O Diário da República numa República do século XXI

O acesso ao direito implica, nos dias de hoje, um acesso fácil e gratuito ao diário da república eletrónico (DRE). A complexidade legislativa, a difícil articulação entre diplomas conexos, a compreensão das normas através do acesso às que lhes antecederam é possível e poucos juristas exercerão a sua profissão sem este instrumento.

Acontece que o acesso simplificado ao direito não é reserva de juristas, mas um direito de todos, de cidadãos e de empresas, à luz do princípio de transparência, decorrente do Estado de direito democrático.

Ao longo de dois anos, este Governo conviveu sossegado com um DRE totalmente contrário ao sistema que estava pronto para ser implementado e que lhe foi entregue de boa-fé na “passagem de pastas”.

Para se perceber melhor, no âmbito do programa SIMPLEGIS, estava preparado um novo site do DRE, bem diferente do que foi oferecido ao país durante dois anos, que juntava as bases de dados do DRE e do DIGESTO para produzir o resultados como os seguintes: acesso totalmente gratuito, tanto às pesquisas por número e tipo de diploma, como a “pesquisas livres”, feitas com um novo “Google legislativo”; melhores pesquisas, com um verdadeiro motor de pesquisa do tipo “Google legislativo”; integração de toda a informação do DIGESTO e DRE (acede-se ao diploma e, no mesmo monitor, é possível verificar se está revogado, que legislação comunitária está na sua base e que regulamentos o desenvolveram); disponibilização de legislação consolidada; tradutor jurídico; dicionário jurídico; e divulgação de “Manuais de Instruções” sobre a aplicação das leis.

Naturalmente não se lança um site em momento eleitoral, mas ele não desaparece, fica pronto para ser posto ao serviço da cidadania, pronto, com todos os seus passos desenvolvidos com parceiros de associações empresariais, centrais sindicais, associações profissionais. Pronto. Todos viram o site em funcionamento e contribuíram durante meses para o seu desenvolvimento.

Não estamos a falar de um assunto menor. Estamos a falar de um historial de medidas que permitiram que em 2010 passasse a ser publicado na internet um resumo das leis em linguagem clara, em português e em inglês, o que permite a todos (cidadãos e empresas) compreender e atuar sobre as suas vidas. Estas medidas de simplificação, amigas do acesso ao direito, amigas da economia, amigas do crescimento, medidas pioneiras do que viria a ser o SIMPLEGIS, foram destacadas na UE como exemplo primeiro a seguir. Feita a passagem de pastas, assistimos a dois anos de austeridade que pelos vistos também atinge o acesso ao direito. É que, precisamente, os objetivos do SIMPLEGIS são a transparência (pessoas e empresas vão passar a poder conhecer com mais facilidade as regras que são aplicáveis às suas vidas e às suas atividades), a redução de custos (só em redução de custos diretos, estimava-se uma poupança de 200M€/ano para pessoas e empresas); melhor aplicação das leis (garante-se de forma mais eficaz que as leis produzem os efeitos para que foram concebidas); e a credibilidade internacional (as obrigações comunitárias de Portugal em matéria de transposição de legislação passam a estar permanentemente cumpridas, contribuindo para aumentar a credibilidade internacional de Portugal).

O Governo da austeridade entra em funções e austeramente deixa em funcionamento um DRE parado.

Isto é, em 2013, na sequência de um trabalho de modernização iniciado em 2006, com avanços em 2008, com avanços em 2010 e com um programa inteiro pronto a implantar, o SIMPLEGIS, esteve em vigor um sistema de DRE por..2 dias (???), regressando-se após esses dois dias obscuros ao DRE de 2010, mas ignorando todo o trabalho feito, avaliado e pronto a aplicar..

É forçoso perguntar o que trava o Governo também neste campo. Por que razão continua a haver assinaturas pagas em 2013? Qual a justificação para, em 2013, se pagar qualquer acesso que seja? Serão as receitas da INCM? Não parece, já que as principais receitas da INCM são hoje resultantes da produção de cartões de segurança e não da venda de assinaturas de DRE, certo?

Afinal, que resposta tem o Governo? Estará a mesma nos dois dias misteriosos de tira e põe? Tem de haver uma resposta para não termos um programa que estava pronto. É bom que nos seja dada, porque por maior que seja a perplexidade, não gosto de dar visibilidade a jogos de interesses que dançam como hipótese.

5 thoughts on “O Diário da República numa República do século XXI”

  1. Há muito tempo que não lia de Isabel Moreira um post que prestasse. Este vou já partilhar. Que não lhe doa a garganta. Isso precisa de uma explicação séria.

  2. Traduzindo por meudos : o acesso electronico ao diario da republica, que devia ser gratuito por todas as razões e mais algumas, continua a ser pago, muito embora o programa do governo anterior, que visava precisamente pôr termo a esta aberração (serviço pago, logo reservado a quem paga), tenha sido levado até ao fim.

    E’ isso ?

    Concordo.

    Boas

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