Portugal vai presidir ao Comité de sanções da ONU para a Líbia. Como é sabido, Portugal é actualmente membro do CS da ONU e, neste momento delicado, delicadíssimo, calhou-lhe este papel.
Não há qualquer razão para duvidar do bom desempenho de uma tarefa que não nos deve fazer cantar o hino nacional: pelo contrário, está dentro das possibilidades de se ter sido eleito membro do CS ser designado para um ofício com dignidade, claro, que deve ser cumprido com competência e sem alarido.
Claro que há sempre alguém que resiste, como o Bruno Sena Martins, dizendo da hipocrisia desta nomeação, repetindo pela milésima vez o fatal aperto de mão entre sócrates e o ditador líbio. Somos os paladinos de ocasião. Somos um nojo. Enfim, o indignado diz várias coisas nesta linha.
Talvez Bruno Sena Martins, como outros cidadãos de pensamento análogo, pudessem explicar que realmente não aceitam que exista uma diplomacia estratégica e económica balizada por alguns limites, como é evidente; talvez o grupo unido contra a “hipocrisia” das mãos socráticas que tocaram nas do ditador líbio (tal como todas as da direita que já pisaram São Bento) pudesse escrever uma petição reclamando a saída imediata de Portugal do CS, já que nele está presente o estranho caso que dá pelo nome de Gabão, a Nigéria e, claro, a magnífica República Popular da China, se nos ficarmos pelos membros permanentes. Mas a fúria pela pureza diplomática poderia ir mais longe e gritar por um Portugal longe de horrores que encontramos entre os 192 membros das Nações Unidas. É ler aqui as mãos que andamos a apertar.
E a CPLP? Em termos materiais, em todos os casos, estamos perante democracias plenas ? Angola, por exemplo, comove-nos pelo respeito que ali se observa pelos princípios que nos são caros num Estado de direito? Que tal nunca mais falar com eles?
Será que estas pessoas pensam mesmo que inventaram a roda?
Estas pessoas cavalgam a onda das indignações fáceis, da politica “fast-food”. O mundo do Bruno Sena Martins é simples: há os bons, a quem falamos, apertamos a mão e negociamos, e os maus com quem não falamos, cuspimos na cara e não negociamos, porque são ditadores. A esses devemos impor-lhes desprezo, sanções e isolamento.
(Excepto Cuba, porque esse só é mau porque os EUA lhe impuseram desprezo, sanções e isolamento. Não fosse isso, e era um tipo fantástico.)
Pergunto-me se, no mundo simples dos Sena Martins, a diplomacia seria sequer necessária – dá ideia que pensam que é um mal necessário, uma hipocrisia. Mais do que pensarem que inventaram a roda, acho que estas pessoas gostam de nos tomar por parvos.
(Mas faço notar que há também muita gente respeitável a falar igual desprezo dos Suíços e dos seus bancos onde os déspotas guardam os tesouros. Como se fosse responsabilidade dos Suíços decidir quem tem legitimidade governativa para usar os seus serviços. Talvez uma lista negra, decidida unilateralmente por eles. Seria, concerteza, uma questão pacífica e consensual.)
O Bruno Sena Martins talvez perfilhe da política do Bloco para as relações externas: orgulhosamente sós, exceptuando contactos com a Venezuela. E nada de receber malta do Governo de Angola, ou da família real de Espanha, no Parlamento, que é para eles aprenderem e nós ficarmos sem pecado.
Ó Isabel Moreira, vai-me desculpar mas creio que lhe vou ter que indicar uma “aspirina literária” para que perceba um mínimo de diplomacia. Intitula-se “Diplomacia Pura” e foi escrito pelo antigo embaixador\docente universitário João Calvet de Magalhães. É de fácil leitura e serve como livro de iniciação à diplomacia para os estudantes de Relações Internacionais.
No “Diplomacia Pura” João Calvet de Magalhães dá-lhe a noção do que em diplomacia se denomina “jogadas de bastidores”, como se fazem e que efeito costumam ter. Se ler outras obras do autor, terá alguns exemplos deliciosos de jogadas de bastidores que foram feitas e que surtiram efeito entre embaixadores e delegados de países ocidentais nas Nações Unidas. Se um antigo embaixador, um dos melhores que algum tivemos é o primeiro a afirmar que elas existem e que o público em geral não sabe da missa a metade, será que o Dr. Luis Amado (um dos amigos Portugueses do Kadafy) não é capaz de dar um toque ao Dr. José Moraes Cabral para ver se ameniza a coisa em prol da cooperação económica que existe entre os dois países? que por acaso mas só por acaso, é extremamente importante para nós no plano energético, plano esse onde como sabe somos extremamente dependentes. Não é capaz?
Da mesma forma que os homens de Amado iam à tenda beber chá com o ditador, também irão às Nações Unidas condená-lo por atropelo dos direitos humanos. É uma questão de coerência. Com a falta de coerência. “Real Politiek”, chamam-lhe os cínicos.
Mas o que é que esses senhores queriam? Que Portugal recusasse a incumbência? Francamente, não percebo esta gente!
Exactamente, “balizada por alguns limites”:
http://lishbuna.blogspot.com/2011/02/recordar-e-viver-xxviii-mais-de-200.html