Há o «você» tímido. Julgávamos poder usar «tu», mas receamos ferir. «Você podia baixar o som?»
Há o «você» jogando pelo seguro. Usar «o senhor» parece-nos exagerado respeito, mas falta-nos descaramento para o «tu». Costuma durar pouco.
Há o «você» prepotente. É o do patrão com o trabalhador. O do mandão das berças com o empregado de mesa na cidade.
Há o «você» desdenhoso. Quando substitui um «tu» já instalado, é assassino.
Há o «você» carinhoso. O que usamos com as crianças. Evita-se o pronome, mas usam-se as formas verbais. «Ande, coma a papinha».
Há o «você» filial. É comum no Norte, mas raríssimo no Sul.
Há o «você» anti-autoritário. Usam-no os pais para os filhos. Mesmo quando os filhos os tratam por… «tu».
Há o «você» telenovela. Ninguém se lembraria de usá-lo, não soasse ele tão brasileiro. Sente-se a gente um pretendente duma sinha moça, ou ela própria.
Há o «você» publicitário. «Existimos para você».
Há o «você» snob. Usam-no em boas, mas muito boas famílias, o homem para a mulher, a mulher para o homem. O irmão para a irmã, a irmã para o irmão. «Maninha, traga-me o jornal, seja simpática».
Há o «você» de escritório. Dez, vinte, trinta anos, dia após dia ao lado daquele tipo. Mas nunca lhe hei-de dar confiança. Mesmo quando sairmos daqui velhinhos.
Há o «você» quem-quer-que-você-seja. Um mapa, uma setinha e a informação «Você está aqui»
Conhece você outros «vocês»? Diga quais.
Este post demonstra a necessidade de um estudo actualizado sobre as formas de tratamento. Algo assim como aquele de Lindley Cintra do início dos anos 70, já desatualizado obviamente.
é muito interessante ver como as relações sociais, estratificações, hierarquias, etc se reflectem na linguagem do dia a dia.
Há ainda o V.
Assim, sem mais, para mim, é um compromisso entre o vulgar você e uma amálgama de Vossemecê, Vosselência e Vossência.
Tirando a forma de tratamento tuteado, para mim, é o tratamento personalizado que prefiro nos blogs.
Há o “você” malcriado. É usado por alguns jornalistas que entrevistam pessoas de grande respeito tratando-as por “você” sem qualquer consciência da má educação que demonstram.
Na minha aldeia chama-se a esse “você” de estrebaria…
Lídia:
Sobre isto das formas de tratamento, e pegando num exemplo completamente abstruso, eu só sei que uma vez estava a ter uma conversa com um amigo meu alemão estilo “Saddam para aqui, Saddam para acoli” e ele me pergunta com o ar mais sério do mundo “Do you refer him using the first name? I wouldn’t refer Adolf Hitler as Adolf.”
Ó D. João com a máscara: isso já é outra coisa. Se há matéria difícil de ensinar a um estrangeiro são as formas de tratamento em Português. Não comparemos culturas, civilizações. Eu falei de gente que não sabe usar você…em Portugal.
Há poucos anos escreveu o E. Prado Coelho uma crónica verrinosa pelo facto de o Fernando Venâncio ter tratado a Agustina Bessa Luís por D. Agustina. E o F. Venâncio, que vive longe da pátria há muito tempo, nunca compreendeu que aquele tratamento não era possível…
Lídia,
O que você conta é razoavelmente verídico.
Era, suponho, em 1997, era em Frankfurt, e eu tinha acabado, havia meia-hora, de conhecer Agustina. Pareceu-me que não podia publicamente, e do público, referir-me a ela senão assim mesmo, como «a Dona Agustina». Respeitosamente.
Raio de país – o nosso – onde este tratamento, diz você, é impossível.
Claro que para a Agustina ou usamos o nome todo sem adjacências, pois que ocupa o lugar que ocupa, ou terá de ser “Senhora D. Agustina”.
Sem senhora, será a D. Rosa do talho ou a D. Eduarda, nossa empregada.
Só posso concordar por inteiro com a Lídia, em tudo. Se há coisa que me irrita é tratarem-me por você a pensarem que estão a ser bem educados. Soa mesmo moço de estrebaria. O mesmo para o uso de Dona. Que eu saiba só fica bem para dizer D. Maria, a rainha, que como se sabe morreu em meados do séc. XIX, ou aplicado às mulheres do povo. Mas como sou snob tenho de me aguentar com o que vou ouvindo.
FV, poste 5*, idem os comentários – destaco a Lídia. V. esgotou, por ora, o assunto…