À memória, escusado lembrar, de Mestre Leiria
Martim amava Sílvia. Amava-a muito. Por assim dizer, todas as noites. Para o irmão Paulo, na cama ao lado, era um tormento que ninguém merecia.
Chegou a Martim o primeiro ataque cardíaco. Iria ser também o último. Numa tarde, saíra Sílvia a fazer compras, disse ele a Paulo:
– Chavalo, eu sei como vai ser, quando eu lerpar.
Paulo fez-se desentendido, e até podia está-lo. Martim, mano como poucos, explanou.
– Quando eu for desta, tu hás-de, malandro… Se até se lê nos olhos!
Paulo, olhando agora o chão, rendia-se. Martim prosseguiu:
– E já que é isso, mais vale ires aprendendo. Eu nunca a tratei mal.
A partir dessa noite, dormiram todos três na cama grande. Anos, anos largos.
Morreram sem dar por isso, uma noite de Inverno em que o calorífero lhes queimou o ar.
fv
Amsterdão, 27-V-2007
Mais que a história, o modo como é contada, é um fascínio!
Quem escreveu esta maravilha?
Anonymous 1,
Leitores assim dispensam prémios.
Anomymous 2,
A letra é pequenina, tem razão.
Mas… Já leu o livro de Junho? Não leu? Vai comentar? Quer Chá com Scones?
Só postar! Só postar!Ai!
http://absolutamenteninguem.blogspot.com/
belo texto, fernando.
Uma cama sem fronteiras…
E que bem que ela está feita, a homenagem a Mestre Leiria. Parabéns!
Não há, na sonatina, uma sílaba a mais. É espantoso haver tipos assim! Ou só momentos deles!
Belíssimo, de facto. Trouxe-me à memória o conto «A Intrusa» do Borges. Mais palavroso, mas também de Mestre.
quem é o mestre? fiquei sem perceber
O Mestre é Mário-Henrique Leiria (1923-1980), que escreveu os magníficos Contos do Gin-Tonic (1973) e Novos Contos do Gin (1978).
O conto acima ‘respira’ o ar de Mário-Henrique, e poderia – para alguém desatento, mbora informado – passar por um dele. Qualquer conto assim é uma homenagem ao grande exemplo.
Mas Leiria não estava só. Também ele aprendera de mestres brasileiros, com Drummond à frente.
ao Leiria conheço, ao Borges também, não percebi era quem era o mestre do João Pedro da Costa. Porque comparar o texto deste post com “A Intrusa” isso, sim, parece-me de mestre… Está tudo maluco!!!
LOL
Bravo, Fernando.
Eu, trocava o título deste post para: FAZER-LHE A CAMA.
(perdoa-me a sugestão…)
Sininho,
Eu nunca supus os alcapões de malícia, os negrumes de humor, que há em ti.
Mas repara. Quem deu anos de gozo a tanta gente não andou fazendo camas.
Invariavelmente, tens razão. Parece-me que fiquei em maus lençóis… o que me faz rir, com gosto.
(…pior, seria ficar acamada, o que não aconteceu :))
Fernando
Repara, tu também. Ao reler a última frase do teu post, a dimensão da “tua grande cama” estava um tudo ou nada fria ;-)