Em Setembro, Putin mudou a doutrina nuclear da Rússia. Passou a considerar ataques convencionais contra a soberania ou integridade territorial da Rússia causa suficiente para responder com armas nucleares. Essa proclamação foi vista como mais uma, a enésima, chantagem nuclear para impedir que a Ucrânia usasse certo tipo de armamento convencional em solo russo. A 17 de Novembro, os EUA autorizaram isso mesmo, que a Ucrânia disparasse mísseis americanos de longo alcance contra alvos no território russo. Dois dias depois, Putin voltou a actualizar a doutrina nuclear russa, detalhando que agora países sem armamento nuclear podiam ser atacados com armas nucleares em resposta a ataques convencionais no caso de receberem apoio de potências nucleares. Mais dois dias e resolveu disparar um míssil balístico sem carga nuclear contra a Ucrânia, uma estreia mundial. Nesta quinta-feira, falou na existência de um conflito “global”, dizendo que estava na calha atacar alvos militares de países que apoiassem a Ucrânia.
Desde o começo da segunda invasão da Ucrânia que a chantagem nuclear russa tem sido agitada em voz alta. O objectivo foi em parte conseguido, pois uma parte da população europeia aceita tranquilamente o sacrifício do povo invadido e bombardeado para se ver livre do pesadelo do holocausto atómico, fora a epidemia de putinistas taralhoucos que gerou. Mas só ter medo, e afundar-se na irracionalidade, não pode ser apanágio de governantes e militares. Putin não inventou a guerra nem é o único a achar que tem direito a cenas ao seu gosto. Há ucranianos, europeus e americanos que têm outras razões bem diferentes das do actual poder russo, o qual é criminoso e imperialista. Esses olham para a Rússia de Putin e vêem um inimigo. Ora, com os inimigos só há duas coisas a fazer: a guerra ou a paz.
O comportamento humano tem características imprevisíveis, daí o mundo como o conhecemos. Ninguém sabe se a Coreia do Norte, tendo a bomba, não a irá lançar contra a Coreia do Sul só porque sim. Ou se o Irão, tendo a bomba, não a irá mandar contra Israel só porque Alá. Ou se o Paquistão e a Índia não sei quê à bombada nuclear. Assim, ninguém sabe se a Rússia irá usar armas nucleares na Ucrânia, muito menos se sabe se as irá usar contra países da NATO. A única coisa garantidamente certa é que ninguém está a invadir a Rússia (ter ucranianos em Kursk não causou a invasão russa, foi ao contrário), ninguém está a fazer chantagem nuclear sobre a Rússia, não é concebível que qualquer país da NATO tivesse sequer condições políticas para atacar a Rússia sem ter sido primeiro atacado. Aliás, a ideia de haver planos “ocidentais” para começar um conflito militar nuclear, ou que fosse tão-só convencional, com a Rússia é demente. Os maluquinhos papam disso, mas lá está.
Moral da história? Putin é criminoso e cobarde. Num certo sentido, é indiferente o que venha a decidir fazer com o seu arsenal nuclear. Ele sabe qual será a resposta se tomar a iniciativa, quem o rodeia também. O resto, é o mistério de tudo e de todos.