«Poesia em verso»

de Rui Caeiro, Afonso Cautela e Vítor Silva Tavares

Três poetas juntam poemas em livro, com a qualificada ilustração de Luís Miguel Gaspar. É um encontro ao arrepio da literatura triunfante que vende livros em barda e aparece na TV.

Rui Caeiro lê a sua relação com a cidade em «Travessa dos Remolares». Depois de enumerar a paisagem e o povoamento, conclui: «No parco mostruário da Travessa esqueci-me de alguma coisa? / Sim e por sinal do mais importante: a montra com frangos torturados no espeto, / possível antevisão do inferno (como se a própria rua já não bastasse) / ou então resquício dos tempos da Santa Inquisição». A sua ligação ao Mundo revela-se em «Uma certa vontade de chorar»: «Porque não vais ao médico? Tornam, pressurosos, os mais chegados /logo passando a sugerir conhecidos e sonantes nomes de médicos, psicólogos, psicanalistas, tarólogos, há-os que fazem milagres. /Procuro convencê-los de que essa vontade de chorar é qualquer coisa de bom na minha vida.»

Afonso Cautela usa o humor como aproximação ao Mundo no excerto dum poema: «Se é português já se sabe que foi / sempre a queixar-se da perna que lhe dói / Deste chamado rectângulo desta chamada pátria / deste chamado país deste chamado Portugal / Que ficou como novo depois de ser pintado / e ficou à espera de um voto para deputado».

Vítor Silva Tavares usa a ironia para falar do Mundo («Frente à sopa do Sidónio/vejo um velho cor de azia/todo feito num harmónio/por misericordia /Então e aquela velha/que me estende a garra esguia?/Basta: não há telha / para tanta democracia») e conclui com graça um retrato das letras lusas: «Eu queria ser peixoto/de aquário/a voltear/no esgoto/literário. Eu queria ser o mia/a miar pretoguês/ao balcão onde avia/um romance por mês./Eu queria ser antónio/e lobo como ele/a espremer do neurónio/um antunes de fel./Eu queria ser eugénio/lorca no porto/a oxigénio/depois de morto.» 
     

Desenhos de Luís Miguel Gaspar

Editora: Livraria Letra Livre

3 thoughts on “«Poesia em verso»”

  1. Só para ver como fica…
    Não assinaria por inteiro, ou só por um quarto, mas é um portento de graça.

    Eu queria ser peixoto
    de aquário
    a voltear
    no esgoto
    literário.

    Eu queria ser o mia
    a miar pretoguês
    ao balcão onde avia
    um romance por mês.

    Eu queria ser antónio
    e lobo como ele
    a espremer do neurónio
    um antunes de fel.

    Eu queria ser eugénio
    lorca no porto
    a oxigénio
    depois de morto.

  2. É sem dúvida uma delícia de ironia. E tem mais mas a divulgação não permite citar tudo. Há sobre o Saramago e a Teolinda Gersão. E a Maria Velho da Costa ao lado da Lídia Jorge. O Vítor tem a escola toda, é um maratonista das letras, andou pelos suplementos literários dos anos 60 e fez a Revista «&eTC» DE BOA MEMÓRIA.

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