Bombas publicitárias

Segundo o Público de hoje (ver Cultura), Margarida Rebelo Pinto e o seu editor, a Oficina do Livro, tentarão judicialmente impedir a publicação de Couves & Alforrecas, o livro (editado pela Objecto Cardíaco) em que João Pedro George estuda a escrita da autora.

Não bastando já o bem que João Pedro George vem fazendo aos nossos estudos literários (a Estilística foi sendo abandonada por uma faculdade de letras crescentemente anémica e medrosa da literatura), ainda por cima se tenta, com recurso a tribunais, impedir que o seu trabalho atinja um maior público.

Nada (a não ser isto) contra a Oficina do Livro. Ela vem pondo cá fora excelentes coisas, como o Miguel Sousa Tavares (sobretudo o contista e cronista). Mas que uma bela bomba publicitária se arrisca a privar-nos de um belo estudo literário, não sobre dúvida.

[Com um obrigado à Margarida P.]

30 thoughts on “Bombas publicitárias”

  1. Que raio de excelentes coisas publicou o tal MST?

    E que belo estudo literário são os textos de JPG no Esplanar?

    Não duvido que terão interesse e julgo que os li.
    Mas entendê-los como “belos” só mesmo por porreirismo excessivo.

    Dito isto, apoio o JPG e só ainda não escrevi um postal porque não tive tempo.

  2. Sizandro, dou uma ajuda. Miguel, depois Sousa, depois, bom, você investiga.

    Os senhores leram (José, leu bem) «Sul»? E «Um Nómada no Oásis»? E «Não te Deixarei Morrer, David Crockett»? E «Anos Perdidos»? Bom, há-de chegar. Ou ainda não?

    José, conhece «O meio literário português»? Perdoe a inocência das perguntas.

  3. Vou agora mesmo á livraria procurar O meio literário português, porque só agora descobri quem é o autor, através desta notícia surrealista de hoje.

    Até comprei o 24 Horas…e fiquei com vontade de folhear esse livro.

    Quanto aos outros que nomeou, estão todos a sul do meu interesse e atenção. Todos. Por puro preconceito, mas também porque sim.

  4. Cristina,

    Para esta noite, antes de adormecer, no quentinho da cama, leia a história ‘O Nylon da minha aldeia’, no volume [concedo que com um título assim assim] «Segura-te ao meu peito em chamas», do Possidónio Cachapa.

    Lá pela madrugada, entre pelo «Barnabé». Você sabe, o «Barnabé».

    Da tal editora, como pediu.

  5. Em comentário acima (entretanto corrigido) atribuí a João Pedro George um livro na realidade de CARLOS LEONE. Pedir desculpa? Quem conhecer o trabalho dos dois há-de compreender o deslize.

  6. O Fernando Venâncio deve ser também leitor de José Rodrigues dos Santos, esse grande escritor que, todas as noites, na RTP, nos brinda com os seus “têm a haver”, “tratam-se de casos” e outros mimos literários de primeira água.

  7. Olhe, António Castro, o fernando venâncio é, por motivos profissionais, leitor de muita, mas muita porcaria. Nem você imagina, pode ter a certeza. Não, a minha sina não é de invejar.

    Mas a parvoíce (estou a ser simpático) está em pensar que, por eu ter afirmado que certa editora tem, num catálogo imenso, alguns livros recomendáveis, eu tenha de gramar com a sua suposição de que PORTANTO acho tudo maravilhoso.

  8. Estas margens cinzentas entre o que é literatura e é negócio, como é o caso dessa senhora que escreve com uma base de dados e não se pode mencionar o nome, deixam-me muito triste e a pensar na patetice em que se vão transformando as artes. Por outro lado, tem a virtude de mostrar o que é Literatura e o que é lixo .

  9. Obrigada pelo conselho, esse livro do possidónio já li, e dou a mão à palmatória, o barnabé, era um blog interessante, mas livro? não me seduz! Podia inumerar aqui os que lá publicam se me lembrasse do nome, mas veja o pipi – ex-blog, tudo bem que foi um exito…mas por favorrrrrr, dêem coisas de jeito para ler, veja os gonçalos tavares, os ze luis peixoto, fjv, frederico lourenço, estes que tenho em boa conta olhe que não andam nessa editora!!!!

  10. Texto muito suave, muito português suave. Dos méritos de João Pedro George enquanto crítico eu não duvido, mas o Fernando deve conhecer também o texto em causa, e sabe que esse texto pouco tem a ver com a Estilística referida em tom saudosista por si. Se quisermos, legalmente a Oficina do Livro até tem razão na sua providência cautelar, dado que 80% do texto de JPG são citações de obras de Margarida Rebelo Pinto. Justificaria ela tal inglório esforço?

  11. Ó FV, então grafa a pobre da FLL com minúsculas?! Não se faz! As «coisas, como o MSS», a mim não me aborrece, mas aborreceram o José… Mas com a estilística como pano de fundo, não se admire de lhe «pegarem» nos textos… Tb li isso. Não conheço a escrita da Margarida Rebelo Pinto, pelo que não me posso pronunciar. E do MST, só conheço o «Não te Deixarei Morrer, David Crockett» que é bom mas está longe de ser excelente… Lembro-me de um «continho» bem «esgalhado», julgo que o inicial, sobre a caça e mais nada… Estarei a ser muito exigente?

  12. O Venâncio que me perdoe, mas o MST produz uma shit-literature que não se aguenta em cave: tem de ser deglutida logo, a correr, e sabe-se lá com que efeitos para o cabedal.

    Mal por mal, antes o injustamente esquecido Manuel Arouca, autor de Os Filhos da Costa do Sol, Gente Marcada e Ricos, Bonitos e Loucos, obras de um camilianismo updated que, ao lado de MRP e MST, fazem figura de gigantes.

    PS: A cena porno do livro do Rodrigues dos Santos (aquela das mamas da sueca) também é muito boa; faltam boas fodas na nossa literatura, parece que anda tudo a fazer amor e já não sabem o que é foder.

  13. o2: precisamente. Tudo o que ajude a distinguir a «Literatura» do «Lixo» é bem-vindo. O livro do JPG poderia ter algum poder utilmente destrutivo.

    Cristina: fjv, sempre.

    Sérgio: retiro do seu blogue (e os meus parabéns!) a passagem: «Deixem-nos estar, as Margaridas, os Migueis, os José Rodrigues deste mundo». Confundir Margaridas e Josés Rodrigues [suponho que o romancista, não o repórter de guerra] com o MST, só de loucos.

    Politikos: está a ser «muito exigente». Leia «Sul». Com calma, se possível.

    João Pedro (o nosso): sim, eu destaquei o cronista. É o melhor MST.

    Unreconstructed: certo, Manuel Arouca divertiu com algum nível a malta. Diz você também: «Faltam boas fodas na nossa literatura». Nem mais.

    Para todos: invejo essa vossa frontalidade, essa vossa (no sentido mais generoso) irresponsabilidade. A minha posição pode parecer-lhes calculista. Não é. Que ela é exactamente arriscada, aí estão vocês aqui a prová-lo. Isso quase merecia um obrigado.

  14. Éh pá… eu conheci em tempos um tipo chamado Miguel Sousa Tavares, que era um jornalista excepcional. Mas agora … não estou a ver por onde anda… costumo ver um tipo que se faz passar por ele, que é rico e deixou de ter piada. Parece que agora defnde que os pobres são malandros porque são uns calões.
    Agora Sousa Tavares… conheço é duas míudas muito boazonas que aparecem nas revistas para homens… isso é qúe eu conheço….

  15. Foi por causa do MST que foram escritos os melhores contos para crianças em língua portuguesa – só por isso merece ficar na história da literatura

  16. Olhe, Fernando Venâncio:
    Cá por coisas, eu já andava desconfiado… Mas agora, posto que me mimoseou com a sua “parvoíce”, perdi as dúvidas: você é mesmo o que eu pensava (e estou a ser simpático).

  17. António Castro,

    Quer você explicar-me (se continuar simpático) o que tem o facto de eu poder ser leitor de José Rodrigues dos Santos (e por razões profissionais sou-o), que tem isso a ver com a minha afirmação da qualidade de alguma escrita de Miguel Sousa Tavares? É que eu não atinjo. Não vejo a relação.

    E desculpe lá aquilo da ‘parvoíce’. Mas é que você é o tantésimo que surge com coisas parecidas. E, às vezes, um gajo farta-se. Fiz-me perceber?

  18. Uma errata: o livro sobre o meio literário nacional é mesmo do JPG (que me avisou deste blog), não é meu. Eu sou só o maior propagandista do livro, segundo o João Pedro, apesar das reservas (que já publiquei) a respeito de algumas coisas metodológicas. Quem conhecer o meu trabalho e o do JPG perceberá.
    CL

  19. Carlos Leone (e talvez também JPG) ignora um dado. Coisa compreensível, tendo-o eu exactamente eliminado do comentário. Era este: numa precipitação, eu atribuíra a JPG o mais recente livro de LC, «Portugal Extemporâneo. História das ideias do discurso crítico português no século XX» (Imprensa Nacional, 2005, mas aparecido já este ano).

    A minha precipitação será perdoável, a confusão já menos. Mesmo assim, eu recuperava a confusão(suponho), apelando para a coincidência de interesses dos dois ensaístas. Um e outro fizeram trabalho que é hoje indispensável conhecer para quem quiser compreender as linhas de força (perdoem-me esta prosa) do nosso meio literário dos últimos decénios.

  20. Caro Fernando,

    Não tive pachorra para ler os comentários todos.
    Mas duvido que nesta hipócrita e básica indignação dos “libertários”, alguém se tenha lembrado que o “parvo” -no sentido latino – do editor do “abjecto cardíaco”, ainda há umas semanas andava a vociferar enojado contra as t-shirts do Che Guevara -consultem o “Da Literatura – facto logo aproveitado pelos Cro-Magnon de direita, e agora fala tanto de Revoluções e de 25 de Abril!
    Isto para não falar da Zitinha Seabra, que dá um trite espectáculo de incoerência, para não dizer coisas piores.
    Aproveito para cumprimentá-lo pelas crónicas e posições heterodoxas que leio e comungo.
    Vivi

  21. Fernando: eu apenas junto no meu texto a Margarida, o Miguel Sousa Tavares e o José Rodrigues dos Santos porque João Pedro George aplicou aos três a mesma receita crítica. E olhe que ele não foi nada meigo com nenhum dos três. Quanto aos meus gostos, folheei os livros da Margarida, não gostei; li passagens dos romances de Rodrigues dos Santos, achei que tinha alguns méritos; quanto ao Miguel Sousa Tavares, gosto dos contos, sim, e das crónicas, claro, não sabe escrever para crianças e tem um dos mais desastrosos começos de romance que já li, mas consegue compor o ramalhete a meio do livro. – Ainda assim, não se destaca de modo algum na literatura portuguesa mais recente. O meu comentário nada tinha a ver com o texto que escrevi no blogue sobre o assunto.

  22. Na literatura portuguesa mais recente o que realmente se destaca de modo algum é mesmo este blog, não acham?

  23. Meu caro FV:
    Eu compreendo que V. pegue neste objectos com pinças. A sério! Mas uma coisa é a admiração e o respeito que eu tenho por si, (que são grandes) e outra bem diferente é V. estar a pedi-las e eu ter que me calar. Por isso, desculpe, mas… lá vai alho!
    Debaixo da canícula inclemente, os aprendizes de feiticeiro irredutíveis, que são os portugueses, estavam em frente da televisão, a olhar, assustados, para a metade de Portugal que ardia. Enquanto mantinham, previdentes, a outra metade em exercícios de aquecimento.
    Veio-me à ideia o refúgio da nave central da sé, no fim de contas não há como a experiência da igreja, a resistir a fogos! Mas o grande portão estava trancado. E eu acabei a refugiar-me na livraria, a folhear na penumbra umas imagens, é sabido que, nestes apertos, quanto menos esforço melhor. E logo houve um título que me saltou aos olhos. A capa avermelhada, ígnea, estava ali a sugerir-me um porto de abrigo – Segura-te ao meu peito em chamas.
    Eu já tivera experiências falhadas com outros títulos do autor, verdade seja dita. Mas há sempre em mim, leitor, uma réstea de esperança. Ou de ingenuidade, ou masoquismo. É desta vez que o rapaz conseguiu! E levei para casa o abrasado título.
    Descobri depois, vendo melhor, que não havia ali nada de novo. Estas Pequenas Histórias, de Possidónio Cachapa, já tinham sido, em parte, publicadas há seis anos, como primeira obra do autor. O editor, porém, a Oficina do Livro, assegurava que estava ali a 1ª edição, de JUN 2003, com dois mil exemplares.
    Senti o sabor do logro. E mais me definharam as esperanças, quando vi logo à entrada a dedicatória a uma senhora (a pítia de Delfos?) “por me ter surpreendido com a crença de que um dia seria escritor”.
    Não era bom, como augúrio, mas o resto era pior. Soube-o à medida que me fui adentrando pel’O Nylon da Minha Aldeia. O espaço é rural e a fonética localizada, os tiques, os preconceitos e os valores que assomam nos gestos das figuras são os esperados. Trocasse eu esta página por um écran de tevê privada, dessas que nos impingem a realidade ‘tal como ela é’, e só ficaria a ganhar. Neste ponto, porém, há que respirar fundo e avançar.
    Vê-se que o narrador olha de longe, não pertence a este mundo. Apenas está ali, dando importância a si próprio, a ver e a explicar-nos o que se passa entre os indígenas. Não se mistura, não se comove, não alimenta cumplicidades. Nem sequer critica. Ergueu à volta um biombo de cinismo distanciado, fez nele dois buracos para espreitar… e lá está o rol dos lugares comuns, as perplexidades sexuais juvenis, as intolerâncias brutais da tradição, a tentação pedófila do padre, o machismo explícito do campo, a anulação do feminino, a inanidade da vida, a miséria do espírito. O melhor de Portugal, como já se imaginava. Não falta mesmo a cena da devolução de terras da reforma agrária, com polícias, e cães, e camponeses. E então, vejam só “Os cassetetes levantaram-se, escuros, para melhor se abaterem nos ossos dos que os esperavam. As crianças foram lançadas à rectaguarda pelas mães que pegaram em pedras e em paus para se defenderem. Ou atacarem, pelo que pensavam, que é a mesma coisa. Os dentes dos cães rasgaram as carnes dos homens e das mulheres sem distinção. Cobriram tudo com a sua baba peganhenta e viral. E quanto mais sangue viam, mais se acirravam. Rodaram como tubarões em volta das presas feridas e agressivas e feriram o quanto bastasse.”
    Rende-se o leitor a este Fernão Lopes redivivo, e a tamanha propriedade de linguagem, e a tão grande fulgor imagético, e ao ritmo do depuradíssimo discurso, e a tão afinado domínio das artes da escrita.
    Sugere-se que há, a certo ponto da história, um caminho de resgate. Através do amor, através da união dos marginalizados, o jovem homossexual proscrito (o das mãos dançarinas) e a mulher desprezada e sonâmbula (a da voz celestial). Como, e com que encantos de linguagem, trate cada um de o saber, que eu já não passo daqui. Fantasia juvenil não é, por força, imaginação criadora.
    O autor devia conhecer, mesmo contrariando a pitonisa, a regra primeira. Para ser escritor, é indispensável ter alguma coisa, própria e nova, para dizer. É preciso matéria. Sem isso, que não é tudo, só o silêncio preserva o ambiente.
    E o editor, que não tem uma fábrica de sabonetes e é o vilão maior nesta história, não pode afrontar o mercado e submergir o leitor, com este terrorismo da enxurrada. Inundando escaparates com sub-produtos que rodam cada três dias, como quem planta eucaliptos. O editor tem obrigação de não atiçar estas chamas. Porque há várias formas de incêndio. E muitos modos de tornar Portugal num descampado.

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