1.
Não me assiste divino mestre
na dura lida ao touro incerto
mas apenas este vozear terrestre
que tarde noite me mantém desperto
jamais pobre cautério de esteta
mas disciplina de pedra sua calada
condição sequer música que faz alada
a trama viscosa da prosa mais perneta
no sombrio intervalo entre erro e erro
meto suor desespero assobio de medo
por meu engenho demasiado perro
(às vezes há que afiar o esmeril a dedo)
mas no tempo da safra esquecer o berro
que isto de dores redentoras é engano ledo
2.
Tudo no poema é vero e sentido
estertor berro cãibra tudo é final
que contrabandeia a pauta qual
eco repetido ou fugitivo estampido
piéria voz decadente e glabra
que esta rupestre moldura guarda
tudo é esta rouca música em que te vens
pobre poesia que nem o pagode já entreténs
rilkes em muzot perscrutando o adriático?
rimbauds negreiros estações no inferno?
só o meu vizinho e o seu berro ciático
sempre que o calendário assinala inverno
digam lá se a poesia fez ou não progressos
enquanto com o mindinho sondo os recessos
José Luís Tavares
Poesia! Aplaudo a mãos ambas.