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Negri leva “n” no início, e o Carlos Marques não é parente do Karl Marx

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Caro Henrique Raposo,
Compreendo o seu dilema: você nunca perdeu tempo com autores marxistas (havia sempre tantos livrinhos com capinhas coloridas para ler). Acontece-lhe o que me aconteceria a mim, se me pusesse a criticar um qualquer liberal, citando outros liberais: não dominaria suficientemente a matéria. Mas isso não o deve impedir de se precaver e de evitar fazer figuras tristes nas páginas dos jornais. A sua crítica sobre o último livro de Negri na revista do Diário de Notícias é um desastre. Para começo de conversa, deixo-lhe algumas precisões e uma lista de compras:

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Não se pode exterminá-los?

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O romancista húngaro Gyorgy Spiró alerta, nas páginas do Courrier Internacional, que se está a formar licenciados a mais e que a maior parte deles ficarão desempregados e sem perspectivas, e como tal serão presas do nacionalismo virulento. Para Spiró, esses licenciados “vão acabar por odiar o sistema. Pode ser que, em princípio, este caos a que chamam democracia parlamentar seja o melhor dos mundos. Eles, porém, não têm aqui lugar: historicamente, é assim. Resultado: vão tornar-se radicais.”. O húngaro não vê aparentemente nenhuma solução que passe por mudar o sistema, ele está é preocupado é com a possível instabilidade, até porque ele sabe o que os pobres estudantes ainda não descobriram: “Mais cedo ou mais tarde, vão dar-se conta de que não tiveram a sua oportunidade. Eu sei aquilo eu eles ainda não sabem: todas as revoluções foram feitas por intelectuais supérfluos. Eu estou apenas enervado. Eles, eles vão acabar por explodir.”
A posição do escritor coincide com as palavras do antigo administrador da Chrysler, Lee Iacocca, que quando visitou em 1993 a Argentina, disse numa conferência: “O problema do desemprego é um tema difícil. Hoje podemos fabricar o dobro de automóveis com a mesma quantidade de gente. Quando se fala em melhorar o nível da educação das pessoas, como solução para o desemprego, lembro-me sempre do que se passou na Alemanha: ai publicitou-se a educação como remédio do desemprego, e o resultado foi a frustração de centenas de milhares de profissionais, que foram empurrados para o socialismo e a rebelião. Custa-me dizê-lo, mas pergunto-me se não seria melhor que os desempregados actuem com lucidez e procurem trabalho directamente no McDonald’s.”

Encavacado

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(Luís Rainha e João Pedro Costa na cerimónia da Sagração da Primavera do Aspirina)

É formal: encontro-me encavacado. Farto de campanha eleitoral. Para recuperar, estou a livros. Releio com espanto “Os Testamentos Traídos” de Milan Kundera. Este livro, e as obras de George Steiner e de Cioran, têm o efeito hipnótico. O único problema é que me dão a vontade de não escrever. Eu sei que nunca conseguirei que as palavras tenham essa densidade. Nunca as frases parecerão mágicas e reveladoras de um continente perdido. Para quê tentar? Sinto-me como um boi a olhar para um palácio.

A APOSTA

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Os portugueses vão apostar mais de 35 milhões de euros no próximo Euromilhões, uma quantia bastante superior ao custo das eleições presidenciais e das respectivas campanhas eleitorais. Um surpreendente investimento apesar da probabilidade de sair qualquer coisa seja infinitamente baixa – estou convencido que é mais provável apanhar com um meteorito na pinha –, ainda assim, o concurso é mais motivante do que a actual campanha eleitoral.
Sejamos justos: a maior parte das pessoas paga uma aposta para poder sonhar o que seria ganhar o prémio. Em relação às eleições, pouca gente sonha com os candidatos: o que demonstra um invejável gosto estético, mas pouco realismo. O facto da maior parte das pessoas não acreditar que as coisas possam melhorar, torna-as certamente piores.
Conta uma velha anedota que um homem rezava todos os meses ao Santo António para pedir o primeiro prémio da lotaria. À vigésima vez, o santo saiu do pedestal e disse-lhe: “ó meu cabrão, andares a rezar para pedires prémios de lotaria já é mau, agora completamente insultuoso é o facto de nem sequer comprares o bilhete”.

Cá vai o palpite para Domingo:
Cavaco – 49,8
Soares – 19
Alegre – 13
Jerónimo – 8
Louçã – 7
Garcia Pereira – 1

Objectividade gastronómica

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Diz a sabedoria popular que os “homens conquistam-se pelo estômago”. Analisando esta longa campanha eleitoral, parece que aos jornalistas acontece o mesmo: quanto mais têm o rei na barriga, melhor. Não digo isto para arranjar uma classificação que me favoreça, longe disso. É a mera experiência e análise científica que me leva a tão prosaica conclusão.
Longe vão os tempos em que aos jornalistas pedia-se que relatassem e compreendessem o que viam, para fazerem notícias e reportagens. Hoje, todos os factos estão na periferia de qualquer notícia e no centro está aquilo que importa: o jornalista com as suas gracinhas, conclusões e, claro está, com o seu estômago.
Para aferir a importância crescente de tal órgão, fiz uma experiência: li, com enlevo, as classificações das campanhas (as famosas setinhas) feitas pelos jornalistas dos jornais de referência cá do burgo. É preciso esclarecer que tal secção acompanha as reportagens dos diversos candidatos e serviria para o jornalista, em poucas palavras, sintetizar os factos jornalísticos mais relevantes dessa jornada eleitoral. Desenganem-se aqueles que pensam encontrar desnecessárias e supérfluas considerações políticas e noticiosas; aqui revela-se em todo o seu esplendor o que importa no bom jornalismo: como é que os candidatos tratam os grandes jornalistas!
Pegando no diário Público, do dia 16 de Janeiro, temos o seguinte relato circunstanciado:
A jornalista Helena Pereira classifica positivamente a campanha de Jerónimo de Sousa, dando uma seta para cima ao seguinte facto relevante: “os almoços e jantares, muitos deles confeccionados por militantes devotados, como ontem, não têm nada que ver com o menu habitual das campanhas”. Já a voluntariosa Maria José Oliveira dá a sua seta negativa à candidatura de Manuel Alegre, para a seguinte situação: “as horas tardias que começam os jantares e discursos e as acções matinais são extenuantes. A comunicação social começa a mover-se a vitaminas.” A jornalista Fernanda Ribeiro, que faz para o Público a cobertura da campanha de Mário Soares, não fica atrás dos seus camaradas (será que no jornal de Belmiro de Azevedo se tratam assim?) e dá uma seta ascendente e gulosa ao seguinte facto da campanha: “o almoço na Quinta do Paço, que além de cabrito teve direito a lareira, foi a melhor refeição dos oito dias de campanha.” Sempre rigoroso, Nuno Sá Lourenço dá a sua seta negativa a este aspecto transcendental da campanha de Cavaco Silva, neste dia fatídico para o estômago dos repórteres: “serviço de catering com excesso de zelo, com refeições a serem servidas durante o discurso”.
A minha teoria é que esta deriva gastronómica da classe revela um processo muito mais profundo. Os jornalistas acham que estas minudências são importantes porque eles são muito importantes. Muitos profissionais pensam que não são pagos para relatar, segundo as regras do jornalismo, mas para julgar. E o mais grave é que, como acham que o estatuto do jornalista está acima do comum dos mortais, a maioria dos jornalistas defende, segundo o inquérito feito à classe, durante o Congresso dos Jornalistas, que os profissionais da comunicação social não podem ser militantes de partidos, nem terem uma qualquer participação cívica e política, o que consubstancia uma ideia positivista de que os jornalistas estão acima da vida comum e como tal o que pensam e escrevem não é a sua opinião, mas “a verdade”.
Qualquer jornalista devia-se lembrar, como escreve Regina Guimarães (oportunamente citada pelo José Mário Silva), que come, caga, devaneia, dorme, sonha, sua e trabalha como quase toda a gente.

Declaração de princípio (para que saibam no que é que se metem)

Eu tentei convencer o meu excelente amigo Nuno Ramos de Almeida (cujo percurso acompanho desde há anos com desvelo quase fraternal, sem que contudo tivesse conseguido impedi-lo de vir a padecer, já na idade adulta, de uma lamentável doença infantil…) de que não seria o tipo indicado para escrever num blog, mas ele não me quis dar ouvidos, e foi pena, porque para lá do meu muito justamente referido mau feitio & falta de pachorra, possuo ainda outros defeitos graves e que se afiguram mesmo fatais no caso vertente: primeiro, tenho uma relação difícil com as novas tecnologias, não frequento blogs, não sei mandar SMS´s, não tiro fotografias com telefones nem coisas do género, porque sou do tempo dos utensílios com vocação única, o telefone toca, o fax faxa, a máquina fotográfica tira fotografias, etc., e nunca me habituei aos vários-em-um; segundo, gosto de ler e escrever pausada e pensadamente, e acho que boa parte dos males do mundo advêm do facto de as pessoas se instruírem por via da TV, de revistas coloridas com muita imagem e pouco texto ou de informações soltas, encontradas ao acaso na net, que me parecem meios em si mesmos insusceptíveis de dar origem a uma reflexão minimamente reflectida sobre o que quer que seja (lá em casa, a jovem geração queixa-se e diz que eu sou um bota-de-elástico, mas eu estou-me nas tintas, não só porque casa que se preza tem de ter o seu par de botas-de-elástico, e nisso a T. faz-me excelente companhia, mas ainda porque, como eu procuro explicar aos meus herdeiros, quem pode o mais pode o menos, embora o inverso não seja necessariamente verdade – ou seja, quem conseguir sobreviver a um texto meu, chato e comprido, há-de certamente achar graça a seguir a um texto leve e espirituoso do Nuno Tito de Morais ou do Luís Rainha – olá Luís, prazer em rever-te – embora o contrário se afigure muito menos provável); em suma, não sou pop nem pretendo vir a ser, para parecer mais jovem; se ainda assim me quiserem, não me quero armar em difícil e aceito o gentil convite para chatear de vez em quando os leitores; se não quiserem também não levo a mal – porque no vosso lugar fazia o mesmo.