A minha licenciatura católica demorou bastantes anos a tirar, baptismo, primeira comunhão, profissão de fé e, finalmente, crisma mas, tal como outras tantas licenciaturas por aí, não me serve para nada, não exerço, pronto e ponto. Pior ainda, não exerço e há muito que esqueci tudo o que me ensinaram tendo até desenvolvido alguma alergia às pessoinhas da igreja e à igreja das pessoinhas. Dito isto, assim em espécie de disclaimer, quero aqui defender, publicamente e cheia de convicção, o Virgílio.
Encontrei o Virgílio há uns dois meses numa espécie de almoço popular na mais pequena das aldeias do concelho. Tinha ouvido falar dele aqui em casa, que andava por cá naquilo a que chamavam de visita pastoral, mas que ele era gente estranha, não se dava com as beatas do costume, tinha passado a primeira noite com os homens do lixo, almoçado na cantina municipal, as visitas que fazia eram de surpresa para fugir à pompa e circunstância da pequena província, jantava em casa de gente humilde e desconhecida dos ilustres da terra e iria encerrar a visita ao concelho na tal aldeia pequenina, e tantas vezes por aqui esquecida, com uma almoçarada popular no Largo da Igreja. A pedido do Virgilio a ementa devia ser simples e igual para todos, nada de cabazes de gente rica armados em mete nojo ao lado do farnel de broa e couratos dos pobres. Hummm, gajo porreiro, cheira-me…. Fiquei curiosa, juntei-me com a empregada aqui de casa, sim, sou herege mas gente fina, peguei na minha mãe e nas minhas filhas e fui ao almoço do Virgílio levando a única coisa que me tinham pedido, um bolo para sobremesa e mais o que não tinham pedido, uma enorme vontade de ir às falas com o homem.
Domingo de sol, adro da Igreja, mesas corridas, um porco a assar no espeto, alguidares de salada servida com a mão, pão a sair do forno, muito vinho e, lá pelo meio da populaça, sem um único ilustre ou doutor mais apessoado a acompanhar, de bucha na mão, um tipo extremamente alto, olhos azuis fulminantes e chapelinho vermelho ridículo equilibrado na cabeça. Peguei numa garrafa de carrascão, dois copos de plástico e fui medir tensas com o Virgílio. Um copo para ele, outro para mim, beiças vermelhas do tintol e a primeira pergunta a sair disparada – por alma da santa, como consegue segurar essa coisa na cabeça? O Virgílio atirou a cabeça para trás numa gargalhada, a coisada vermelha não mexeu um milímetro, e tentou explicar-me que talvez fosse a careca a segurar a mitra, mitra, era isso, mitra! e por baixo da mitra, escondida dos olhares dos crentes, estava a careca salvadora que prontamente destapou. Sem lhe dar espaço para respirar e aproveitando a boleia achega-se a minha filha adolescente e bruta que nem casas quer saber se Virgílio quando foi para padre já era com o fito de chegar a bispo, nova gargalhada e a resposta pronta, é bispo porque nem para padre serve, não sabe fazer mais nada. Temos gajo, habemus conversa. Continuámos por ali fora, conversa mais ou menos séria, vinho à mistura, gordura da febra a escorrer pelo queixo. Gostei do tipo, era fácil de conversar. E o porco estava bom, e o pão estalava e o vinho escorregava.
Val, estás enganado. O Virgílio é boa gente, está longe, muito longe, da igreja ortodoxa, tradicionalista, fechada que conhecemos e acredito que, por aqui, tenha encontrado boa gente também, mesmo que enxertada em corno de cabra como eu. O Virgilio foi optimista, quis deixar uma palavra de esperança na entrevista que deu? Sim, foi, mas ele é bispo e, pelo que diz, tem de ser sempre bispo porque mais nada sabe fazer e a fé das gentes para quem fala tem de ser feita, sobretudo, de esperança.
(Virgílio, bacano, gostei de ti, não ligues ao Val, ele nunca bebeu uns copos contigo)
__
Oferta da nossa amiga Teresa