A segunda aliança direita/extrema-esquerda: o enriquecimento ilícito

Um orgulho. Um orgulho pertencer a um Grupo Parlamentar (GP) que não cede à tentação populista do “enriquecimento ilícito” e que se mantém fiel a alguns dos princípios mais importantes da nossa civilização, naturalmente vertidos na CRP. GP também firme contra o facilitismo na procura de ecos na opinião pública, à custa de uma desprezível tentativa de distinção entre os “justos” – que perseguem os corruptos – e os “cobardes” – que usam, diz-se, de “técnica jurídica” para meter a cabeça na areia.
Ontem, os justicialistas foram PSD/CDS e CDU e BE. Não é estranho. A moda desta coligação pegou.
Os projectos da extrema-esquerda, criando um novo tipo penal – “enriquecimento ilícito” -, invertem o ónus da prova, violam o princípio da determinabilidade dos elementos do tipo, com recurso a conceitos indeterminados e a advérbios, isto para não me perder em considerações demasiado técnicas. Porque já chega. Isto é um pontapé em séculos de evolução civilizacional, em nome de um “bem”, a “transparência”.
O PSD e o CDS mentem e afirmam que violam coisa nenhuma. No nº 1 do tipo proposto poder ler-se pérolas penais como “incremento significativo do património, ou das despesas realizadas por um funcionário” – o que é isso? -, “que não possam razoavelmente por ele ser justificados” – razoavelmente? E onde está o quando? -, “em manifesta desproporção relativamente aos seus rendimentos legítimos” – qual a medida do “manifesta” e como se apura? -, “com perigo manifesto daquele património provir (..) – ” – temos o perigo manifesto, outro conceito indeterminado e temos prisão até 5 anos.
Penso que um aluno meu no segundo ano faria muito melhor do que esta aberração. E não se deixaria levar pela batota nojenta da direita justicialista que foi inventar uma intervenção probatória do MP para não ser acusada de violar os princípios que enunciei mais acima.
Batota, sim. Mas para idiotas. A direita manda o MP fazer a prova de alguns dos elementos do tipo, quando nos termos do princípio da presunção da inocência e do CPP cabe ao MP fazer prova de todos os elementos do tipo incriminador, descritivos e normativos.
Mais grave, porém, é que a impoluta direita manda o MP provar que o incremento significativo do património ou das despesas realizadas por um funcionário em manifesta desproporção relativamente aos seus rendimentos legítimos não provêm de “aquisição lícita comprovada”.
O MP, portanto, para além de lidar com uma expressão “sem alcance” – “que não possam razoavelmente por ele ser justificados” – tem de fazer a prova de um facto negativo!
Se não prova que os rendimentos tal e tal não provêm de aquisição lícita comprovada (afinal de quem é o ónus, já deu para perceber?) temos crime, temos sangue.
Muito mais haveria para escrever. Ontem, a direita, aliada à esquerda, cederam ao populismo pisando conquistas seculares. E se o seu diploma for chumbado pelo TC, dirão, virgens, que tudo fizeram, mas que foram travados pelos tribunais.
De resto, a Deputada Teresa Leal Coelho, ontem, em face das reservas do PS, apontava a solução de revermos a CRP. É que havia a petição pelo enriquecimento ilícito. Tanta a gente a pedir sangue.
Registei.
Venha uma petição a pedir a pena de morte e toca a mudar a CRP.

22 thoughts on “A segunda aliança direita/extrema-esquerda: o enriquecimento ilícito”

  1. “qual a medida do “manifesta” e como se apura?! -, da mesma maneira que os das finanças espiam os sinais exteriores de riqueza dos mortais contribuintes , digo eu…e o resto tb é mais ou menos o que o fisco faz connosco , oh deuses do olimpo ps !

  2. Isabel e a Tragédia Grega ou a estória dum gajo qualquer que foi apanhado com uma arca a abarrotar com notas de 100 euros e não teve que dar explicações a ninguém sobre a proveniência desses fundos. Isto só de cabeças disfuncionais de mulher moderna. E…

    “…pisando conquistas seculares”. Com mil trovões! Quais? Pós ou Pré-Inquisição?

  3. isto é um tipo criminal. como se apura o/os conceitos, ok? eles têm de ser determinados.
    e mais havia para dizer.
    não se criminalizam resultados de condutas, mas condutas, por exemplo.
    mas não vou complicar. é tão óbvio o horror que sigifica inverter o ónus da prova desta maneira e não respeitar as decorrências do princípio da proibição de crime ou pena sem lei previa (determinabilidade dos elementos do tipo) que não vale a pena explicar outros erros do tipo.
    e depois há a intenção política. o populismo sem travões.

  4. Apercebi-me que o papel que a Isabel Moreira se auto-atribui no parlamente é “registar”; aliás, nem é só no parlamento: “registei”, “vamos registando”, “não nos esqueceremos”… É impressão minha ou há nisto um sentido vingativo que não condiz com a democracia que apregoa em jeitos de ocasião? A Isabel Moreira usa na mesma frase a expressão “enriquecimento ilícito” e “tentação populista”, caracterizando com a segunda a primeira. Tão estudiosa da constituição e tão pouco estudiosa do seu próprio pensamento… Em face de tamanha incompetência na redação da proposta, qual foi mesmo a que o PS, e que a esmerada constitucionalista, apresentaram? Nenhuma; zero. Limitaram-se ao silêncio birrento, bem ao estilo cavaquista.E há depois o à vontadex político de se julgar que se percebe um pouco de tudo: o resultado está à vista, na Isabel e na restante classe política: nulidade, incompetência, presunção sem fundamento. Um pouco como o jornalismo português. Tudo uma cambada de básicos, mas que se julga sabichão de coisa nenhuma. Tudo bem, a senhora é jurista, mas pelos vistos não sabe pensar o conceito de “evolução civilizacional”. Ela pensa que pensa; mas efetivamente, não pensa. Não será bem um burro a olhar para o palácio, mas talvez seja um político (assim, no masculino) a olhar para as pessoas.

  5. Digam aquilo que quiserem, façam as interpretações que muito bem entenderem. Para mim, uma lei que tem o apoio de organizações que são o ninho dos causadores desses males, que agora dizem querer combater, não pode ser uma lei justa.
    Uma lei justa apoiada pelo CDS e PSD? é caso para dizer; vão mas é encher-se de moscas.

  6. Eu concordo que é uma grande “evolução civilizacional”, a inversão do ónus da prova. Não é é para melhor.

  7. vai ser um vê-se-te-avias de denúncias de enriquecimentos ilícitos, congelamentos cautelares e justiça a facturar por conta.

  8. Isabel, obrigado pelo seu esclarecimento hermético. Pode guardá-lo para os seus colegas de direito (não que o não tenha percebido, mas simplesmente desprezado). Não respondeu à pergunta: qual foi mesmo a contra-proposta do PS? O que é que o PS fez para criminalizar o enriquecimento ilícito? Com uma constitucionalista TÃO competente, onde está esse trabalho? O tempo perdido a explicar coisas inexplicáveis em blogues, podia ser aproveitado para apresentar uma proposta em condições. Mas não. E eu também não me chateio, Isabel.

  9. a lei existente chega e sobra para resolver os problemas de corrupção, falta é aplicá-la. o que foi criado agora é mais um expediente para não fazer justiça e para aliviar trabalho aos agentes, ninguém investiga nada, o acusado que se desenmerde e no fim ninguém é responsabilizado pelos prejuízos causados. já agora tamém podiam exigir aos corruptos contabilidade organizada revista por técnico acreditado com os montantes provenintes de actos de corrupção já deduzidas as luvas.

  10. Cara Isabel,
    esta lei foi testada durante seis anos nesta desgraçada justiça que temos. Fez-se acusaçâo de pedofilia a quem muito bem se entendeu e depois os acusados que provassem que não eram pedófilos.
    Acusou-se Sócrates de não sei quantos crimes contra o Estado de Direito e de corrupção e o ex-PM que provasse a sua inocência…
    Reparem que a esta lei era exactamente o que faltava para fazer pesca à linha dos adversários politicos. Enquanto o “acusado” prova e não prova a sua inocencia, politicamente morre às mãos de procuradores politizados como são os nossos.
    O facto de a direita ter o apoio total do BE e PCP não espanta, porque estes dois partidos estiveram muito activos a treinar nestes últimos anos e a seu lado. Além disso, quem conhece o funcionamento das democracias comunistas sabe que esta foi sempre uma forma de liquidar adversários politicos.
    Estamos bem arranjados, Isabel. Eu pergunto qual é o militante ou simpatizante do PS (partido que habitualmente pode aceder à governação) que vai ter coragem de ficar exposto a ver a sua vida virada do avesso por uma simples denuncia anónima e tendo que provar cada tostão do seu possivel patrimonio.
    Fujam do PS, amigos! Fujam ou filiem-se já no PSD-CDS.

  11. A coisa é simples meus caros, nunca em caso algum deverá o arguido ter de provar que não é culpado, o MP ou a acusação deverão fornecer as provas da culpa, ao arguido compete-lhe refutá-las com provas e não o contrário.
    Entenderam, ou querem que volte a explicar?

  12. Obrigado ER! Estive hoje mesmo a discutir essa questão: porquê esta abundância do direito e da economia na política? Não há nenhum motivo legítimo, além dos circuitos instalados, para que seja assim. Não vejo médicos, não vejo professores (os do ensino superior não são “professores” – deviam ser, antes de mais, investigadores), não vejo educólogos nem psicólogos, não vejo enfermeiros nem caminionistas… porquê? O direito e a economia não legitimam – longe disso – o exercício da política. Sim, é um estado de direito – mas não um governo de licenciadozecos em direito. E depois esta manha da economia: a economia não é uma ciência exata; nem tão-pouco é uma ciência – é um discurso à posteriori, adequado à tessitura social, política e militar de um contexto. Sim, houve quem previsse esta crise… quantos? Um? Dois? Gente que atirou, mais uma vez, com a massa à parede. Se fosse previsível, os outros não eram tão estúpidos, e por isso esses gajos tb n são inteligentes. Muito paleio e pouca compreensão das situações. Não foi afinal sempre essa a imagem dos advogados? Sim, parece que estudam (deviam estudar) retórica, mas isto não é a república de platão. Aliás, isto nem é uma república. É uma mentira prestes a soçobrar com o castelo (Vítor Gaspar: esta foi para ti, meu camarada kafkiano). Quando eu descubro que um tipo destes leu Kafka, pergunto-me sempre qual é a utilidade da leitura. Sim, é entreter. Como a política neste país mísero.

  13. bem, ao menos com a extrema esquerda será só a segunda vez que a direita se alia. Já com a esquerda (admitindo, erradamente que o ps, pelo menos o de ps e de guterres lhe pertence) tem andado sempre de mãozinha dada e de língua na boca.

  14. No Sítio das oportunidades perdidas:
    a) Criar, agora, o crime de abuso urbanístico (velha luta do BE),
    quando o país está quase todo urbanizado e em vias de ter a construção parada.
    Trinta anos de desmandos e crimes económicos para esquecer.
    Agora é tarde.
    b) Criar o crime de enriquecimento ilícito,
    agora que vai deixar de haver dinheiro,
    trinta anos depois de crimes económicos,
    apadrinhados pelo poder político?
    Agora é tarde.
    PS: se nem na AR entendem punir pequenos crimes ou desvios financeiros entre os seus pares,
    para quê passatempos como este?
    a) Não continua lá, uma deputada que mente para não perder 800 euros por alguns dias de falta sem justificação?
    b) Não continua lá, o deputado das mãos leves com os gravadores dos jornalistas?
    A bem do Regime.

  15. Isabel, se está tão certa da inconstitucionalidade da proposta de lei,deixe por favor o tribunal constitucional decidir.Melhores cumprimentos.

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