Fosse pelo que fosse, a verdade é que nesta passagem do ano lembrei-me muito do jornal O Século. Quando se é novo, um ano representa muito pouco na percentagem do vivido. Um miúdo com dez anos, se pensa num ano, esse ano representa um décimo da sua idade. Mas o mesmo miúdo quando chega aos cinquenta já percebe que um ano é apenas um cinquenta avos da sua existência e tudo é mais veloz e fraccionado.
É um facto que a minha casa é muito perto da Rua de O Século, mas se não fosse essa aproximação eu lembrava-me na mesma. Porque quando eu era jovem pensava que o majestoso parque gráfico do jornal O Século nunca iria parar nem, muito menos, morrer. É que, além do jornal propriamente dito, havia as revistas O Século Ilustrado, Vida Mundial e Modas e Bordados – esta, uma revista para senhoras que muitos homens não dispensavam, pois nela escreviam escritoras importantes como Maria Lamas, Maria Ondina Braga ou Maria Judite de Carvalho. E como era assim, eu pensava que tudo aquilo nunca ia acabar. O Século era um mundo que fazia parte da minha vida, mas um dia, de um dia para o outro, deixou de fazer.
Esta fragilidade das coisas fortes, esta inesperada morte de um império de palavras, tudo isto me veio à memória no momento em que um ano mais se despede e um ano novo se apresenta na nossa vida. Agora só existe uma maneira de recuperar essas palavras perdidas. É nas prateleiras da Hemeroteca de Lisboa que as palavras do jornal O Século não morrem e vivem de novo sempre que alguém as recupera do sono do esquecimento. E projectam um pouco de vida e de alegria num lugar onde só a morte e a tristeza dominam as enormes e silenciosas salas da memória.
José do Carmo Francisco
Ora aqui está uma boa recordação para começo de ano. Obrigado.
Bom ano para aqui :-)
O Século Ilustrado e a Vida Mundial ( e, já agora, a Flama e o Tintin e o Jornal do Cuto e ainda o Diário de Lisboa de vez em quando e o Diário Popular às quintas-feiras, dia das Letras e Artes) passaram a ser de consulta e compra obrigatória, regular, nos idos de 1970, 71, 72 e por aí fora.
Guardo ainda muitos números que repesco algumas vezes para ilustrar o que escrevo que tem um sentido muito preciso:
Nesses anos, a formação intelectual e de cultura geral e específica de quem escrevia nesses media, era maior do que hoje.
O que sucedeu a esta geração que veio a seguir aos que agora andam na casa dos sessenta?
Melhor ainda:
COmo é que essa geração dos “sessenta” aprendeu o que aprendeu, de modo sólido e consistente, incluindo alguns valores perdidos ( a honestidade em geral)?
Responda quem souber que por mim, tenho cá o meu palpite ferrado.
Talvez algum de vocês se lembre do nome da primeira mulher repórter fotográfica em Portugal,da primeira a usar calças, que foi a minha tia Beatriz Ferreira. Gostava que todos soubessem numa altura em que se falam dos 100 mais importantes da nossa história.
Um, abraço a todos