«Rua do Arsenal» de José Ferreira Marques

16_2ejpg[1].jpg

Se o espaço deste romance é a Rua do Arsenal, o tempo é o tempo português dos anos 60 do século XX: «Aos novos, levava-os a guerra. Outros fugiam a salto para França. Os menos afoitos não resistiam ao encanto das luzes da capital.». Luís chega da sua terra a Lisboa olhando para os títulos de uma vitória do Benfica à porta de Santa Apolónia. Começa por descobrir os cafés: «juntou-se a uma tertúlia que abancava no Café Império, mistura de marialvas, amantes do fado, alguns estudantes e até forcados.» Cansado de ouvir na televisão a preto e branco «Adeus até ao meu regresso», participa na campanha eleitoral de 1969, mas acaba preso pela PIDE como se lê no bilhete entregue a Cecília: «O Luís foi preso. Deve estar em Caxias. Não me procure. PS – Consta que foi um Silveira do Técnico que o acusou.» Trata-se de Fernando António, o primeiro marido de Cecília. Ele simboliza o Portugal «velho» enquanto Luís surge como o Portugal «novo» ao lado de quem Cecília vai ouvir a célebre frase «Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas!». Entre dois mundos opostos, Cecília rejeita Fernando e corre para Luís na Rua do Arsenal, a rua onde se começaram a amar. A mesma rua onde foi assassinado o rei D. Carlos e o príncipe Luís Filipe em 1908 e mesmo ao lado da Câmara onde foi proclamada a República em 1910. Depois de Bichos do Mato com o olhar da guerra colonial, este Rua do Arsenal desenha em páginas vibrantes o mundo cinzento dos escritórios, dos cafés, dos estudantes e dos polícias que povoaram a Lisboa dos anos 60. Quando os homens «enchiam os bolsos de esperança» e fugiam a salto, que o medo «não matava a fome».

Editora – Palimage

José do Carmo Francisco

8 thoughts on “«Rua do Arsenal» de José Ferreira Marques”

  1. Zé do Carmo,

    Boa informação nos dás.

    Permite, todavia, que comente um pormenor.

    Na tua frase «Cansado de ouvir na televisão a preto e branco ‘Adeus até ao meu regresso’», a anotação «a preto e branco» está aí claramente para dramatizar, para infundir incómodo à situação.

    Ora (é preciso lembrar estas coisas a um jovem), a televisão era-nos tranquilamente a preto e branco, outra não havia e, acredita, nem com outra se sonhava.

    É, pois, um dramatismo forçado. Neo-realista no pior dos sentidos.

    A virtude, na escrita, é a sobriedade. Mesmo se encenada, claro.

  2. Está a decorrer uma greve geral de blogs. Se desejares participar podes copiar a imagem que está no meu blog. Obrigado
    Um abraço

  3. Relativamente ao comentário de fv (Fernando Venâncio?), que classifica a expressão «Cansado de ouvir na televisão a preto e branco” de “dramatismo forçado” e “neo-realista no pior dos sentidos”, o autor de Rua do Arsenal informa que essa expressão não existe no texto do livro.

    cumprimentos

  4. Quase fui levado ao mesmo engano.
    Depois, a tempo, reparei melhor.
    Ainda bem que veio JFM a esclarecer o que era um pouco fluido.

  5. Caro José Ferreira Marques (e Anonymous):

    Eu tive o cuidado de escrever «na tua frase». O neo-realista em acção é o Zé do Carmo.

    Não lhe(s) foi claro?

  6. “É, pois, um dramatismo forçado. Neo-realista no pior dos sentidos. A virtude, na escrita, é a sobriedade. Mesmo se encenada, claro.” Ele, fv, diz que não, que não estava a referir-se a “Rua do Arsenal” mas à informação que sobre este romance publicava José do Carmo Francisco. Pode ser que sim, e quem é quem para mover contra quem quer que seja processos de intenção, ainda por cima sumaríssimos! Não o faço, mas lá que parecia que era para o romance (para o autor do romance) o remoque, isso parecia, tanto mais que gastar tanto latim de pendor crítico-literário com uma informação de meia dúzia de linhas parece, no mínimo, excessivo.
    Dei-me ao trabalho de vir a terreiro com o que antecede por considerar que “sobriedade” é precisamente o que se ensina em “Rua do Arsenal”. Sobriedade e contenção. E bom-gosto. E escrita límpida, escorreita. E fácil, como é sempre fácil toda a escrita com muita oficina. Quanto à sobriedade e contenção de que falo veja-se, por exemplo, no romance, a “ligeireza” com que (não) se trata a passagem de Luís pela Faculdade de Direito. E como são baças (e parcas) as cores com que se descreve a prisão do mesmo Luís no mesmíssimo cenário — Reitoria/Faculdade de Direito. Aqui, no dito cenário, José Ferreira Marques fugiu a sete pés da facilidade. Aqui, onde podia navegar como peixe na água e fazer uns brilharetes, retraiu-se, recusou a meia dúzia de páginas de encher chouriços que facilmente lhe renderiam os seus tempos de faculdade. Fê-lo com notável sobriedade. E com bom-gosto, servido pela sua escrita límpida. Escorreita.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *