Muita da evolução das nossas condições de vida, da questão étnica a questões do domínio da sexualidade, deve-se, felizmente, a um olhar do jurídico sobre o real, olhar esse enquadrado no que define o Direito: não se vergar às leis da natureza. A cada discussão acerca de um avanço à conta do olhar informado da realidade, há um regresso ao obscurantismo que matou, negou direitos básicos às mulheres e silenciou abusos em nome do tradicional.
A argumentação é cíclica. Está tudo bem até que, por exemplo, homossexuais são tidos por cidadãos iguais em direitos a todos os outros. Nesse instante, regressa o obscurantismo, as leis da natureza, argumentam com animais, dizem-se contra a condenação penal deles, mas.. Nesse dia, a argumentação expendida não se apercebe que tem a mesma índole de tudo o que travou os avanços atrás referidos, justificando a diferenciação entre negros e brancos, que não podiam casar-se, porque era contra as leis da natureza.
De resto, entre nós, cada vez que o Direito passa para a lei o que a Ciência permite, atualizando direitos constitucionais, surgem petições de grupos previsíveis, e pedidos de fiscalização da constitucionalidade, os quais, porque enformados por uma moral expansionista, dão em nada. Veja-se o que aconteceu aquando da aprovação do regime jurídico da procriação medicamente assistida: petições a exigirem referendos e um grupo de Deputados a seguir a linha de argumentação da petição no seu pedido dirigido ao TC e falhando em todas as invocações, de resto confusas (Ac. Nº 101/2009). Para os que estranham avanços que não encontram lá por casa, as possibilidades substitutivas oferecidas pela PMA são contra as leis da natureza.
Pois são. E ainda bem, ou mais valia deitar fora a ciência e o Direito. E assim tem sido a jurisprudência do TC: nestas matérias recusa um conceito constitucional do que seja uma coisa ou outra.
Nas discussões sobre a co-adoção verifico que há quem não saiba que a adoção singular (como todas) é decretada em função do superior interesse da criança, independentemente da orientação sexual de quem adota. Gays e lésbicas já adotam há muitos anos e talvez seja racional que o facto aconteça sem promessa por parte do adotante de não constituir a sua família. Explica-se então que há crianças em famílias com dois pais ou duas mães, sem que isso seja problema, como é consenso científico; explica-se que a lei já prevê que um pai ou uma mãe possa candidatar-se a adotar o filho do outro (de sexo diferente), para que exista o vínculo jurídico necessário à proteção da criança; explica-se, tal como foi entendimento do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que aquele regime também deve existir para casais do mesmo sexo, em que só um dos membros é pai ou mãe juridicamente reconhecido; explica-se que cada caso será decidido isoladamente, com sentença judicial, para assegurar a segurança da criança na vida e na morte do progenitor de facto. E a argumentação é cíclica.
Tem de haver menos opiniões e mais estudo de quem estudou.
No Jornal Sol, ontem
oh minha! já chega, ò queres uma lei que torne a homosexualidade obrigatória e multas para não larilas?
Impecável, Isabel. Mas é a história da Humanidade, essa obra para sempre inacabada.
“A cada discussão acerca de um avanço à conta do olhar informado da realidade, há um regresso ao obscurantismo…”
È, o melhor é acabar com a discussão….ou deixar que se faça só entre pessoas com formação em ciência e direito. Também me custa levar com argumentos preconceituosos e grunhos. É a vida. Por exemplo, acabei de ler um neste post.