não merece uma dúvida que seja sobre algumas das suas disposições.

De qualquer maneira, espanta-me ler títulos de jornais em clima de alerta social com a horrível notícia de que “Portugal cede dados aos EUA” ou de que “eurodeputados pressionam para anular acordo com os EUA”, com a inevitável Ana Gomes a densificar o assunto, até porque ela faz parte da delegação Europa-EUA sobre estas matérias e fala muito com congressistas. Custa, parece, que o Governo português tenha negociado e assinado um acordo sem falar com a Deputada europeia, por exemplo.

Depois é ler disparates sobre o horror de “só” se ter enviado o Acordo para a CNPD em Novembro de 2009, malvadez estranhíssima, quando sabemos que o Acordo foi assinado em 30 de Junho de 2009 e que terá de ser aprovado em Conselho de Ministros, enviado para a AR, não para “eventual ratificação”, como se lê no DN, mas para necessária aprovação. Sem aprovação no Parlamento, não há Acordo, porque a matéria é da competência da AR, e só depois será enviado para o PR, que ratificará o monstro (ou assinará – pormenor técnico), podendo ainda haver lugar a uma intervenção do Tribunal Constitucional.

Independentemente destes importantes aspectos procedimentais, sempre mal noticiados, começa a cansar ver um conjunto de pessoas aproveitarem políticas, leis ou convenções internacionais que, contendo aspectos sensíveis em termos de direitos fundamentais, por exemplo, são base segura para dizer umas coisas sem substância à imprensa e fazer política.

Eles “esperam” que se siga o parecer da CNPD, eles “assinam” documentos contra o Acordo, mesmo não conhecendo o teor do mesmo, eles avisam que é bom que o Governo português esteja a ter em conta o que se vai fazendo sobre isto no templo, perdão, no Parlamento Europeu.

Antes de alarmar as pessoas com disparates, seria bom explicar que há anos que se vem estudando (e pondo em prática), quer a nível europeu, quer a nível de vários países da UE, quer ainda a nível nacional, uma nova forma de olhar para o fenómeno da criminalidade internacional e, concretamente, para o terrorismo.

Sem histerismos, é impossível não concordar com o facto de termos instrumentos ultrapassados para fazer face ao que nos ameça no dia de hoje.

É impossível, pura e simplesmente impossível, combater internacionalmente o terrorismo agarrados que nem lapas aos quadros tradicionais de interpretação nacional do significante por detrás de cada direito individual.

O desafio é encontrar um justo equilíbrio entre a garantia de segurança dos cidadãos – de todos nós- e a protecção que tem de haver sempre, claro, dos direitos individuais.

Não por acaso, em 2004, se não estou em erro, os EUA enviaram o seu “legal adviser”  John Bellinger aos vários países europeus, para que se conversasse, já com alguma distância do trauma de 11 de Setembro, acerca de formas de cooperação no combate ao terrorismo.

Não por acaso, o Acordo que pôs alguns Deputados europeus a correr para o “anular”, é feito tendo em conta o Acordo de Prüm, que veio a ser considerado como bom pela UE, que adoptou a Decisão 2008/616/JAI, de 23 de Junho de 2008, relativa ao aprofundamento da cooperação transfronteiras, em particular no domínio da luta contra o terrorismo e da criminalidade transfronteiriças, e a Decisão 2008/616/JAI, de 23 de Junho referente à execução da Decisão 2008/615/JAI, relativa ao aprofundamento da cooperação transfronteiras, em particular no domínio da luta contra o terrorismo e da criminalidade transfronteiriças.

Tudo isto foi tido em conta e o Governo exerceu a sua competência; é isso, aliás, que prevê o Acordo entre a União Europeia e os EUA sobre auxílio judiciário mútuo, no seu artigo 3º, nº 3.

Está tudo bem, como diz o Maradona, e é tempo de esperar sem sobressaltos pelo parecer da CNPD – que pode vir a conter vários reparos, claro – e talvez de parar de gritar que Portugal vai ceder os nossos dados aos EUA, sem mais, porque, nesse caso, é bom gritar também o inverso.

É bom, sobretudo, que se perceba a questão de fundo, que não é certamente coisa de articulado; é antes o enorme desafio com que estamos defrontados, esse de encontrar um equilíbrio adequado entre a garantia dos direitos individuais e o combate ao terrorismo.

6 thoughts on “Quando os dados pessoais servem bem a populismos”

  1. Estaria relativamente descansado quanto a isto, não fora a realidade crua que inquietantemente desponta por detrás das boas intenções vagas. A perseguição ignóbil e desproporcionada de que está a ser vítima Julian Assange, facto que, aliás, constitui um tremendo bofetão na credibilidade da Justiça internacional, justamente praticado pela Administração norte-americana, ao seu mais alto (e insuspeito!) nível – a Dama Clinton -, justifica plenamente a pergunta: em que é que consiste mesmo isso do inefável “combate ao terrorismo internacional”? É o Assange algum terrorista? Não seremos, assim, todos potenciais terroristas?

  2. Outra senhorita espanadora de pós de museus a acenar com o safado e seboso espantalho do “terrorismo”, possivelemente paga com fundos de cofres obscuros do outro lado do grande charco atlântico. A luta do povo com a arma de baixo-assinados de um post atrás tranformou-se, nesta prosa policial sem pistola, na “luta contra o terrorismo e da criminalidade transfronteiriças”. Saudosos tempos em que só havia carteiristas.

    Haverá paciência para aturar isto? Acho que não. Mas se houver, que Deus nos ajude.

  3. Bom, confesso que eu era um dos que estava “alarmado” com os disparates, mas felizmente leio este esclarecimento:

    (…) feito tendo em conta o Acordo de Prüm, que veio a ser considerado como bom pela UE, que adoptou a Decisão 2008/616/JAI, de 23 de Junho de 2008, relativa ao aprofundamento da cooperação transfronteiras, em particular no domínio da luta contra o terrorismo e da criminalidade transfronteiriças, e a Decisão 2008/616/JAI, de 23 de Junho referente à execução da Decisão 2008/615/JAI, relativa ao aprofundamento da cooperação transfronteiras (…)

    Estou bastante mais descansado, já vi que não tenho nada com que me preocupar. É que, parafraseando também o maradona, eu gosto de estar esclarecido com estas merdas derivado a que. Nisto de privacidade e direitos fundamentais, convém não facilitar, porque uma vez a informação cedida passa a ser controlada por governos nos quais não tenho direito de voto, nem nenhuma forma (pelo que li) de me assegurar que eles são tratados com a devida segurança e cedidos apenas por razões válidas, de preferência não secretas, e utilizados de maneira responsável. Mas isto sou eu, que tenho a mania que sou importante. Eles concerteza sabem o que estão a fazer.

    Agradeço à Isabel ;)

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