Permitam-me abusar da hospitalidade desta casa, metendo aqui a minha resposta a um comentário do Valupi ao meu post sobre o Cloreto de Magnésio e o Professor Pierre Delbet. Matei as lêndeas gramaticais que mais feriam os olhos aos puristas amadores que passeiam nesta freguesia e deixei o resto na mesma. Estou convencido que os que estranham a ausência das ricas penas da maioria dos nossos colaboradores compreenderão esta espécie de impertinência que é ao mesmo uma forma simples e airosa de manter o jornal em movimento.
Desculpa a retirada à pressa, mas não podia deixar arrefecer a limonada. O que acontece em casos destes (quando por exemplo eu e outros nos pomos a dizer que andamos a ser mal servidos por uma classe que tem a obrigação de zelar pela nossa saúde ou, se não tem, que o diga com toda a franqueza para ficarmos descansados) é que quase sempre se esbarra contras as paredes do costume. Isto é, se citamos um médico honesto – ou uma dúzia deles, tanto faz – que nos pareceu “revolucionário” ou diferente e a destoar dos poderes estabelecidos nessa área, o argumento predilecto e muito comum é o de que essas ideias diferentes não foram confirmadas pelos maiorais da época nem sujeitas ao escrutínio de estudos científicos. E quanto mais velhas vão ficando essas opiniões discordantes, tanto melhor para aqueles que nunca as aceitarem por razões que só eles sabem. Repara, por exemplo, que só foi há meia dúzia de anos que se tornou pública a oposição muito válida dum dos contemporâneos de Pasteur às ideias sacrossantas deste. Até ai, ninguem ousava arrebitar a cauda ou pôr em questão as suas teorias microbianas.No caso de Pierre Delbet, e de muitos outros médicos franceses que confirmaram na prática que ele estava correcto naquilo que defendia e bastante avançado em relação à escola tradicional, foi utilizada uma outra arma do costume: deixar andar, não fazer muitas ondas, que no fim o pagode vai esquecer e até nem os médicos novos ficarão com porra de ideia de quem foi esse fulano muito respeitado no seu tempo.
Quanto ao aspecto da revitalização, vê se esta passagem dum outro livro sobre a matéria encoraja os curiosos da medicina, porventura distraídos: “Comme le professeur Delbet l’a établi par nombres d’experiences et d’observations faites avec des doses plus faibles, le Chlorure de Magnésie “exalte la VITALITÉ des cellules et leur permettre de triompher, par elles-mêmes, des microbes”. C”est ce qu”il a appelé Cytophylaxie”. O problema agora é entre o que Delbet deixou escrito, que não é sacrossanto, bem entendido, e esses médicos-cientistas de que me falas.
Agora perde um pouco de tempo, se quizeres, e vê se me encontras algum dos vários livros escritos por Delbet ou pelos seus seguidores à venda na Internet ou nalgum alfarrabista ai no teu bairro ou no resto dos bairros. Se encontrares, diz-me, que terei muito gosto em comprá-los e oferecer-te um charuto. Nos últimos anos tenho aprendido que a maior parte do papel impresso ainda a cheirar a tinta fresca raramente nos conta a verdade. Quem quizer saber dessa rapariga terá que procurá-la em sótãos e atrás de móveis. O único inconveniente é o de nos enfarruscarmos a sacudir-lhe o pó. Muito obrigado pelo interesse e um abraço. TT
Caríssimo TT
Sou a informar-te que, a partir do dia d’hoje, parti para uma demanda celerada em busca dessas tintas frescas impressas em papéis com ideias rançosas, as quais, as ditas tintas, atenção, e no caso em inversão de prova, terão apenso o nome, e magno contributo para a ciência do sal de cozinha, desse gigante gaulês de sua graça Pierre Delbert.
Podes avançar já para a encomenda do charuto.
“O Teatro praticamente desapareceu, vítima de um sistema de subsídios à preguiça e ao compadrio” -Quitériax Barbudax in “Criatividade Comuna”, Revista “Espírito”, nº 20, 2005.