Luís Carmelo
Este apontamento crítico saiu hoje no «Actual» do Expresso.
Uma jornalista portuguesa, em trabalho no Líbano, é raptada. Estamos no início de Outubro de 2006. O fim da guerra com os israelitas não tornou a região menos confusa. A diplomacia portuguesa prova pouca agilidade, e Rute Monteiro acabará assassinada, com realismo videográfico «on-line», embora sem confirmação. Sobre esta tragédia escreveu Luís Carmelo o romance E Deus Pegou-me pela Cintura. É um relato «de geração» (o episódio terrorista é apenas pretexto) e pretende-se retrato dum país inteiro.
O romancista, também professor universitário, ensaísta e conhecido «blogger», engendrou um pré-lançamento a que não faltava invenção: a blogosfera forneceria uma inaudita «cacha». Bloguistas amigos, ou cúmplices, emprestaram credibilidade ao drama, enquanto a paralela «apatia» dos «media» tradicionais funcionava como escândalo e prova de inaptidão. «E porquê este silêncio todo?», lia-se numa caixa de comentários. «Eu acho arrepiante.»
O golpe publicitário (bom, a «antecipação ficcional», como o autor lhe chamou em entrevista na rádio a Francisco José Viegas) não pôs lírica a blogosfera inteira. Nada de estranhar, considerou Eduardo Pitta: semelhante «enfado» perante a lúdica manobra só nos ilustrava a incapacidade de rir. O que não convenceria Rui Bebiano, que via no «artifício wellesiano» uma certa «banalização do mal».
Movimentam-se, no romance, três espaços de tempo. Há a história actual, a do sequestro – e tão estritamente contemporânea que desembocará no próximo futuro Verão. Há o longínquo panorama revolucionário de uma Rute em Évora e seu namoro com Guilherme, colega universitário. E há o reencontro dos dois, de Setembro de 2006, em Lisboa, ela já repórter conceituada, ele cartoonista diário. Com algum pormenor se preenchem, ainda, os 30 anos intercalares. Em todos estes cenários é alimentado o contacto com a História exterior (das ocupações de latifúndios, em 1975, à última guerra no Líbano e à mensagem de Natal de José Sócrates), numa fusão que, aqui e ali, ganharia com mais subtil tratamento.
Alguma subtileza se desejaria, também, às cultíssimas alusões que povoam os romances de Luís Carmelo, onde (são dois exemplos, neste, inofensivos e nacionais) uma vivenda será «estilo Raul Lino» e certo bebé nascerá «no dia da morte de Vitorino Nemésio». Mais precária, todavia, é a atmosfera premonitória (digamo-lo assim) que embebe estas ficções. Só no cenário de Évora abundam o «promissor», o «providencial», o «auspicioso», o «significativo», o «sintomático». Estamos num universo conspirativo, como o que Hélia Correia constrói, mas aqui com os cordéis todos à mostra. Por ironia? Seria difícil supô-lo. Na ritualizada literatura de Luís Carmelo, quando há riso, diz-se que há.
Um escândalo internacional como trama, aí está um achado. Mas ele pressupõe uma desenvoltura que este autor não explorou, embora o pudesse. A bem conduzida cena do interrogatório de Guilherme por uma PSP intrigada pelo rapto, único momento vibrante do volume, mostra um Luís Carmelo capaz de outras façanhas. Subaproveitado, portanto.
E Deus Pegou-me pela Cintura
Luís Carmelo
Guerra & Paz, 2007, 192 págs., €17
Ó FV, pelo trabalho que teve a promover o livro, ou a “antecipá-lo ficcionalmente”, mais valia dizer que é uma obra-prima, caramba!
Aí está, TheCynical.
Alinhei na gracinha blogosférica sem conhecer o livro. Gostei da gracinha e repetia. Porque era um belo risco. Porque sabia que, semanas depois, ia ler o livro – para escrever sobre ele.
Agora, «obra-prima», Cínico? Não sabes ler. Que decepção!
“Alinhei na gracinha blogosférica sem conhecer o livro.”
E deixam-no escrever crítica literária depois de emitir uma frase dessas?… Espero não o decepcionar de novo, mas foi precisamente a “gracinha blogosférica” que me tirou a vontade de ler, de sequer pegar no livro.
Cynical,
«E deixam-no escrever crítica literária depois de emitir uma frase dessas?…» Não. Deixaram antes.
Mais uns dados. Conheço o autor há dezenas de anos, ele foi meu aluno, somos amigos. Era razão suficiente para alinhar na lúdica marosca.
Mas outra coisa é o meu juízo sobre o romancista. E esse juízo, bem viu, não é de entusiasmos.
“E o Crítico deu-me um Empurrãozinho” (working title)
O seu “juízo” sobre o romancista não pesa uma grama a partir do momento em que activamente participa na promoção do seu livro…ANTES de o ler. Será assim tão complicado entender isto?
Não é, de facto, complicado. O amigo dá um empurrãozinho. Porque é amigo. Depois, o crítico zurze. Porque é crítico.
Mas faz muita impressão, não faz?
Você é cínico. Mas tem um espírito simples. Não está, de facto, tudo perdido.
E os amigos do TheCynical que se cuidem, porque do TheCynical nunca ouvirão uma crítica ou um elogio sobre o que quer que seja, pois os amigos servem é para estar caladinhos e não dizer coisas.
[Anonymous: na mouche. Thanks.]
Os amigos devem dizer coisas; escrever críticas é que me parece escusado. Mas quando tiver um romance pronto, um amigo no Expresso a escrever críticas, e amigos na blogosfera para “antecipar ficcionalmente” a coisa, digo-lhe algo, A. Nonymous.
Perfeitamente de acordo com o Ferdinand nesta questão.
E eu nem fui aluna ou professora e ainda menos sou crítica ou li o livro.
As pequenas trocas de simpatias gratuitas são uma reserva de juventude de alma que os cínicos desconhecem.
Sempre em forma, esta Zazie.
“simpatias gratuitas”…
Hmm, a Zazie parece que ainda não saiu da meninice, como a do filme do Louis Malle que andava no “Métro”… Vá ver se o livro se anda a dar nas livrarias, ou se o resultado das vendas reverte para caridade, por exemplo, para as vítimas de raptos e abusos físicos e mentais. Não, ma chère petite Zazie, as amizades genuínas passam bem sem a criticazinha semanal que tanto jeito faz, sim, ao editor…
…editor que, se for esperto, ainda pode aproveitar do texto desanimado do nosso FV o seguinte excerto para o transformar num blubezito jeitoso: “Um escândalo internacional como trama, aí está um achado.” Basta recorrer a uma pequenina operação de nip-and-tuck, e teremos, na contra-capa da 2ª edição, algo como:
“Um escândalo internacional como trama(…): um achado.”
(FV, Expresso)
Esta, sim, minha cara Zazie, foi gratuita. Aceite-a como a dádiva sincera de um coração cínico.
Para além de não conhecer o Raymond Queneau, o seu problema é não perceber o enorme valor de uma simpatia gratuita.
Sem ela nem é possível existirem amizades genuínas. Que, como é óbvio, não são da ordem dos meros encontros no mundo real ou no virtual.
Mas são outra coisa muito mais importante: a liberdade de não se temer que lhe caiam parentes na lama por um qualquer sorriso.
Se há coisa que gosto de preservar são estas pequenas levezas
E então quando acontecem onde pareceria impensável, ainda curto mais “morder” as reacções.
Ultimamente tenho recebido uma série de mails de “intelectuais blogosféricos”, perfeitamente escandalizados com as simpatias com o Arroja
Triste de quem já nem se lembra de como é agradável não se perceber tudo.
“:O))
………
Quanto ao resto comentei porque também alinhei nessa brincadeira do rapto. Sem quaisquer paranóias nem frete.
O Luis Carmelo (que só conheço da blogosfera) teve uma reacção de tal modo magnânima a uns gozos gratuitos que passou para o lugar dos que estão “sob protecção”.
ehehe E isso é coisa que ninguém o obtém de mim com muita graxa.
Arroja, Queneau (que conheço, sim, mas preferi citar o Malle, que mal não vem ao mundo se), “intelectuais blogosféricos”… Ó cara Zazie, não, não, trata-se apenas de vender livros e ajudar amigos… A ver é se quando o Lobo atacar mesmo, e uma jornalista for raptada no Líbano, a gente reage com mais seriedade do que com piscares de olhos entre “amigos blogosféricos”… E que se venda bem o livro, caramba! Ao menos isso!
V. é um somítico. 17 euros é um livro à borla. O Ferdinand nem os 17 euros vendeu. Preferiu não hipotecar as simpatias antes da venda.
Ainda bem que faz isso.
Por mim até vendo um bem mais caro. o do Dragão- são 27 euros encadernados a pele e sem editora.
Mas vale a pena
“:OP
Como livro e, ia jurar, que como amigo.