Não é preciso recuar à Lenda Negra, para encontrar o vezo predador dos espanhóis. Basta ver a lufa-lufa das traineiras chuponas. Ou pensar nas sequelas duma agricultura suicida, que abastece meia Europa e nos encurta o caminho para o deserto.
Começaram há quinze anos na raia do Côa, a comprar aos aldeãos os muros rústicos desenhados na paisagem. Alguns eram do tempo de Alcanices. Atiravam-nos ao chão, escolhiam as lascas mais afeiçoadas, e levavam-nas em camiões para forrar as casas deles. À sorrelfa e apalpando o terreno, salariando adelantados, foram alastrando à Lapa, ao Leomil, hoje ninguém sabe onde já vão. E aconselhados pela pequena pobreza, pela muita ignorância ou a desmesurada insensatez, os aldeãos foram trocando a alma por dez reis de mel coado.
Ultimamente tocou a sorte aos zimbros do planalto de Miranda, lá onde forem parte da flora natural. Têm a desgraça, os zimbros, de produzir um óleo usado na cosmética e na farmacologia. Já destroçados em Espanha, são agora uma espécie protegida. De forma que os predadores atravessam a fronteira e vêm dizimar os portugueses. Levam raízes, troncos e ramagens, que é serviço mais completo. E guiados pela pequena pobreza, pela muita ignorância ou a desmesurada insensatez, os aldeãos vendem por cinco euros um produto que em Espanha vale à vontade cem.
E não há nisto um autarca, um magistrado, um polícia, um deputado, um ministro, um regedor, a pôr ordem no desmando! Bem sei que chamam a isto a lei do livre mercado. Mas se não for a miséria a indultá-los a todos, não sou eu quem o fará.
Jorge Carvalheira
f*da-se, agora é que li! Os zimbros, lembro-me de vê-los belos a espraiarem-se pela encosta. Juniperos oxycedrus, creio, árvore de crescimento bem lento, fruto com arilo, para os pássaros espalharem.
tristeza!, mas a pior traição é de quem vende a memória. Vá lá que é reversível, a menos de umas dezenas de anos.
bem, porra, agora é que vou
… Juniperus!
Muito conhecedor este py, sim senhor!
E continua irritado!
Será que é contigo próprio, com o mundo ou com quem é capaz de escrever coisas diferentes e que valham a pena ler?!
Jorge,
Não se deixe impressionar.
Continue a escrever porque é um prazer passar os olhos pelo Aspirina e ver que o FV para além dos “bem humorados” tem ao seu lado quem escreva a sério e coisas sérias.
Caro M. Veiga,
Ser «bem-humorados» acontece-nos a todos quantos aqui escrevemos. E, em momentos de distracção, escrevemos até todos sobre coisas sérias. A sério.
Caro Fernando Venâncio,
Não querendo fazer dum simples comentário um “bate-papo”, nem do JC alguém superior aos outros, não me parece que ele escreva coisas sérias e a sério por distracção. Erro meu de análise?
Irritado, eu? Estava irritado com o desaparecimento dos zimbros, mais nada. Acho bem a denúncia, tomara que ao menos pegassem no exemplo de Essaouira, e fizessem uma coisa mais sustentada. Eles lá dizem que é Thuja, mas realmente é Juniperus. Jorge, espero que tenhas percebido que não era nada contigo, antes pelo contrário.
Quanto ao resto, viva a diversidade.
Caro M. Veiga,
Sim, erro seu de análise. Não foi sensível, parece, à verdadeira carga do termo «distracção» no que escrevi aí. Tomou-o, talvez compreensivelmente, à letra.
Estamos num salão, já percebeu, E às vezes dança-se.
Gosto muito do apelo ao regedor. Gosto ainda mais da vontade que fica de pegar em qualquer coisa e bater tanto em espanhóis como em aldeões traidores. Mas, acima de tudo, peço explicações técnicas:
“[…] lá onde forem parte da flora natural.”
Está a oração de acordo com o pensamento?
Valupi
Nenhum aldeão é traidor. Alguns são ignorantes, outros são insensatos, e todos condicionados pela pobreza. O que sobra é o politicamente correcto, que me não preocupa.
O regedor é uma generalização. Aquele que rege.
Lá onde forem…
Lá onde são…
É só escolher.
Na vastidão do planalto, não crescem naturalmente em todos os lugares. Só em alguns (rincões, já se disse?). Em todo o caso, deixo sempre as especificações técnicas para quem tem os tratados na estante e os folheia.
Já bater, não, Valupi. Sou o tipo mais pacífico do mundo. Protestar contra a insanidade, isso sim. É que não gosto de negar a realidade, seja ela qual for.
A tua pergunta, que me parece retórica, escapa à minha agudeza.
Jorge
Retórica, sim, na facilidade com que se descobrem traidores e no manejo do varapau. E nenhuma ironia no gosto pelo uso da palavra ‘regedor’, antes prazer de a reencontrar.
Quanto à oração, trata-se de tropeção interpretativo meu. Vi um condicional na expressão “lá onde forem”, o qual me parecia ilógico com o atributo “parte da flora natural” – no meu pressuposto de que eles (os zimbros) seriam, inevitavelmente, parte da flora natural. Então, despertou-me a curiosidade para um outro qualquer sentido que me estivesse a escapar. Só isto, nada.