As tristes notícias que deram conta de um massacre de cristãos coptas no Egipto permitiram uma série de discussões que revelam uma competição doentia em torno do número de mortos cristãos, uma espécie de felicidade disfarçada pelo facto de poder entrar no jogo dos mortos, mas com uma bandeira.
Aproveita-se a morte de seres humanos para se ofender ateus, para se recordar que não há apenas muçulmanos a morrer a gritar por um deus, para se exigir uma atenção especial aos mortos que sejam cristãos, havendo mesmo quem faça uso adaptado do famoso título de Kipling, “o fardo do homem branco”, para reclamar com matemática pronta perante uma alegada aprovação silenciosa de atrocidades cometidas contra cristãos.
Só em 2010, quantos muçulmanos morreram? E cristãos? Pelo meio fala-se em “ciganos”.
O que textos e exortações como estes recordam a quem os lê e escuta com incredulidade é que nunca superaremos o factor religioso. Por mais intensa que seja a liberdade religiosa, que deve ser defendida sem hesitações, há sempre uma identificação de grupos através de um critério religioso que não é meramente analítica, é também fruto de uma estratégia de poder.
Essa estratégia desenvolve-se por detrás da semântica dos consensos, mas torna-se evidente em momentos de crise, de confronto, em momentos cheios de mortos para reclamar com uma bandeira por cima deles, uma bandeira ajustada à tal estratégia de poder.
Em nome de alguma coisa ou em nome de um “quem” ou, regressando a um passado anterior às unificações baseadas no pluralismo político que aconchega nacionalidades e credos, diz-se assim: morreram tantos a rezar a Cristo; morreram tantos a rezar a Maomé; morreram tantos a rezar a Buda; e por aí fora, mortos em nome do divino que é um para uns e um para outros.
Quando o critério é usado para definir o Deus que menos mata ou o Deus que mais mortos faz, dá-se um tiro ambicioso na tal da liberdade religiosa, que é a liberdade de adoptar ou não uma religião, de escolher a religião y, de fazer o discurso que defende a crença ou o ateísmo, de não ser prejudicado por uma atitude religiosa nem por uma atitude anti-religiosa.
Há muitos mortos, todos os anos, que dão jeito a uma nova guerra por um certo tipo de poder.
Serão efectivamente rezados?
Dr.ª Isabel Moreira, é «Cristãos coptas», não “cooptas” (segunda pessoa do presente do indicativo do verbo “cooptar”…)! Por favor corrija, mas não publique este comentário. Para si muitas Felicidades, a todos os títulos, em 2011 (e em toda a nova década!)…
M. A. Alves.
publico, pois! obrigada por me ter apanhado o lapso
As bandeiras e os estandartes fazem sempre um jeitão a quem está mesmo à espera disso. Volto a Vítor Hugo e à mulher que chorava porque lhe mataram o marido em Paris. «Foi um branco ou um vermelho?» perguntou o escritor. «Foi uma bala, senhor» respondeu a mulher.
o monoteísmo dá nisso. ninguém morria com os druídas…cada um “orava” ao deus que lhe fosse mais simpático e todos na boa. não servia ao Poder semelhante religião , não é?
Pelo que leio e ouço, a religião só vem para a ribalta hoje em dia devido à guerra movida pelos fundamentalistas islâmicos contra as restantes religiões, mormente a cristã, por ser a dominante no mundo ocidental. Não fora isso e a religião, falo da cristã, debater-se-ia com o único problema que actualmente afecta a sua sobrevivência no mundo que é o da descrença e do ateismo. E não é problema pequeno. Evidente que a atitude dos fundamentalistas isâmicos vem dar argumentos para a (re)afirmação dos cristãos, que não vão perder a oportunidade para recuperarem algum protagonismo. Conseguirão? Pelo que me toca, ocidental e ateia como cada vez mais habitantes da Europa, duvido. Espero que tenham o bom senso de não deixar enveredar a coisa pelo caminho do confronto religioso, vitimizando-se e depois ameaçando. Era só o que nos faltava.
Ganda malha.
O Aspirina está mesmo muito melhor, com esta Isabel.
o druidismo agora é religião! Espero que ajude alguma coisa a voar sobre isto que anda aí no horizonte.